Vi, em página do Facebook, uma foto antiga daquilo que por muito tempo foi o único sobrado de Pilar. Nos meus dias de menino, ali morar...

O Sobrado

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Vi, em página do Facebook, uma foto antiga daquilo que por muito tempo foi o único sobrado de Pilar. Nos meus dias de menino, ali moraram duas famílias de comerciantes. A do Seu Nequinho, ainda está bem viva na memória porquanto guardo amizade estreita com dois de seus filhos: Everaldo Pontes e Zezita Matos. Sim, estes mesmos que os amantes do teatro e do cinema conhecem como atores de grande talento. Também assim os conhece o público numeroso de algumas minisséries e novelas da Globo.

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O último encontro que tive com Everaldo deu-se no Cannelle, o restaurante de Afrânio Bezerra. Sentamos à mesma mesa ele, eu, Miriam, a moça com quem casei, e nossa sobrinha Kamilly. Everaldo preparava-se para atuar em “Gabriela”, a novela global. Faria o papel de tio da personagem-título a quem a beleza morena de Juliana Paes daria corpo e alma.

O encontro com Zezita - também no elenco de uma novela da Globo, a "Velho Chico" - deu-se num dos corredores do Centro Universitário de João Pessoa, onde estive, tempo atrás, a propósito de reportagem cujo tema agora não me ocorre. Acho que ela então chefiava um dos departamentos do Unipê.

Sempre que nos encontramos, eu e os filhos do Seu Nequinho, o bate-papo gira em torno dos nossos pais e irmãos. “Como anda fulano”, “como está sicrano” e por aí vai. Pergunto sempre por Nildinho, mais velho do que Everaldo e a quem há muito não vejo. No Pilar da nossa infância, o térreo do sobrado era ocupado pela mercearia da família. Depois, ali também moraram o farmacêutico Cícero, sua mulher e filhos. Do mesmo modo: a família no andar de cima e a atividade comercial, embaixo.

Alan Santos / Palácio do Planalto
Quem gosta de José Lins do Rego e conhece Pilar, palco dos romances do Ciclo da Cana de Açúcar, percebe que o velho Sobrado, instalado na rua principal, quase sempre foi assim: casa no primeiro andar e comércio no térreo. Uma das poucas exceções deu-se quando esteve habitado, temporariamente, pela saudosa Dona Zuleide, mãe de filhas e filhos dos quais eu e os meus também nos tornamos próximos.

O prédio tem história. Em priscas eras, ali morou o comendador, prefeito e dono de armazém Quinca Napoleão, homem que se tornou desafeto de Antonio Silvino. Zé Lins refere-se ao episódio em dois ou três dos seus livros. Disposto a vingar-se, o cangaceiro voltou a Pilar numa noite escura e subiu aos aposentos familiares sem que ali estivesse o dono da casa. Dona Inês, a esposa, era mais valente do que o marido.
Arq. Nacional
Negou-se a entregar a chave do cofre que dizia não estar consigo. O bando revirou tudo, jogou um baú com moedas para o povo na rua, abriu a porta do armazém e fez todo mundo servir-se do que ali havia. Antes, os cangaceiros cortaram os fios do telégrafo e soltaram os presos da cadeia.

Eis um trecho de “Fogo Morto”: “Antonio Silvino atacou Pilar. Não houve resistência nenhuma. A guarda da cadeia correra aos primeiros tiros e os soldados do pequeno destacamento ganharam o mato à primeira notícia do assalto. Dona Inês recebeu-os com uma coragem de espantar. O capitão Antonio Silvino pediu as chaves do cofre e ela, com o maior sangue frio, foi-lhe dizendo que tudo o que era de chave estava com o marido. O cangaceiro ameaçou botar fogo no estabelecimento e Dona Inês não se mostrava atemorizada. Era uma mulher pequena, de cabelos brancos, de olhos vivos. Fizesse ele o que bem quisesse. E ficou na sala de visitas tranquila, muda, enquanto os homens mexiam nos quartos, furavam colchões, atrás do dinheiro do velho Napoleão. (...). Antonio Silvino ameaçou a mulher, mandava passar-lhe o couro e ela, muito calma, só dizia que nada podia fazer”.

Difícil perceber em Zé Lins o que é ficção ou realidade. Mas o fato é que suas histórias têm muito da memória familiar, dos casos ouvidos e repassados à mesa do Corredor.

Antonio C. Silva
Também é fato que Pilar sofre do desprezo à mais sentida de suas vocações, o turismo, com suas oportunidades de emprego e renda. Visitada por Pedro II nos idos de 1895, a cidade que já foi epicentro da zona canavieira padece, notadamente, dos males da desatenção dos que têm governado a Paraíba. Disso, mais do que da falta de visão de prefeitos escolhidos para a gestão de cofres magros.

O Sobrado de agora já não é aquele da minha infância. Foi mutilado, perdeu os parapeitos de fabricação inglesa dispostos em quatro sacadas frontais, além de todas as janelas. Zé Lins, que tornou Pilar, sua gente e suas paisagens conhecidas nos quatro cantos do mundo, por livros traduzidos em mais de dez idiomas, deve ter se revirado no túmulo.

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  1. Oi conterrâneo e escritoramigo , como fiquei feliz com seu artigo trazendo tantas lembranças boas dos meus tempos de Pilar. Lembrei da feira que era em frente ao Sobrado e a mercearia do meu querido pai Sr. Nequinho ficava cheia.
    É uma pena e um absurdo o que fizeram com uma construção que marcava uma época. Obrigada ❤️ ❤️ por lindas recordações. Abraços

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  2. Meu caro amigo Frutuoso.
    Infelizmente, como dizem os nossos "populares", você, mais uma vez, "mete o dedo na ferida".
    A grande e trtiste realidade é que não temos uma política de turismo, pois o setor, digo os órgãos estatais "a quo" e todas as entidades que gravitam em torno desse sol desbotado ou frio, não entendem nada do assunto.
    Atuam, tão somente para tirar proveito de uma situação com a qual não podemos, nem devemos, concordar.
    São congressos e outros convescotes, são "fan-tours" e muitas outras badalações, são os anúncios pomposos de procedimentos ou acontecências que só se realizam no dizer desses especialistas.
    Infelizmente, a turismologia tupiniquim não se deu conta de que as condições de incentivo ao turismo são diferentes e não se realizam por geração espontânea.
    Ninguém, nesse imenso universo técnico, parece se dar conta do princípio que o saudoso professor Ronald de Queiroz Fernandes lembrava aos seus alunos, acentuando que "o turismo é uma "indústria sem chaminés" e assim deve ser tratada.

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