José Edmilson Rodrigues se lança ao haikai, com o livro Duetos de manhãs (Itabuna, BA: Mondrongo, 2022). Já no início, a epígrafe de Guilherme de Almeida traz uma conceituação dessa forma poética, que poderíamos chamar de gênero poético, e da sua finalidade. O que interessa na carpintaria do haikai é a essência poética, como a pepita que se garimpa em meio a toneladas de areia, fazendo-a surgir da “ganga impura”, como diria outro poeta de nossa língua, Olavo Bilac.
Compondo o seu livro com temas diversos, que vão das inquietações filosóficas, às inquietações amorosas, geradas pela dor, pela saudade, solidão, paixão e o amor, por vezes erótico, o poeta não esquece o que caracteriza o haikai na sua origem: o diálogo com a natureza e o trabalho com a forma. Como se sabe, essa forma poética é constituída por três versos com cinco, sete e cinco sílabas, respectivamente. Como os ritmos de fala da língua portuguesa e da língua japonesa são diferentes e, confesso, que desconheço não só a língua japonesa, mas também o seu sistema de composição da métrica do verso, vejo essa fôrma que o haikai apresenta na nossa língua como uma adaptação do sistema nipônico, ao ritmo de nossa realidade linguística. Por outro lado, é preciso que se reconheça haver uma ligação intrínseca entre ritmo e métrica, não podendo ser dissociados. Esta depende daquele, pois o ritmo impõe a métrica.
Por conta de sua concisão, o haikai deve mostrar um equilíbrio perfeito entre fundo e forma, para que não haja descompassado entre o que se diz e o veículo em que se diz. José Edmilson Rodrigues deixa isso bem claro, com o poema que fecha o livro, em homenagem a Matsuo Bashô, poeta japonês do século XVII, que aprimorou e estabeleceu os do haikai:
Samurai Bashô,
sentenciou um canto, um ritmo:
e n'alma fixou.
Entendemos a referência a Bashô, como samurai, mais no sentido metafórico do que real. O samurai era um servo leal do governo japonês, que aprimorava a sua técnica de guerreiro, mas não descurava do espírito. O poeta José Edmilson Rodrigues cria um poema tratando dessa fusão indissociável – o canto –, entre a técnica – o ritmo –, e o espírito – a alma –, em que o haikai deve se fixar. O poeta, cultor desse gênero, deve servir a esse tipo de poema, com a perícia e a lealdade de um samurai.
Não faltam poemas metalinguísticos em Duetos de manhãs, numa prova de que o poeta José Edmilson Rodrigues, se volta para a sua própria arte, refletindo sobre o que faz. Assim são os poemas “Se faça poeta”, “Um poema fala”, “A música soa”, “Sentindo o poema”, “O tempo do coro”, “Chirear de aves”, alguns deles misturados à temática da natureza, um dos pilares do haikai.
É, sobretudo, nesses poemas que dialogam com a natureza, que vemos o ponto forte da poesia de José Edmilson Rodrigues. Isto não significa que ele não se realize como poeta nos demais haikais, há, contudo, uma simplicidade no olhar, associada à sutileza da captação do momento que lhe concede essa plenitude poética de reconhecer e conceber a essência de um flagrante.
Em alguns momentos, esse diálogo se reveste de uma ambiguidade, levando-o além do instantâneo apreendido na observação da natureza. O poeta revela um olhar erótico, já anunciado de modo mais claro, em outros poemas do livro, como “Ao sol um brinde” e “Boca e beijo, a língua”. O que queremos ressaltar, porém, é que os poemas em que a visão da natureza se mescla ao erotismo possuem um apelo poético maior, obrigando o leitor a sair do plano horizontal do significado e buscando um olhar mais profundo, em segundo grau, verticalizado, ampliando o significado para a significância, percebendo o que deve ser entendido além do que foi expresso. É esta a essência da poesia.
Em “Você flor da tarde”, é flor ou mulher “que emerge para o ar chuvoso”? O que incensa “o tempo”? É cheiro da chuva, caindo à tarde, ou cheiro de mulher orvalhado, em tarde chuvosa? O mesmo acontece em “O que se revela”: por qual fenda a natureza brota, a fenda da terra, a fenda da mulher, geradora e mãe como a natureza, em um poema que se casa perfeitamente com “Fiando a paixão”?
Fiando a paixão
pela teia do desejo:
fendas do teu corpo.
E em “Casulo e lagarta”, como não remeter ao acasalamento e à geração/gestação de vida, que brinda animais e homens?
Casulo e lagarta,
vida criando outra vida:
larva transformada.
Por fim, essa ambiguidade consciente e provocativa de José Edmilson Rodrigues nos coloca diante desse desejo e necessidade da vida, aqui expostos em “Jardim, relva e flores”:
Jardim, relva e flores.
O que me eleva à alma:
semear o pólen
Insetos, abelhas, pássaros... Entre o zumbido e o chilrear; entre o esvoaçar e o cantar; em meio ao apelo erótico da vida que renasce em novos ciclos, não sem expressar seus medos, angústias e inquietações, José Edmilson Rodrigues cria a sua poesia, como a primavera que sempre nos vem com novas promessas:
Chega a primavera
e me tome pela mão,
com cheiro e ternura.