Eis o meu testemunho sobre Arnaldo Tavares. Testemunho remoto e vivo de quem nasceu no meio da bouba, de quem, inocente, foi levado a mudar de destino e até de filiação para fugir ao contágio da doença que chagava, deformava, abria cravos e feridas, entortava os pés – isto até o dia em que o dr. Arnaldo desceu a cavalo pelo Riachão entre Areia e Alagoa Nova, escalando os despenhadeiros de Bananeiras, e improvisou subpostos rurais no combate tenaz à endemia.
Procedo dessa região de cambados, impaludados. Tive na família, mãe, tias e tios legítimos. Sim, por causa da bouba, para não infectar a queimadura num ferro de engomar de brasas que virei por cima de mim, surge a mãe providencial e para toda a vida. A partir desse incidente eu me tornei filho adotivo.
Arnaldo Tavares, José Onofre e Gil Moreira na Campanha contra a Bouba
Acervo de família
Acervo de família
Os caminhos do brejo paraibano, dessa região úmida, de minha origem, quase sempre descrita liricamente não só por poetas como por sociólogos, como se a paisagem social, a seus olhos e à sua consciência, não saísse da sala ou da mesa da casa-grande.
Arnaldo TavaresAcervo de família
E bem mais tarde, já no salão de leitura do Diocesano de Campina, noutro ambiente, surpreendo o poeta Jansen Filho a reclamar que se estivesse a copiar pelo carbono, “borrando as linhas de um desenho de Arnaldo” nos primeiros números do Correio das Artes. Data daí o surgimento, para mim, de outro Arnaldo Tavares, o artista gráfico.
Com pouco mais de um ano no jornal A União eu não me sentia estranho. Mesmo como simples revisor, apenas acerando a redação de homens engravatados. Não chegando prova na mesa a corrigir, descia a escada para a oficina. E lá me dava em liberdade entre operários novatos ou classificados. Havia um dos mais respeitáveis, Waldemar Nicolau, a quem se confiava a impressão dos livros mais recomendados.
E está assim concentrado quando o surpreendo explicando a falha sutil de uma linha a alguém que, de lado, me pareceu com o rosto de Vinicius de Morais. O objeto de interesse era o livro Caminhos, sombras e ladeiras do diretor do jornal, dr. Juarez Batista. Atraído, me inclinei sobre a página e dei com os olhos bem apurados na assinatura do homem que via falha num rabinho de linha. Era o A. Tavares do Correio, o A. Tavares das ilustrações e vinhetas do livro em impressão. O mesmo da reclamação de Jansen. O mesmo de quem o povão da bouba se valia, se amparava sob o nome de Dr. Arnaldo!
Bico de Pena de Arnaldo Tavares
Louvores do povo, fonte e razão de sua Ciência, do Médico, do Antropólogo, do Botânico, do Folclorista, agora convocado pelos herdeiros do seu nome e de sua obra até então esparsa a reassumi-la no melhor estilo e sem limite de tempo, de novas luzes e horizontes.
É um relato curto, como curto deve ser o fôlego de um nonagenário como eu, mas que espero ter ressaltado a grande admiração pelo importante desempenho de Arnaldo Tavares no cenário paraibano.
(Originalmente publicado no jornal A União)