Ah, os poetas! Se não conhecê-los, como sabê-los? Dizem que quando Deus cuidou de esparramar gente por esse mundão, dividiu a humanidade em duas categorias, os poetas e nós. Eles (estou me referindo aos poetas) são definitivamente criaturas diversas da outra banda onde está a turma do “nós”, em que me incluo.
Simples mortais que somos, podemos ter manias, maus hábitos e outras coisas assim, já os poetas, têm, quando muito, pequenas idiossincrasias. Onde vemos um Saara,
As dores, as decepções, chegam a eles de forma mais marcante e intensa do que aquelas que vêm ao nosso encontro, uma vez que definitivamente são eles mais sensíveis do que a outra banda em que nos encontramos desde que Deus resolveu nos dividir em os poetas de um lado e o que sobrou do outro. Pois, são capazes de transformar até esses desconfortos da alma em versos cheios de encantos e magia.
Perguntarão se eu os invejo. De certa forma, sim. Quisera eu ter esse dom de transformar o improvável em poesia. E o que seria do mundo não fossem os poetas e os passarinhos? É assim que os vejo, num misto de admiração e respeito.
Hoje, perdoem-me outros vates de nossa efervescente Filipeia, mas quero destinar “essas mal traçadas linhas” a um bardo aqui da província. Poeta da melhor cepa, que além dessa inegável virtude literária, é também um cronista de singular predicados e um crítico literário da melhor qualidade. Quem é? Creio ser prudente não revelar o nome, nem o seu Registro Geral obtido junto às nossas autoridades de Segurança Pública, muito menos os dígitos de seu Cadastro de Pessoa Física. Fica; pois, reservado ao protagonista deste texto, direito ao mais absoluto anonimato.
Dias atrás o encontrei no lançamento de um livro, autoria de um jovem e promissor poeta. O evento deveria ocorrer (e ocorreu) em um Café lá pelas bandas de Manaíra. Cheguei, como é de meu costume, coisa de meia hora antes do horário previsto. Logo pude ver nosso poeta já de prontidão sentado a uma das mesas do recinto. Ele, esposa e mais um casal. Enxerido que sou, puxei cadeira e me fiz junto ao quarteto.
Conversa animada, pedi o cardápio. Ao olhar os preços minha vocação pela aritmética ganhou musculatura e começou a fazer asas. Um café expresso equivalia a um prato de bode com cuscuz no bar do Lulinha. Um cappuccino empatava com uma cerveja mais uma porção de calabresa com queijo de coalho. Fiquei no café expresso.
Minutos depois, observei que nosso versejador estava todo pimpão sorvendo sua dose de whisky. Voltei meus olhos ao cardápio. Pelo valor de duas doses e meia
Fiquei de tocaia, só na observação. Como adquirir o precioso líquido sem ferir o orçamento doméstico? Eis que nosso herói faz novo pedido. Mas, o quê? Pediu uma garrafinha de água mineral (sem gás, que é a mais baratinha). Com a desenvoltura de um guerrilheiro puxa da bolsa que sempre traz a tira-colo, aquela garrafinha de metal, apropriada para levar no bolso do paletó, pelo menos umas três doses da bebida que o portador aprecia.
Segundos passados lá estava nosso vate com aquela fisionomia de cowboy mexicano, tecendo considerações sobre a obra de T. S. Eliot, que me parece ser seu poeta favorito dentre os britânicos. E tomando seu whisky com água mineral sem gás...