Tive algumas experiências com a palavra. Claro que escrever romances é bem diferente de escrever poemas, para os quais você puxa o fre...

Palavras maravilham, mas também angustiam

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Tive algumas experiências com a palavra. Claro que escrever romances é bem diferente de escrever poemas, para os quais você puxa o freio de mão. Nos dois casos, porém, as palavras são utilizadas e, em geral, lidas em silêncio.

Aí fiz teatro, e vi atores dizendo tudo aquilo em alto e bom som, dando vida ao que eu criara. Fiz cinema e eu mesmo disse falas e vivi as que escrevera, como se as trouxesse pra outra dimensão.

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Eli-Eri Moura / José Alberto Kaplan / Ilza Nogueira@facebook
Aí produzi versos para serem musicados por um Kaplan, Eli-Eri, Ilza Nogueira – ela colocou alguns em partituras de Mahler, Stravinsky, Alban Berg. E os vi cantados por coros acompanhados de sinfônicas. De repente o Eli-Eri fez deles uma ópera – vi tenores, sopranos, barítonos e baixos vivendo meus personagens.

De repente o maestro Carlos Anísio e a coreógrafa Rosa Angela Cagliani me pedem o roteiro de um balé e em lugar de cantores, tive bailarinos vivendo o que imaginara.

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Balé Caldo de Cana (roteiro de WJ Solha, 1984) acervo do autor
Aí largo tudo e passo seis meses pintando minha versão atualizada do Jardim das Delícias, do Bosch, depois nove meses (uma gestação inteira) dedicado ao mural Homenagem a Shakespeare.

E entendi porque Nise da Silveira – em lugar de choque elétrico, lobotomia e coma insulínico nos pacientes do Centro Psiquiátrico de Engenho de Dentro – botou-os pra fazer a Arte com que ela preencheu o Museu de Imagens do Inconsciente. Porque pintando, desenhando, esculpindo, modelando, as palavras ficam muito tempo fora de nosso pensamento, que passa a operar com luzes e sombras, linhas, volumes, escolhendo entre o amarelo cromo claro e o amarelo de Nápoles, entre um vermelhão chinês e o francês.

E o que se percebe: palavras maravilham, vão fundo, ... mas também remoem, torturam, angustiam. Como fizeram com Dante, que, de repente, nel mezzo del cammin... viu uma pedra. Chegou ao Paraíso, é verdade, mas, antes, comeu o pão que o diabo amassou. Literalmente.


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