Não lhe disse Zé Ronald? Foi só o tema voltar à baila e as almas sebosas, sempre de prontidão, já despejaram um robusto rol de ofensas sobre minha pessoa.
Agradeço sua solidariedade, a de Thomas Bruno, a do Zé Pequeno e às gentis palavras do Zé Edmilson que vieram socorrer-me neste momento de aflição. Mesmo assim, contrariando efusivos pedidos de minha cara metade, irei com vocês quatro ao Cariri lá pelos meados de outubro, conforme já havíamos combinado, pois é quando a chuva dá trégua e assim será mais fácil encontrá-los.
Estimo, Zé Ronald, você fazer aflorar sua paixão pela ciência ao resolver fazer um levantamento estatístico de nossas amadas criaturinhas. Posso ajudá-lo nessa empreitada, vamos catalogá-los, levantar tamanho da população, a distribuição segundo gênero para uma estimativa quanto ao número de machos e fêmeas aptos a reprodução, o número de filhotes e o crescimento vegetativo dessa comunidade. Encarrego-me de organizar os dados obtidos e Thomas Bruno se prontificou em levar essa pesquisa ao nosso IBGE. Depois dessa nova aventura não quero mais tocar no assunto, pois passei da idade e do peso de suportar certas ofensas. Vou me recolher, certo de que fiz minha parte. Hoje pela última vez ainda farei, a pedido de Zé Pequeno, algumas considerações.
Creio que a presença deles nesse cantinho espremido entre o Seridó e o Pajeú se dá devido à considerável criação de caprinos tratados à pasto (no caso, entre os espinhosos pés de jurema). Além das travessuras de fazer trança em égua,
Mas vamos esclarecer: Saci é traquinas, buliçoso, mas não é mau. São arteiros, mas têm coração da melhor qualidade. A vocês meus quatro soldados de nossas mais puras tradições, vou fazer chegar alguns volumes que separam a lenda da realidade e vocês irão se abastecer de informações importantes. A literatura que deixarei com vocês permitirá que separem o mito da realidade. Mas prometi a Zé Ronald, contar hoje nesta gazeta como os vi pela primeira vez. Foi assim.
Era um 1º de maio, o de 1957. É quando o frio começa a dar as caras lá pelas bandas da Mantiqueira. Meu avô, o Vico, o irmão dele, o Miro e mais eu que ainda não completara 7 anos, já de manhãzinha, saímos aboletados no jeep do Dito da Mata que nos deu carona até os altos do Baú, onde à época acabavam as estradas e dali para frente, só trilhas nas matas de araucária e pinho bravo. Fomos colher pinhão. Não só colhê-los. mas assá-los em fogo feito com galhos e folhas pinheiro. Tudo certo, meu avô, o tio e eu já havíamos colhido uma saca daquelas sementes apetitosas. Então, acendemos o fogo e ficamos esperando estouros na fogueira que anunciam que o pinhão está no ponto.
Aí é que se deu o fato. Depois de mais de hora de caminhada, Tio Miro disse ao meu avô: Nós já passamos por aqui e não faz muito tempo. Estávamos caminhando em círculo. E tio Miro ainda disse: Vico, estamos perdidos. Andamos mais um pouquinho e achamos uma clareira. Ali, meu avô que era muito sabido e já lera as aventuras de Marco Polo, sugeriu que esperássemos anoitecer. À noite, segundo ele, era só olhar para o céu, encontrar o Cruzeiro do Sul, prolongar o braço imaginário da cruz, o maior, umas quatro vezes até o horizonte. Ali estaria o Sul, atrás o Norte e à esquerda o Leste que deveria indicar nossa rota.
Acontece que a noite foi chegando, não com o céu estrelado como prevíamos, mas com nuvens espessas e cadê a constelação que permitiria ao meu avô tirar-nos dali? Fizemos uma fogueira para dar um tempinho. Quem sabe as nuvens se dissipariam. Nada. Até que meu avô, no chegar da escuridão, nos apontou um bando de vaga-lumes. Não são vagalumes, disse tio Miro, são sacis.
Meu avô pediu que eu jamais contasse isso a alguém, pois certamente iriam pensar que estávamos perdendo o juízo e tio Miro fez-me jurar que eu não os tiraria do coração. Só hoje estou quebrando o pacto que fiz com meu avô. Quanto à promessa, fica tranquilo tio querido, eu ainda os tenho no coração, pois essas lembranças é o que ainda me fazem inaugurar a vida todas as manhãs.