Quero retornar aos campinhos de pelada dos bairros, lugares onde rolam bolas feitas de borracha, de pano, de plástico, improvisadas ou oficiais feitas de couro e costuradas industrialmente. Quero voltar aos locais de chão de terra batida, algum areal ou onde há mesmo grama maltratada. Por ali, onde pés descalços na maioria das vezes ou protegidos por alguma chuteira surrada correm, chutam, dividem a bola.
Pelos campinhos de periferia correm sonhos de crianças, desejos de adolescentes, sorrisos de adultos. De todas as idades, de múltiplos estilos. Há também o festejar, o celebrar laços de união, o reforço de amizades e também atritos, como em todas as esferas dos “conflitos” humanos. O abraço sincero, a comemoração festiva, um grito solto.
Os jogadores divididos no espaço retangular e na disputa da pelota em terrenos nem sempre nivelados e onde a técnica futebolística pode deixar a desejar. Não importa, porque a felicidade compensa o domínio da bola. Três contra três na travinha até o regulamentar 11 contra 11, o objetivo ao correr através da esfera é vencer. Divididos entre os com e os sem camisas. Uniformes, só em torneios especiais quando são providenciados troféus e medalhas.
E os gols fazem a pessoa festejar... Feitos em traves de madeira, de ferro, delimitada por chinelos, tijolos ou montinhos de pedras... Espaço para o gol, momento máximo de alegria do artilheiro, apoteose de desfile de pés, cabeçadas, a celebração do esporte praticado com os pés e alguma (ou muita ou nenhuma) dose de inteligência.
Os campinhos de pelada são berços para os futuros craques ou eternos peladeiros, mesmo em fantasias. É local para correr sob o sol escaldante ou a chuvarada mais revigorante, para deslizar ou se atolar na lama. Do lado de fora, à margem de uma linha mais que imaginária, fica a torcida composta de atletas sedentos para entrar em campo. Que vibra, xinga, sorri e, muitas vezes, nem está presente.
E como nas batalhas também há sofrimentos. As cabeças dos dedos e suas marcas de topadas, as canelas avermelhadas pelas disputas com outras pernas ou mesmo a pancada da bola de couro molhada do chute forte que arranha a pele e nos encontrões entre ombros e corpos em disputa.
Ali, nos campinhos, onde o jogo se desenrola. Sem fotos, arquibancadas, bilheterias. Força, garra, molejo, vibração e até talento para o drible, uma defesa brilhante, uma dividida preocupante, um espelho social. O lugar de todos para guardar por toda a vida. Para se irritar hoje e sorrir amanhã, ou mesmo se divertir sempre. E imaginar um gol, uma vitória, em um novo dia.
E retorno muitas vezes aos vários campinhos percorridos ao longo da vida. Talvez em busca de um novo gol, um lance inesquecível.