Antes de fixar morada nesta cidade resguardada de ufanias, retivera-a em dois relances. Primeiro em companhia de meus pais, em 1942, numa promessa que vieram pagar na Penha. Desse primeiro contato, já anoitecendo, resta uma penumbra de copas e de sombras que anulava ainda mais as tochinhas de luz nevoenta sumidas ao longo da praça Pedro Américo. O palacete de janelões imperiais, ao lado, apenas se insinuava, enfumado na noite, só vindo impor-se aos meus olhos de menino gruteiro sob o clarão da manhã seguinte.
Petrônio Souto
Uns três anos depois vim sozinho, pensando em matricular-me na Escola de Artífices, depois Escola Industrial. Pela primeira vez subi a ladeira central da cidade, me vi de repente num burburinho de feira grande, mas sem mercadoria, além de conversas. Só gente, muita gente em rodas e por calçadas, sob marquises, cafés, pavilhões ou ao sol brabo de verão, tudo isto a me implantar a primeira noção do parlatório que o bonde batizou de Ponto de Cem Réis.
Academia de Comércio Petrônio Souto
Finalizava com chave de ouro: o belvedere ou miradouro em larga balaustrada que o presidente Camilo de Holanda, com reprimenda do chefão Epitácio, construíra para sublinhar a beleza de cartão postal com que o vale extenso e fundo que se espraiava até confinar-se com a mata e as águas do rio que margeia os sítios da fundação da cidade. Era a febre urbanista, decretada ainda pelo “Rio civiliza-se” de Pereira Passos, de onde Camilo procedera.
E me esgueirei sem ânimo pelo que a Escola de Artífice daquele tempo oferecia. Ao sair nesse estado de espírito, já pensando em deixar o ginásio de Campina Grande, novamente dou com as vistas nessa varanda sem fim, com pracinha e busto certamente em homenagem a seu construtor, tudo muito pequeno ainda diante do vale onde preguei meus olhos de adesão a João Pessoa. Nunca uma paisagem de verdade, sem ser de estampa, me abraçava com aquela intensidade.
Balaustrada da Rua das Trincheiras (PB) Petrônio Souto
Sumiu o vale, a mata destroçada e mais da metade dela cedendo lugar à favela. O casario da oligarquia homenageada pelo belvedere está de portas batidas, quando ainda restam portas. E numa homenagem às honras prestadas a Camilo, o presidente da modernização, desapareceram com seu busto.