A desvirtuação e a banalização das honrarias geram inevitavelmente o seu descrédito. A falta de critério e a excessiva generosidade na concessão, retiram de títulos, medalhas e premiações todo o valor, reduzindo-os a meros penduricalhos, não raro mais constrangendo que orgulhando seus ganhadores. Temos visto muito disso entre nós e para além dos muros baixos da aldeia.
De que serve receber um galardão distribuído a três por quatro? Terá por acaso algum mérito? Ou, ao contrário, coloca o agraciado em má companhia? Os que concedem graciosamente essas benesses, que deveriam ser reservadas a pouquíssimos, nem param para refletir sobre a grave questão, confirmando a irresponsabilidade com que atuam, seja nos parlamentos, nas instituições e nos júris de todo tipo. E terminam por causar mais mal que bem.
O leitor certamente terá a sua lista particular dos injustiçados que não receberam e dos agraciados que não mereciam. Lista longa, hoje em dia. Alguém poderá argumentar que sempre foi assim. Nem tanto, digo eu. Não com a desfaçatez atual, convenhamos. É como nome de rua no Brasil. Dá-se a todo mundo: estudantes, donas de casa, funcionários públicos anônimos e por aí vai. Uma legião de desconhecidos sem nenhum serviço relevante prestado à coletividade. Tudo dádiva de vereador para atender pedido de fulano ou beltrano.
A recente atribuição do Nobel de Literatura ao húngaro Lászlo Krasznahorkai fez ressurgir o tema. Depois de escolhas mais políticas que literárias nos últimos anos, finalmente alguém mais das letras que da política. É o que dizem vários analistas, satisfeitos. Claro que mesmo os mais militantes politicamente têm valor literário, pois ninguém ganha um prêmio desse impunemente. O que muitos questionam é o motivo da premiação ser mais político que literário. Aí entram fatores como o país de origem do candidato, a cor da pele, o gênero, o tipo de militância exercido etc, como elementos mais determinantes que a obra do escritor propriamente dita. E, sabe-se, a Academia Sueca fica revezando os premiados, para demonstrar alguma equidistância, atitude que afinal não resolve o problema. Enquanto isso, vão sendo preteridos, por razões extraliterárias, nomes consagrados pela crítica e pelo público. Eis o imbróglio.
O argentino Jorge Luís Borges, nome internacional, foi excluído do Nobel por ser conservador, dizem. O norte-americano Philip Roth idem, sei lá por que motivo. E assim muitos outros. Tudo bem que não haja prêmio suficiente para tanta gente boa, mas há figuras incontornáveis. Os dois citados são exemplos cabais. Não deveriam ter morrido sem o prêmio.
O fato é que faz tempo que o Nobel de Literatura não repercute mundialmente, escolhendo um nome conhecido do público leitor internacional. Não que a mera fama do autor justifique a premiação, mas não se tem visto, há alguns anos, um nome realmente consagrado, de ampla dimensão. Vejamos os premiados mais recentes: a polonesa Olga Tokarczuk (2018), o austríaco Peter Handke (2019), a americana Louise Gluck (2020), o tanzaniano Abdulrazak Gurnah (2021), a francesa Annie Ernaux (2022), o norueguês Jon Fosse (2023) e a sul-coreana Han Kang (2024). Eis aí. Alguém poderá argumentar que é salutar essa variedade de países contemplados, pois essa é uma forma de divulgar para o mundo literaturas nacionais menos conhecidas. Sim, concordo, até porque isso poderá, quem sabe, um dia beneficiar o Brasil, mas não serve de consolo no que se refere à difusa sensação de uma certa banalização do Nobel.
Reconheço que a questão não é simples, pois há vários aspectos envolvidos. É possível que a Academia Sueca esteja certa com os seus critérios, não sei. O que sei é que tenho me empolgado cada vez menos com essa premiação.
Há premiados que ainda estão construindo sua obra e outros que já estão com ela praticamente completa. Penso que estes últimos são mais merecedores que os primeiros, porque nesses casos a obra já fez por merecer o reconhecimento definitivo. Assim aconteceu, por exemplo, com Pirandello, Gide, Camus e Hemingway.
Essa sensação da crescente irrelevância do Nobel talvez reflita o processo que observamos na sociedade como um todo. Ao que parece, tudo perdeu importância: as instituições e as pessoas que as dirigem. Hoje em dia ninguém dá bolas para um ministro, um deputado, um secretário de Estado, um reitor e assim por diante. Tudo se banalizou. O que era sólido desmanchou-se no ar. Ou pior: liquefez-se e escorreu pelo ralo.
Tempos estranhos.