A Mirabeau Dias,
admirador de Camus.
admirador de Camus.
A senhora Sartre não deve ter gostado nem um pouco. Insinuou-se para o amigo Albert Camus e ele esquivou-se, recusando a dádiva. Para os brios de uma mulher, qualquer mulher, ser recusada não é fácil; imagine-se para uma voluntariosa como Simone de Beauvoir, acostumada a conquistas fáceis, facilitadas menos por seus dotes físicos que pelos intelectuais, estes sempre fascinantes na França dos literatos e filósofos. Tão fascinantes que até um feio por excelência como Sartre atuou durante anos como um verdadeiro Dom Juan entre alunas e admiradoras.
Simone de Beauvoir (Paris, 1946)
Henri Cartier-Bresson
Henri Cartier-Bresson
Imagino como deve ter se sentido a Beauvoir rejeitada. Terá levado na esportiva, com filosófico savoir vivre, ou terá se magoado em seu orgulho de fêmea acostumada a ganhar e não a perder nos jogos de Eros? Todo mundo conhece o rancor que costuma dominar as mulheres que são trocadas por outras, principalmente se estas são mais bonitas e jovens. Esse rancor não raro chega a ser assassino, se não em ato, pelo menos em pensamento. Os tribunais são testemunhas desse ódio feminino, um ódio devastador, às vezes até suicida em sua fúria destruidora. Os homens, quando descartados por suas companheiras, parecem, em geral, bem menos ferozes. Por que será?
Nelson Rodrigues
Arquivo Nacional
Arquivo Nacional
Sabe-se que foi mulher de muitos amores, masculinos e femininos, ao que parece com igual índice de preferência da parte dela, o que prova sua versatilidade. Se não era propriamente bonita, não chegava a ser feia; se não era rica, não chegava a ser pobre, e para além de tudo havia o charme do brilho intelectual, que na França tem o seu valor, o que explica o poder de sedução de um Sartre baixinho e
Sartre e Simone de Beauvoir
teyxo.com
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E Camus, o que terá pensado de tudo isso? Como se sentiu nessa delicada situação? Uma possibilidade é que tenha ficado mais incomodado que vaidoso; afinal, tratava-se da companheira de um amigo (ou quase amigo), e talvez ele não quisesse trair essa amizade, mesmo sabendo da liberalidade do casal nessas questões. Constrangido, por não estar a fim de envolver-se com a Beauvoir? É bem provável, pois ele sabia (ou deveria saber) o quanto sua recusa magoaria a mulher. Enfim, uma verdadeira saia justa para ele, qualquer que fosse sua reação. E há uma terceira hipótese, igualmente razoável: o deliberado desejo de não se deixar apanhar na rede de conquistas da escritora, sendo apenas mais um no cardume, assim como não quis ser tido como mero discípulo de Sartre, guardando uma certa independência intelectual e política relativamente ao filósofo.
Albert Camus (Paris, 1957) AFP
“Ela mais tarde se queixou de que ele era rude e impaciente com ela, talvez, suspeitou, porque era um homem de mulheres mediterrâneas que não a achou atraente, e que não podia aceitá-la como alguém igual intelectualmente”.
Duas razões, portanto, para ressentimentos da mulher. E quanto a ele, eis o que teria comentado com um amigo, o escritor Arthur Koestler: “Imagine o que ela
Arthur Koestler Bettmann/Corbis
De qualquer modo, seja como tenha sido, o affair (ou não affair) Beauvoir – Camus é um curioso episódio da vida intelectual do século XX. Mostra-nos um pouco da mulher e do homem por trás dos mitos, se é que esta palavra é cabível. E uma pergunta cavilosa se insinua agora em meu pensamento: Terá sido essa corajosa recusa mais um motivo para se admirar Camus?



























