Sempre fui intrigada com os ventos: se seriam mensageiros, portadores de segredos, ou atrevidos a me bagunçar o cabelo e arrepiar minha...

Onde você se esconde quando o vento é forte?

vento brisa reflexao contemplacao
Sempre fui intrigada com os ventos: se seriam mensageiros, portadores de segredos, ou atrevidos a me bagunçar o cabelo e arrepiar minha pele. São, sim, indomáveis para cruzar o mundo, dançar entre folhas, dobrar árvores e gramas.

Foi num sopro que ele chegou. Trazia histórias que me faziam rir e que eu amava. Era um moço cantador e encantador, simples, quase ingênuo, que se anunciava como brisa leve, risonho, luminoso. Ainda assim, por trás do seu otimismo contagiante, eu pressentia tempestades.

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Roman Melnychuk
Desde o início, sabia que ele era diferente. Nunca consegui capturar seus olhares, entrelaçar nossos dedos ou aconchegar-me em seus braços.

Era fascinante observar seu jovem flutuar pelo mundo, espalhando suas músicas, atraindo multidões que o seguiam por ser artista. Seu dançar era agitado e nunca parecia estar preso ao chão. Apesar dessa leveza, não era livre; algo o amarrava e o deixava amargurado.

Quando brincávamos de fazer perguntas que, mesmo não sendo respondidas com sinceridade, as dele eram intensas e me deixavam atordoada. Foi nesse dia que ele perguntou, cheio de seriedade: Onde você se esconde quando o vento é forte?

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GD'Art
Às vezes, ele desaparecia, e eu o procurava pelas praias, calçadas, cafés, onde nunca íamos. Aprendi a aceitar esses momentos e a perceber que deveria entender seu olhar distante, observando os galhos das árvores, os coqueiros arqueando. Eu tinha certeza de que, mesmo estático, ele voava junto ao vento.

E, de repente, ele voltava feliz, alegre. Trazia fotografias, músicas novas, falava de cidades que eu só conhecia pelo nome; transfigurava-se no artista, no moço feliz em estado de invenção.

Eu entendia e aceitava o sumiço. Percebia que não era o vento que o levava — ele era o próprio vento. E foi assim que descobri seu esconderijo. Não era um lugar
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GD'Art
físico, mas morava nos detalhes do que ele cantava e dançava e, saindo daquele mundo barulhento e agitado, nas madrugadas, ele dizia que eu era seu aconchego, seu silêncio, a paz que o cobria em noites de medo.

Numa manhã de sol, ele me procurou e não encontrou. Descuido meu. Apesar do sol, provavelmente um vento forte, cruel, o levou. Balançou seu avião no ar e o fez mergulhar na terra de forma rápida, instável e cruel. Ele partiu e não nos despedimos.

Certamente, sua alma voou para um céu cheio de músicas. Seu corpo ficou ali, no meio da terra socada, quente e sem vento. O universo o tragou, e ele adormeceu em algum lugar que eu não quero conhecer.

Hoje, quando o vento sopra à noite, ouço suas músicas, altas, como se fossem canções de ninar — não para embalar meus sonhos, mas para acreditar que ele existiu.

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Stacey Knipe
O vento não pertence a ninguém, não tem pressa de acabar, mas, sem saber, guarda um pedaço de tudo dele, do tempo que passou, e tenho liberdade para lembrar as coisas bonitas que vivemos, compartilhamos e rimos.

Assim, sendo vento, etéreo e finalmente livre, ele transformou-se em infindável viajante, deixando memórias no ar.

Nas madrugadas, quando o vento traz o cheiro da maresia ou o perfume dos campos floridos, que nunca visitamos, sei que ele está por perto, se abrigando em meu frágil coração — bem ali, onde também me escondo quando o vento é forte.

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  1. Como é estranho ler um texto que me remete a um vento que não percebi. Havia sol, brisa leve, nada assustadora. Mas a vida tem suas surpresas. Não precisava ser naquela ponte, que não tinha rota de fuga.

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