A criatura em questão era o Zé da Gata. O apelido “da Gata” veio da corruptela de um sobrenome que julgo prudente não revelar. O cenári...

O incêndio

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A criatura em questão era o Zé da Gata. O apelido “da Gata” veio da corruptela de um sobrenome que julgo prudente não revelar. O cenário é a hoje tão decantada “Maravilha do Alto da Serra”, meu torrão natal, a acolhedora Campos do Jordão. O ocorrido foi na metade da década de 1950 do século passado e se passou, mais precisamente, onde funcionavam o Ginásio e a Escola Normal.

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Mas, antes de qualquer coisa, julgo de grande importância revelar quem era o pai de Zé da Gata. Belarmino era o nome dele, carpinteiro de profissão. Naqueles anos, eram raras por lá as edificações residenciais construídas em alvenaria. Tijolos e argamassa, se tanto, na cozinha e no banheiro. Os cômodos eram de madeira, tábuas extraídas da araucária, abundante nos altos da Mantiqueira.

Belarmino era conhecido pela excelência no manuseio do formão, do serrote, do martelo, da enxó, da plaina e de outros badulaques. Enfim, um mestre no ofício. Outro atributo que lhe proporcionava alguma notoriedade entre as cerca de 15.000 almas que haviam escolhido aquelas altitudes para viver era a brabeza. Pensem num homem bravo.

A prole de Belarmino com a esposa, dona Caetana, não era numerosa, incomum naqueles idos do tempo. Duas cabritinhas, Maria do Carmo, Maria do Rosário, e o primogênito, José. As meninas não davam trabalho. Comportadas, respeitosas e alunas aplicadas. Já o José era um tranqueira: preguiçoso, malcriado, irresponsável — e podemos botar defeito aí. Na escola, era promovido de um ano para outro; ou, se preferirem, de uma série para outra, no bico do corvo; ou seja, só ia para frente, empurrado por uma ajudinha aqui, outra acolá e nunca por méritos próprios.

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Assim, aos trancos e barrancos, chegou à quarta série do ginásio. Àqueles tempos, não havia a tal da recuperação, mas sim um recurso para quem não houvesse alcançado a média exigida: a tão temida “segunda época”. Podia-se ficar no máximo em três matérias, e quem não alcançasse a nota nessas provas não teria, como hoje, essa mamata de “Conselho de Classe”.

Nas séries anteriores, Zé da Gata sempre ficava de segunda época, e tal insucesso era seguido de uma série de castigos aplicados por Belarmino, dentre esses o físico. Melhor explicando: Zé da Gata entrava no cacete.

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Cansado das pisas, Zé da Gata prometeu que, naquele ano — o de formatura —, não iria apanhar. Mas como? Depois da prova de História, da de Matemática... sabia que havia se dado mal. Então arquitetou um plano diabólico. Numa noite chuvosa de dezembro, saiu escondido de casa e tomou o rumo do Ginásio. Lá chegando, driblou a vigilância, quebrou a janela da secretaria, atirou dois litros de querosene, ateou fogo e deu no pé.

No outro dia, com a maior cara de inocente, apareceu na escola para saber das notas. Mas como? Algum criminoso incendiara a secretaria: provas, documentos, tudo ali virara cinzas. Não fosse a prontidão de uns voluntários, o fogo teria se alastrado.

Dias depois, as autoridades educacionais decidiram que, devido àquele “acidente”, os alunos seriam promovidos por decreto. Que alívio! E ficou todo pimpão, só aguardando o dia da formatura.

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As cinzas na secretaria do Ginásio ainda estavam quentes quando doutor Travassos iniciou a investigação, com ajuda do escrivão Almeida, que viera de São Bento para ajudar na apuração dos fatos. Pergunta daqui, interroga dali, chama um, chama outro — e nenhuma pista. Uma semana, mais uma, mais outra, e nada. Já estava chegando o dia da formatura quando doutor Travassos resolveu tomar um café e comer um pastel na barraca de seu Zequinha, ali no Mercado Municipal, que ficava pertinho da delegacia.

Estava ali com seus botões quando viu se aproximar Chico do Baú. Este, um rapazola meio fraco do juízo, conhecido naquele pedaço de mundo por não bater muito bem das bolas. “Só falta falar com esse doido” — pensou a autoridade.

— Chico, vem cá. Estão dizendo que foi você quem colocou fogo no Ginásio?
— Eu? Não faço essas coisas.
— Mas estão dizendo, Chico. Diz a verdade, senão...
— Só comprei o “carosene” pro Zé da Gata.

Viu só? Se for cometer um ilícito, não confie nem em doido nem em político. Se apertar só um pouquinho, eles entregam...

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