Mostrando postagens com marcador Gonzaga Rodrigues. Mostrar todas as postagens

Em setembro de 1922, sete meses depois da Semana de Arte Moderna de São Paulo, Analice Caldas , professora e militante da imprensa e...

mario pedrosa augusto anjos poesia literatura paraibana
Em setembro de 1922, sete meses depois da Semana de Arte Moderna de São Paulo, Analice Caldas, professora e militante da imprensa entre nós, organiza um álbum, tipo enquete, com perguntas como “Qual a sua divisa? O que desejaria ser? Que pensa do feminismo?”. E entre uma dezena de outras, as duas seguintes, que dão motivo a estas linhas: “Quais seus escritores prediletos? Quais os poetas de sua preferência?”

O título é recurso que me ocorre, tirado de uma página de Severino Ramos dedicada à solidão povoada vivida por José Américo quando se ...

O título é recurso que me ocorre, tirado de uma página de Severino Ramos dedicada à solidão povoada vivida por José Américo quando se recolhe àquela Tambaú do tempo e do livro de Walfredo Rodriguez.

Li um Poema, acabo de ler um Poema. Quantos poemas já li desde o longínquo: “Oh! Que saudades que tenho Da aurora da minha vida...

poesia simplicidade escrita simples casimiro abreu

Li um Poema, acabo de ler um Poema.

Quantos poemas já li desde o longínquo:

“Oh! Que saudades que tenho Da aurora da minha vida, Da minha infância querida Que os anos não trazem mais!“

Só que os anos e séculos sempre os trazem de volta. E tornarão a voltar, seja no poeta menino que trina pelas cordas do sabiá no exílio além-mar ou do homem fiel ao menino e ao trinado agudo a ressoar do gume e penhascos da sua Aroeiras.

poesia simplicidade escrita simples casimiro abreu
Casimiro de Abreu CC0 (adap)
Quantas vezes alcei voo de pássaro de quem sai de si, desta prisão que as duras leis da vida impõem, nas asas do único voo feliz que não consegue terminar.

Criança interna, todas as manhãs eu acordava e levantava às seis, saía tangido em fila para o banheiro coletivo, o frio serrano juntando-se ao gelo da água. Tudo por severa obrigação. Obrigado à missa em jejum, a só falar no refeitório após o deo gratias, a quatro horas de leitura e do dever de casa - oito tantos de disciplina para quatro de recreio – de repente só um sabiá de livro me salvava.

poesia simplicidade escrita simples casimiro abreu
GD'Art
Minha terra tem palmeiras / onde canta o sabiá. Sempre o sabiá de livro a nos dar asas e poderes sobre as nuvens do céu e os limites da terra e do tempo.

Quantas vezes senti dúvida se não existia uma vida além da que me obrigava a ficar entre paredes, sem estrada à vista, o olhar pregado na sisudez do inspetor ou limitado aos muros do internato.

No salão de estudos, minha carteira ficava colada a um janelão aberto para o nascente, o sol benzendo-me com seu clarão e seu calor, sem que eu desse por ele. Sol é o que mais tínhamos e temos, crestando a roça e faiscando no seixo dos caminhos. Mas aquele sopro raiado de luz forte e carregado pela apanha dos ventos e dos cheiros para as páginas da antologia aberta nos versos de Casimiro e Álvares de Azevedo levaram-me com eles. E vim esbarrar aqui, muito pouco para os que sonham alto, mas nas nuvens para o menino matuto dos meus grotões.

Não senti surpresa diferente, agora aos noventa anos, ao dar com Serafim, reino encantado, que o janelão do Gmail veio deixar no quarto três por quatro que é meu universo de hoje.

poesia simplicidade escrita simples casimiro abreu
GD'Art
Trata-se de um poema de dez estrofes, de onze a quinze versos cada, cuja leitura vai sumindo como tal à medida que a poesia feliz por ser a vida mesma vai imergindo em você. Por mais que o autor tenha levado a vida a exaltar a palavra, a consagrá-la em todas as situações e diferentes circunstâncias, mais a palavra ingressa no abstrato ou atinge a transcendência que se realiza, como esperava Augusto. E com as palavras mais simples como as que Rubem Braga apontou em Camões.

E parecendo tão vulgar: “Nasci numa tarde de chuva/ o Cariri era uma escuridão só.” Mas vá dentro, leitor e leitora amigos, e veja como sai!

Não sei se estou maltratando um autor da mais fecunda vocação poética e apurada consciência crítica como o mestre Hildeberto Barbosa Filho. Mas não tenho dúvida que Manuel Bandeira, sob os signos de hoje, não me faria sentir maior e mais pura emoção.

De fato. São Paulo fica muito longe, nem tanto pelas léguas de terras ou pelas milhas de voo como pelo que pesa na cabeça dos paulistas...

nostalgia sao paulo velhice
De fato. São Paulo fica muito longe, nem tanto pelas léguas de terras ou pelas milhas de voo como pelo que pesa na cabeça dos paulistas ou dos que a eles se acostam para a vida inteira. É o que sempre pensei.

Fui reencontrar a cidade das minhas relações, amizades, camaradagens ou dos meus respeitos, a cidade por dentro, na releitura de um liv...

gratidao aniversario haroldo escorel gonzaga rodrigues
Fui reencontrar a cidade das minhas relações, amizades, camaradagens ou dos meus respeitos, a cidade por dentro, na releitura de um livro da minha estante paraibana, memórias de Haroldo Escorel Borges. E voltei a me ver no que sempre fui sem forçar a natureza: justamente aquilo que na cultura do meu interior brejeiro as comadres e compadres chamam de “uma pessoa dada”, que se dá com todos. Suponho-me entre elas até porque comecei dado a uma família que me acolheu de corpo inteiro.

Era a minha estreia no Rio de Janeiro, levado no meio de uma delegação de militantes da secção local da União Brasileira de Escritor...

Era a minha estreia no Rio de Janeiro, levado no meio de uma delegação de militantes da secção local da União Brasileira de Escritores, uma das muitas entidades culturais dos anos 1950 que funcionavam a pretexto de justificar o patrocínio dessas iniciativas. Íamos participar de um festival de escritores, creio que o primeiro no Brasil, e me incluíram nessa delegação beneficiada pelos estímulos à cultura no governo Pedro Gondim.

Fazia tempo que eu não alcançava o auditório da Academia na plenitude de sua principal finalidade, que é zelar pela presença, após a m...

apl evaldo goncalves homenagem postuma
Fazia tempo que eu não alcançava o auditório da Academia na plenitude de sua principal finalidade, que é zelar pela presença, após a morte, dos que empenharam o melhor de si no labor literário, sobretudo no meio provinciano. Plenitude, desta vez, não só de casa cheia como de presenças compenetradas.

Antônio da Rocha Barreto, um dos fundadores da Academia Paraibana de Letras, foi autor de um livrinho só. Foi essencialmente jornalista...

antonio rocha barreto orris soares
Antônio da Rocha Barreto, um dos fundadores da Academia Paraibana de Letras, foi autor de um livrinho só. Foi essencialmente jornalista, já aparecendo em 1930, quando a onda revolucionária fechou O Norte, ele como o chefe de redação. Chefe no dia em que contava com outros companheiros, e chefe dele próprio quando tinha de abrir e fechar o jornal sem outra ajuda. Era o jornal de Orris e Oscar Soares, Orris escritor, prefaciador consagrado da 2ª edição do EU, dramaturgo e autor de dicionário de filosofia editado até o 3º volume pelo INL/MEC.

Fernando Vasconcelos obriga-me a acompanhar a escrita dos seus passos, de suas observações e, com a voracidade com que a globalização s...

midia comunicacao joao pessoa centro historico
Fernando Vasconcelos obriga-me a acompanhar a escrita dos seus passos, de suas observações e, com a voracidade com que a globalização sucateou os meios e subverteu os usos da comunicação, mais me atenho às repercussões disso tudo em sua coluna semanal.

Faltou luz em dia desta semana e na noite chuvosa não houve lua. E me vi com as mãos atrás da nuca, bem acomodado à rede, o olhar pr...

recordacoes nostalgia adolescencia cronica gonzaga rodrigues
Faltou luz em dia desta semana e na noite chuvosa não houve lua. E me vi com as mãos atrás da nuca, bem acomodado à rede, o olhar preso a um teto de lona encerada que não é o de meus aposentos nestas noites insones de hoje. Nele repetem-se sombras que figuravam as apreensões de um jovem rapaz que fazia versos de imitação e partia com eles à procura de destino. Como vem de longe isso!

Demorei aguardando a chegada do lanterneiro que me recomendaram. E do batente onde resolvi esperar, bato com as vistas nuns enormes cai...

ditadura militares
Demorei aguardando a chegada do lanterneiro que me recomendaram. E do batente onde resolvi esperar, bato com as vistas nuns enormes caixões de cimento que sobem apertados entre montes empanando a visão da sinuosa várzea que o rio Jaguaribe das origens desce descrevendo pelos desfiladeiros entre o Cristo e Oitizeiro até se perder na restinga do Bessa.

No meu caminho tem uma loja de carros. Não é fácil sair à rua sem se achar à frente de uma loja dessas. Ou de uma farmácia de rede, poi...

nostalgia carro novo brinquedo infancia
No meu caminho tem uma loja de carros. Não é fácil sair à rua sem se achar à frente de uma loja dessas. Ou de uma farmácia de rede, pois a dos farmacêuticos que receitavam, por aqui só a de Arnaldo.

Sem ser muito de sair de casa, salvo por obrigação, restava o Piauí com sua Teresina na minha querença mais íntima pelo Nordeste. De...

Sem ser muito de sair de casa, salvo por obrigação, restava o Piauí com sua Teresina na minha querença mais íntima pelo Nordeste. De volta de uma viagem a São Luiz, o velho DC-3 desceu para abastecer em Teresina. Pela primeira vez enfrentei um sol mais sufocante que o de Santa Luzia, da nossa Paraíba. Pouco depois, em 1973, voltando pela BR da mesma São Luiz, me vi perdido entre os picos e esculturas fenomenais do Parque das Sete Cidades.

“Tomei o seu nome por guia e inspiração no momento de minha eleição para Bispo de Roma (...) Pelo exemplo por excelência do cuidado pel...

papa francisco
“Tomei o seu nome por guia e inspiração no momento de minha eleição para Bispo de Roma (...) Pelo exemplo por excelência do cuidado pelo que é frágil e por uma ecologia integral vivida com alegria e autenticidade”.

A casa sucumbia entre as sombras do arvoredo frondoso. Verde escuro e úmido envolvia coisas e viventes, num silêncio de igreja aban...

A casa sucumbia entre as sombras do arvoredo frondoso. Verde escuro e úmido envolvia coisas e viventes, num silêncio de igreja abandonada. Só não era proibido respirar.

A sala de aula era em Campina Grande, a frente mais avançada para um menino de sítio em seu contato inicial com o mundo. Seu primeir...

luiz motta campina grande
A sala de aula era em Campina Grande, a frente mais avançada para um menino de sítio em seu contato inicial com o mundo. Seu primeiro grande contato com a vida surpreendente da grande cidade. Cidade que não chegava a 100 mil habitantes, mas eixo do mundo ou da terra na avaliação de quem saía de entre serras, como está no meu livro “Um sítio que anda comigo”. Eixo da terra nada imaginário da geografia FTD adotada em todo o Brasil de 1945 e do qual Campina se apropriava para atrair o mundo a redor de si.

Mercê de Deus ou da Senhora da Conceição, de imagem herdada de uma das remotas casas do Padre Ibiapina, ainda não fui eximido do exer...

monteiro lobato
Mercê de Deus ou da Senhora da Conceição, de imagem herdada de uma das remotas casas do Padre Ibiapina, ainda não fui eximido do exercício medido, pró-consciente da aplicação da palavra na construção da escrita. Desde que me entendi neste jogo tento ver no assentamento da palavra o que sentia o menino de parcos brinquedos a assistir à assentada de cada tijolo na obra de pedreiro de mestre Elesbão. A cada assentamento o alisado da colher e a recorrência ao prumo do nivelamento. No final, a parede vermelha sem reboco, um tijolo amarrado no outro numa composição que só anos depois, muito depois, pude associar, mesmo através de reproduções de banca de revista, à fase cubista de Mondrian.

O tempo tem seus descompassos no calendário da memória. Em 1951, logo que cheguei a João Pessoa, desci a escadaria de A União , onde s...

sape ligas camponesas joao pedro pb
O tempo tem seus descompassos no calendário da memória. Em 1951, logo que cheguei a João Pessoa, desci a escadaria de A União, onde subira levado por uma carta de apresentação, e lá embaixo, ao rés da calçada e dos resultados da carta, dou com os olhos no conjunto monumental erguido ao presidente João Pessoa.

Não houve golpe mais drástico no viço do meu artesanato do que terem exonerado o papel linha d’água da impressão dos meus escritos. P...

escrever publicar progresso jornalismo
Não houve golpe mais drástico no viço do meu artesanato do que terem exonerado o papel linha d’água da impressão dos meus escritos. Por conta de amores velhos com A União, um dos raros jornais deste país fiéis ao papel de impressão, ainda continuo no ambiente pelo qual fui gamado ou pelo que de melhor se escreveu e imprimiu na literatura do mundo.

Nesse calorão do nosso meio—dia, saí de uma sala fria, gelada, do Tribunal de Justiça, para, sufocado, sentir a falta imediata, no edi...

los panchos nostalgia joao pessoa antiga radio tabajara
Nesse calorão do nosso meio—dia, saí de uma sala fria, gelada, do Tribunal de Justiça, para, sufocado, sentir a falta imediata, no edifício vizinho da OAB, do gabinete do antigo presidente da Associação dos Procuradores, Assis Camelo, onde íamos respirar, anos atrás, o clima conterrâneo de Alagoa Nova. Com o ar refrigerado no mesmo grau, o calor da estima fazia a diferença.

Mas dou com o olhar numa casa de alpendre ao lado, de porta e janelas fechadas e que de repente se alegra, atraente, de jovens rostos, e que rostos, à janela. Era a casa de Lúcia Braga, que ela descreve de um modo, em suas memórias, e o antigo revisor de A União que eu fui via de outro em suas idas e vindas a caminho de casa, em Jaguaribe.

los panchos nostalgia joao pessoa antiga radio tabajara
Rua da Palmeira (atual Rodrigues de Aquino) ▪️ J. Pessoa GSView
Li ou ouvi dizer que a vida começa a ter real encanto a partir do instante em que se constitui em memória. Os instantes felizes só chegam a ser felizes muito tempo depois. Vejamos o que dona Lúcia escreveu já exilada da militância política com o marido Wilson Braga:

“Eu já era mocinha de 15 anos e estava com Tereza e as Menezes debruçada numa das janelas da Palmeira, 73, quando três moços vestidos a caráter, com violão e guitarra aos ombros e usando sombreiros tipicamente mexicanos param na calçada e nos cumprimentam, galanteadores: — Que belas muchachas! Por Diós! Agradecemos as palavras gentis e indagamos curiosas: “Quem são vocês?” — Somos artistas, El Trio los Panchos, e vamos hacer uma presentación em la Rádio Tabajara – disseram os três numa só voz. E acrescentaram: — Poderemos cantar para Usteds? — Gostaremos muito – respondemos vibrando. E foi assim que assistimos a Los Panchos numa pré—estréia sui generis.”
los panchos nostalgia joao pessoa antiga radio tabajara
Lúcia Braga Câmara dos Deputados (PB)
A Rádio Tabajara dava para a janela dessas meninas, a janela da casa da Rua da Palmeira. Exercia verdadeiro fascínio na vida de Lúcia e das amigas entre crianças e adolescentes. Palco nacional, não raro internacional, com gente como Los Panchos, Agustín Lara, do outro lado da calçada das meninas. Orlando Silva, Galhardo, Silvio Caldas, nem se fala.

Quando não era isso, era a guerra. A Tabajara retransmitindo os horrores da Europa que a BBC despejava estalando por entre o filó amarelado do mostrador do rádio. Lúcia e as meninas ouvindo, vendo tudo da escada da rádio, onde sentavam para brincar, esperar os tipos passarem na calçada, como o jovem sempre empertigado Humberto Lucena ou, a algumas milhas dali, fantasmas, Hitler, Churchill, as suas tropas, seus bombardeios e as nuvens negras que a narrativa mesclava de fagulhas e de jorros de fogo.

los panchos nostalgia joao pessoa antiga radio tabajara
los panchos nostalgia joao pessoa antiga radio tabajara
Prédio da Rádio Tabajara demolido em 1984, no governo Wilson Braga (PB)
Mano Ramalho
Vem o marido, governador, e põe abaixo o castelo que a mulher reconstrói nas memórias, todo um mundo supervalorizado pela saudade e pela fama que o tempo foi deixando sentar, moldar, como um pó benéfico além do tempo.

Tempos felizes, diz Lúcia, depois de primeira—dama, deputada, protagonista de uma obra social que é apenas um dos capítulos.