Um amigo me indaga sobre a crônica publicada há três semanas em que trato do meu apego a João Pessoa, em detrimento de outras cidades...

O caminho de volta

Um amigo me indaga sobre a crônica publicada há três semanas em que trato do meu apego a João Pessoa, em detrimento de outras cidades, a exemplo de São Paulo.

O problema não é das metrópoles, é meu, inteiramente meu. Em verdade não andei muito, mas das poucas vezes em que me achei fora de casa, achei-me, também, fora de mim. Não me encontro em qualquer das situações, mais cômoda e animada que pareça. A vontade é voltar, entrar na ruazinha estreita e sinuosa de Cruz das Armas, medir-me com o muro baixo, a casinha em que, andando a pé, avista-se o telhado de lodo e heras.

Rua das Trincheiras Petrônio Souto
Já descrevi esse embotamento na Terra da Garoa:

“Passei quatro dias sem dar uma palavra, a não ser o convencional bom-dia aos porteiros do hotel, nem sempre levado em conta. Já estava me convencendo de que os outros também não falavam. Uma multidão sem vozes a se apertar entre os espigões. Descia o hotel, atravessava a rua, deixava-me ir na correnteza humana, a angústia numa opressão maior que o peso geral dos edifícios. Já sabia onde entrar, como sair, mas perguntava pela rua tal só pelo prazer de ouvir alguém falando. Não pretendia comprar e abordava os rapazes das lojas. Todas as noites recolhia-me ao quarto do hotel com tristeza. Uma sensação de desamparo, de criança perdida, embora me achasse entre tantos milhões de semelhantes."
São Paulo Wilfredor
Não adianta insistir. Recentemente tive bom hotel, boas companhias, mas a grande alegria foi quando marcaram a passagem de volta.

Quanto mais para o interior da terra, mais para o interior de mim. Campina Grande, então, é a viagem mais completa. Tanto no tempo quanto no espaço: a ponte, o canavial, o Açude Velho, os Paus Grandes, a rua do Sertão, eu em pessoa. Da ponte do Sanhauá até o meu interior, não só o hinterland, mas a alma mesma. A infância que ficou em cada pau d´arco dos caminhos, que remanesce no pequeno cais que era tão alto e comprido e de onde se avistava o começo e o fim do mundo, hoje despercebido.

Rua da União (Recife)
Até Recife, que é de uma mesma natureza, me parece estrangeiro. Por mais que eu admire os recifenses e os pernambucanos como um todo. Cidade que tinha tudo para eu amar e gostar, desde o casario navegante e das avenidas fluviais aos fantasmas das revoluções libertárias. Recife inventado para a tristeza cósmica de Augusto dos Anjos.

Não vejo a Rua da União, nem o “Recife bom, Recife brasileiro como a casa do meu avô”. Os novos mascates da miséria o encobriram, passaram por cima das lajes históricas, acamparam nas inscrições e caminhos sacros.

Diferente de João Pessoa, que recebe no centro, no âmago urbano, bem no coração. O interiorano desce na estação e, mesmo a pé, sem vintém, chega a Tambaú por uma reta de sombras, dos oitis da Pedro Américo aos coqueiros de Cabral Batista.

Convenço-me, assim, de que o melhor da viagem é o caminho de volta, a curva do Conde e as casinhas de telhados visíveis da avenida Cruz das Armas, onde dorme para sempre o meu irmão Durval Leal.

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