Muito cedo desenvolvi paixão pelo cinema. Esclareço que quando menciono “cinema” refiro-me à forma e ao conteúdo. Para mim, gostar de cinem...
As melhores Mortes da minha vida
Muito cedo desenvolvi paixão pelo cinema. Esclareço que quando menciono “cinema” refiro-me à forma e ao conteúdo. Para mim, gostar de cinema significa ir ao cinema, assistir a filmes em salas de cinema. Lá eu não perco nada da produção. Não tem menino, cachorro, geladeira, telefone, campainha nem vizinhos. O cinema é um ambiente feito para se ver filmes e jamais será substituído pela TV!
Estávamos apenas há dois dias na Itália e em tão pouco tempo coisas memoráveis já haviam nos acontecido. Muitas emoções já tínhamos vivido,...
Viagem ao meu filme predileto
Estávamos apenas há dois dias na Itália e em tão pouco tempo coisas memoráveis já haviam nos acontecido. Muitas emoções já tínhamos vivido, mas algumas surpresas ainda estavam reservadas para nós. E que surpresas!
Em nosso segundo dia em Cesenático tomamos conhecimento, por meio de Fiorenzo Presepi, do hotel Dolce Vita, que Rimini, a cidade natal de Federico Fellini, ficava logo ao sul, a apenas meia hora de trem.

Acompanhei o trabalho de Fellini desde a minha juventude. Adoro seus filmes, todos enriquecidos pela música inconfundível de Nino Rota. Eu os vejo com boa frequência.
Na lista dos 10 melhores filmes da minha vida, "Amarcord" ocupa o primeiro lugar. Depois está "O Baile", de Ettore Scolla. Em seguida vêm os outros.
Sabendo da proximidade de Rimini, combinei com Ilma, minha esposa, aproveitarmos a oportunidade de visitar a cidade. Era o nosso último dia na região, pois viajaríamos para Roma na manhã seguinte. Um dos companheiros de viagem, que também admirava Fellini, resolveu nos acompanhar.
Passamos a manhã conhecendo Cesenático, em um agradável passeio, conforme já descrevi neste Ambiente de Leitura, na postagem "Recepção à moda italiana". Almoçamos mais cedo, e em pouco tempo desembarcamos, os três, na estação ferroviária de Rimini.
No birô de informações, procuramos saber quais os maiores pontos de atração do lugar. Em nosso íntimo, sabíamos que a maior de todas as atrações era a própria cidade! Havia muito o que visitar, naquele lugar especial, cenário de muitos filmes de Fellini. Ficamos interessados em realizar o "Amarcord Tour", promovido pela entidade de turismo local, um passeio pelo lugares marcantes da filmografia do cineasta. Todavia, restou-nos apenas visitar algumas das locações do roteiro, pois uma greve ferroviária estava marcada para as 9 da noite daquele dia. Fomos obrigados, assim, a limitar o passeio.
Nossa intenção era evitar surpresas na viagem de volta a Cesenático, ainda mais sabendo que os grevistas italianos param os vagões onde quer que estejam, numa estação ou antes dela. Se isso acontecesse, teríamos que concluir o percurso caminhando pelos trilhos. Por tudo isso, compramos, de logo, os bilhetes de embarque de retorno, com o vagão e lugares marcados.

As melhores cenas de Os Boas Vidas (I Vitelloni) também foram filmadas no Grand Hotel (dá até para “ouvir” a música de Nino Rota, enquanto escrevo). Sempre que podia, Fellini incluía o Grand Hotel em suas produções.
Quantas lembranças o hotel me evocou: o professor popular na bicicleta, descrevendo "le manine"; "la Volpina", ninfomaníaca; os camisas-negras se exibindo de forma ridícula; o acordeonista cego, tocando Siboney no casamento da Gradisca... Ahhhh!
O estabelecimento também foi cenário de um dos instantes mais ternos de "Amarcord." No filmes, o hotel está fechado devido ao inverno. Lá fora os rapazes realizam uma suave dança ao som da música tema do filme, simulando tocar instrumentos imaginários. Lindo momento, cheio de ternura. De arrepiar!
Seguindo para o centro visitamos o Cine Fulgor, onde Fellini teve a oportunidade de destilar todo o espírito moleque, anarquista, da sua adolescência. Algo ocorrido com a da maioria de nós.
Caminhamos pela rua onde havia uma tabacaria na qual o jovem Fellini recebe os favores adolescentes da dama proprietária, de corpo avantajado, num encontro hilariante.
Deixamos para o fim o passeio na praça Cavour, onde "La Gradisca" desfila o seu charme, sendo alvo de atenções masculinas expressivas, que hoje podem ser mal-interpretadas como assédio, mas que as mulheres de outrora adoravam, por se sentire atraentes. As italianas, pelo menos.
Ali também acontece a cena do motociclista misterioso, a percorrer em alta velocidade as ruas da cidade, especialmente a praça coberta de neve, em desafio às autoridades.
Lamento não termos tido tempo para visitar a fazenda onde o tio maluco de Fellini sobe numa árvore e grita, bem alto: “Voglio una donna! Voglio una donna!”. Ninguém consegue fazê-lo descer. Até que trazem a freira, diretora do asilo onde ele moraa, que tem metade do tamanho dele. Ela, porém, é muito braba: passa-lhe uma descompostura e ele desce!
Num restaurante da praça tomamos um vinho em homenagem a Fellini, e apressamos o nosso retorno à estação. Mas a maior surpresa estava reservada para o fim da nossa visita.
O acesso às plataformas da estação de Rimini se faz por um corredor subterrâneo, de onde sobem escadas tão íngremes que mais parecem os degraus de templos astecas. Preocupados com a iminência da partida do trem para Cesenático, subimos por essas escadas uma por uma, procurando o comboio. A nossa plataforma era a terceira, e chegamos lá em cima quase sem fôlego.

— O trem para Cesenático é esse aí mesmo!
Olhamos para trás e vimos uma mulher escorada na balaustrada de uma das escadas de acesso à plataforma mal iluminada. Ela era magra, alta, pele bronzeada, bem maquiada, elegante e vestia uma calça pantalona de veludo cotelê verde e um bustiê róseo. Estava acendendo o seu cigarro numa sofisticada piteira madrepérola.
Aproximamo-nos e Ilma perguntou encantada, pois havia mais de três semanas que estávamos na Europa, sem ouvir ninguém falar o nosso idioma:
— Você é brasileira? De onde você é?”
— Do Recife — respondeu, com o sotaque típico dos habitantes da metrópole vizinha
— Que maravilha! Nós somos da capital paraibana. Faz tempo que está na Itália?
— Mais de cinco anos.
Nisso chega o nosso amigo, que estava mais atrás. Ilma, entusiasmada, fala pra ele:
— Olha, que beleza! Ela é brasileira e nossa vizinha, lá do Recife.
— Ah! Olá. Tudo bem? E o que você faz por aqui?
— A situação não estava boa no Brasil. Vim tentar a vida na Itália. Aqui tenho muito mais oportunidades.
— Você trabalha em quê? — perguntou nosso companheiro.
— Canto e danço nas boates da região.
Ouvindo isso, comecei a prestar maior atenção na conterrânea: boa altura, rosto ligeiramente anguloso, gogó evidente, maçãs salientes, testa idem, tudo realçado por uma bandana larga. Então resolvi dar a estocada final:
— Qual é o seu nome?
— Grêice — disse ela.
Touché! Aí resolvi deixar o grupo de brasileiros deslumbrados trocando elogios e informações de viagem e fui procurar o vagão “D” do trem para Cesenático. Ainda ouvi quando nosso companheiro falou:
— Puxa! Com essa voz, esse corpo e esse bronzeado, você deve fazer o maior sucesso!
Pano, rápido!

A nossa primeira visita à Itália trouxe novas experiências, acompanhadas de emoções incríveis. Foi uma estreia, pois nunca havíamos pisado ...
Recepção à moda italiana
A nossa primeira visita à Itália trouxe novas experiências, acompanhadas de emoções incríveis. Foi uma estreia, pois nunca havíamos pisado o solo italiano antes. Ilma, minha esposa, eu e os companheiros de viagem, Karlisson e Socorro e Sérgio e Tereza, estávamos chegando de uma longa viagem pela França, onde havíamos percorrido, numa van alugada, a Rota dos Vinhos.
Participamos, no ano passado, de um cine-jantar no restaurante Casa Roccia , organizado pelo crítico de cinema Andrés Von Der Sauer. Os seu...
Banquete no meio do mato
Participamos, no ano passado, de um cine-jantar no restaurante Casa Roccia, organizado pelo crítico de cinema Andrés Von Der Sauer. Os seus eventos, além de proporcionar agradáveis encontros entre pessoas que são amantes da Sétima Arte, têm como pièce de résistance, prato principal, o debate de alto nível por ele promovido após a sessão. Suas análises de cinema são ricas em detalhes e permeadas do humor que lhe é peculiar.
Naquela noite, assistimos ao filme francês "Vatel, um Banquete para o Rei" (2000, Roland Joffé), com o qual ficamos profundamente impressionados. A película conta a história, verdadeira, da recepção oferecida pelo conde de Chantilly ao rei Luis XIV, da França. O conde estava quebrado e precisava muito agradar o rei e convencê-lo a abrir os cofres para salvar seu condado. Conseguiu, então, que Sua Majestade aceitasse o convite para um jantar. Mas não um simples jantar.
“Ô” banquete, como vocês verão se assistirem ao filme. Não é apenas um jantar gordo. É uma série de refeições em forma de obras de artes, entremeadas com danças, balé, circo, drama, comédia, tudo sequenciado para o deleite do rei e de sua comitiva.
Paralelo a isso, corre a história do autor da cerimônia: François Vatel, chef francês que já tinha sido da corte, mas caiu em desgraça, fugindo da França para a Inglaterra. Anos depois volta à França, sendo acolhido pelo conde de Chantilly.
O filme é deslumbrante, rico em fotografia, atuação e direção, posteriormente comentado por Andrés. O debate foi, realmente, uma “deliciosa sobremesa!”
Mas nem todo banquete se reveste de tanto luxo quanto o do conde de Chantilly. É possível termos o mesmo prazer com muito menos. Depende das circunstâncias.

Ao ser admitido no curso ginasial do Colégio Pio X, como já disse certa vez, ingressei numa nova realidade social e psicológica: fui promovido a rapaz!
Lá, fiz amizades com muitos colegas, cabeças as mais diferentes possíveis. Uma das mais duradouras das amizades foi com Fernando Furtado Filho, o Nino.
Ele mudou-se para o bairro Tambiá, perto da nossa casa. Sua grande família, composta por pessoas maravilhosas, exerceu boa influencia à minha vida: Dr. Fernando Furtado, Dona Mirtes, Paulo Germano, Solange, Suely, Simone, Silvana e o próprio Nino. Com eles vivi momentos inesquecíveis.
Dr. Fernando era um exímio profissional; excelente pai de família e esposo; pessoa simples; sempre bem humorado, gostava de conversar conosco. Dava atenção à meninada.
Dona Mirtes é uma dama: bonita, elegante, excelente companheira, mãe e filha, que foi. Sempre carinhosa com as irmãs e com toda a família. Assim como o esposo, era muito atenciosa para com as amizades dos seus filhos. Hoje, ela estende todo o seu amor para os netos.
Andamos uns cinco quilômetros, parando aqui e ali para descansar, quando de repente a fome começou a apertar.Um dos cenários mais comuns das nossas aventuras foi o sítio Alagoinha, do Dr. Fernando, na localidade de Gramame, que dista cerca de 15 quilômetros do centro da capital paraibana.
Todas as manhãs de sábados ele ia até o sítio: fazer pagamentos, levar farelo para as vacas, milho para as galinhas. Voltava com a carroceria da caminhonete repleta de frutas. E nós íamos com ele: Fernando, eu e Tóia, a inseparável cadela peluda do patriarca.
Lá, havia tudo o que menino gosta de fazer: roça, dar comida ao gado, campo para peladas, uma piscina improvisada, mata e, principalmente, o banho de água doce! O sítio ficava às margens do rio Gramame.
Embora nossas mães nos proibissem de nadar no rio, não pensávamos em outra coisa quando íamos para lá, desafiando os caramujos da schistosoma.

Foi só quando a jangada se desmanchou que nos demos conta do tempo e corremos de volta para a sede do sítio. Quebramos a cara. Cadê a caminhonete? Para onde foi Dr. Fernando? O administrador nos disse que ele nos procurou, buzinou e foi embora.
E agora? Decidimos voltar a pé para casa. Quilômetros! Mas era o jeito. Partimos, com Toia nos acompanhando.
Andamos uns cinco quilômetros, parando aqui e ali para descansar, quando de repente a fome começou a apertar. Mato de um lado, mato do outro, nenhuma árvore frutífera e a fome aumentando. Eu já não pensava em outra coisa senão em comer. Qualquer coisa!
Um pouco mais adiante encontramos uma casa com uma modesta vendinha ao lado. Tarde avançada, não havia mais o que servir. Insistimos e o dono nos ofereceu o que restava: sardinha com cuscuz! Abriu duas latas e comemos com o cuscuz seco. Dividimos tudo com Toia. Que delícia! A sensação era de que estava comendo salmão com um risoto bem gostoso, com creme de leite.
Para a nossa surpresa, mal terminamos e andamos um pouco, vimos a caminhonete verde-claro se aproximando: Dr. Fernando veio nos buscar!
Relembrando tudo isso, sinto que o nosso almoço inusitado foi tão gostoso quanto o banquete de Vatel. Tanto que até hoje não esqueci o sabor. E fiquei fã da sardinha.
Só não com cuscuz seco!
Anos atrás, numa festa de confraternização da clínica Vivance, onde até hoje temos aulas de pilates, fui presenteado com um livro da nortea...
O charme da Úmbria
Anos atrás, numa festa de confraternização da clínica Vivance, onde até hoje temos aulas de pilates, fui presenteado com um livro da norteamericana Marlena de Blasi: Mil Dias em Veneza. Trata-se de um romance autobiográfico, que relata a sua viagem para encontrar o futuro esposo, Fernando, bancário veneziano. Antes de tornar-se escritora e ir morar na Itália, Marlena era jornalista e escrevia sobre gastronomia para vários periódicos dos Estados Unidos. Numa de suas viagens, experimentando a culinária das diversas regiões do mundo, conheceu Fernando e os dois se apaixonaram.
Quando menos esperávamos, de repente a nossa vida estava cheia de netos. Logo cinco em apenas oito anos! E quase que por decreto fomos pr...
O prazer de sermos avós
Quando menos esperávamos, de repente a nossa vida estava cheia de netos. Logo cinco em apenas oito anos!
E quase que por decreto fomos promovidos a uma classe maravilhosa e respeitável: a de Avós. Pois não estávamos preparados para essa promoção. Ou quase. O fato é que Ilma e eu passamos a desfilar com esse novo “crachá” entre os amigos e parentes.
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Mania de calcular
Comecei a aprender matemática em casa, com as primeiras letras. Logo entrei para o Primeiro Ano A, na escola de Dona Carmita, na Praça da Independência, quando a tabuada entrou definitivamente em minha vida.
Já morando no atual apartamento, pensávamos que bichos seriam páginas viradas. Mas não contávamos com o amor que nossos filhos têm por eles...
A evolução dos bichos (III)
Já morando no atual apartamento, pensávamos que bichos seriam páginas viradas. Mas não contávamos com o amor que nossos filhos têm por eles e por mim. E me deram no Natal de 2006 uma linda salsichinha (dachshund) preta e marrom: Maria Luiza Pires de Sá Espínola. Ou Merilú, como ela gostava de ser chamada.
Ao longo da vida na casa de meus pais eu criei diversos bichinhos. Tive um pombo chamado Carlitos, por causa dos seus pés na posição de 15-...
A evolução dos bichos (II)
Ao longo da vida na casa de meus pais eu criei diversos bichinhos. Tive um pombo chamado Carlitos, por causa dos seus pés na posição de 15-pras-3. Ele era muito romântico. Desenvolveu um amor platônico pela sua imagem numa cristaleira velha, onde ele morava. Como mamãe não queria bichos dentro de casa, deu fim à cristaleira e Carlitos foi morar no galinheiro: apaixonou-se por uma galinha!
De médicos e de loucos... E Germano e Ângela saltam: “Puxa, vai começar tudo de novo, é??” Calma, amigos. Vou escrever sobre loucos, sim....
A evolução dos bichos (I)
De médicos e de loucos... E Germano e Ângela saltam: “Puxa, vai começar tudo de novo, é??”
Calma, amigos. Vou escrever sobre loucos, sim. Mas sobre aqueles que são loucos por bichos! É uma categoria de malucos saudáveis, na qual eu me enquadro em excelentes companhias. Por exemplo: os meus filhos Henrique, Ricardo e Ana Laura. Todos os meus netos. A nossa filha-sobrinha Salomé. Os meus amigos queridos Ângela Bezerra de Castro, Germano Romero, Marluce Castor e Josias Batista. E a minha amiga e fisioterapeuta, Lúcia Grilo. Que time, hein?!
Nos anos 1980 a cidade de Varginha, em Minas Gerais, tornou-se celebridade nacional ao anunciar o encontro de um ser extraterrestre no muni...
O ET de Guarabira
Nos anos 1980 a cidade de Varginha, em Minas Gerais, tornou-se celebridade nacional ao anunciar o encontro de um ser extraterrestre no município. Nunca ficou comprovada tal existência.
A partir daí, tudo que é cidade interiorana do Brasil buscou alcançar a mesma notoriedade, e outras civilizações passaram a ser o sonho de consumo de seus habitantes. Guarabira foi uma delas.
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O vazio do xadrez virtual
As minhas tardes de sábado costumam proporcionar um prazer juvenil: jogar xadrez! Mas o termo é insuficiente para revelar a riqueza que a atividade lúdica encerra.
Cinco vezes! Foram 5 chances para se evitar tal absurdo. Mas a burocracia, a desatenção com os idosos, a indiferença com os mais velhos, o ...
O peru do Dr. Vavá
Cinco vezes! Foram 5 chances para se evitar tal absurdo. Mas a burocracia, a desatenção com os idosos, a indiferença com os mais velhos, o descaso com um ancião, concorreram para o disparate.
O ócio compulsório pelo qual estamos todos passando provoca efeitos diversos no nosso organismo. Um deles é o tédio profundo causado pela t...
A era do rádio não morreu
O ócio compulsório pelo qual estamos todos passando provoca efeitos diversos no nosso organismo. Um deles é o tédio profundo causado pela tarefa inglória de lavar pratos.
Após um curso primário saltitando de escola em escola, finalmente chegou o grande momento: o Exame de Admissão ao curso ginasial. Para os...
O coroinha do Pio X
Após um curso primário saltitando de escola em escola, finalmente chegou o grande momento: o Exame de Admissão ao curso ginasial.
Para os meninos do meu tempo isso significava um grande salto de evolução. No ginasial entrávamos menino grande e saíamos rapaz, com acesso aos filmes proibidos da sessão noturna do cine Brasil, desde que o bigode pintado e a cara feia convencessem o fiscal do Juizado de Menores.

Mas passar no Exame de Admissão era uma tarefa hercúlea. Exigia muito conhecimento de, principalmente, matemática e língua portuguesa. E eu me sentia preparado para enfrentá-lo.
Quem não estava confiante era mamãe, que acendeu velas e encheu o meu pescoço de escapulários. Na primeira prova eu estava nervoso, e passei raspando.
Dia seguinte, a caminho do Pio X, me livrei de tudo o que enlaçava o meu pescoço, pois achei que deu azar. E passei!
Cabeludo conseguiu se livrar do padre Félix e saiu correndo pela capela, pálido, sem encarar ninguémO colégio era um mundo novo, para mim, fascinante! Começa que pela primeira vez eu usei farda. Nas escolas particulares nós não tínhamos uniformes.
Que universo! Time de futebol, laboratório, curso de fotografia, teatro, francês, inglês, gincana, canto orfeônico, e Cruzada Eucarística. Eu nunca joguei bem. Cedo me convenci que eu era um perna-de-pau. E me dediquei ao xadrez.
Um dos nossos professores, titular da turma Primeira série C era o Irmão Ricardo Cortês, “carinhosamente” chamado de Irmão Mutuca. A sua turma era composta pelos repetentes do ano anterior. E o Irmão Paulo Beckman, diretor do colégio, colocava os repetentes justamente sob o jugo do Irmão Mutuca.
Irmão Mutuca não girava muito bem. Tinha dias em que já entrava na classe vexado, dizendo: “Um, dois, três, três, dois, um: Fora! Fora!”, expulsando de classe os três primeiros alunos da chamada, SEM TER NEM POR QUÊ!
Para poder comungar tínhamos que confessar, na véspera. Se não, era pecado e a hóstia queimaria na barrigaA Cruzada Eucarística era comandada por Irmão Bruno. Ele abria as portas para as atividades culturais, como o jornalzinho O Apóstolo, no qual Humberto, meu irmão, trabalhava como repórter, ou “Foca”; como eram chamados repórteres iniciantes. Daí veio o seu apelido no colégio: Foquinha. E também dava a chance de atuarmos como coroinha nas missas.
Entrei para o canto orfeônico, compondo a turminha da Primeira Voz. Foi lá que aconteceu um episódio que contribuiu para que eu encurtasse a minha vida de religioso.
A missa começava às 5 horas da manhã. E nós tínhamos que ir em jejum, pois não podia comer antes de comungar. Numa missas dessas eu estava cantando no coro quando de repente a vista escureceu, comecei a ficar pálido, suando frio, e fui arreando. Aí Irmão Bruno me tirou do coral e me levou para comer um sanduíche. Eu havia tido a minha primeira “bilôra”!
Para poder comungar tínhamos que confessar, na véspera. Se não, era pecado e a hóstia queimaria na barriga. Pelo menos era o que os colegas mais adiantados nos diziam.
Certa manhã estava a turma de Silvino na Capela, em fila desorganizada, para se confessar. No confessionário estava o padre Félix, o terror dos adolescentes. As penas que ele prescrevia para poder absolver os nossos pecados eram terríveis: rezar 47 Pai-Nossos; ou 77 Salve-rainhas; ou 86 Ave-Marias. Por aí. Às vezes, castigos maiores. E quando padre Felix não gostava, era igual a mulher quando fica indignada: sai da frente!
Nessa dita manhã faltavam se confessar Cabeludo, Silvino, Tota, Marcelo Barros, Caúma e Gutemberg. Todos à distância do confessionário respeitável o suficiente para bagunçarem em voz baixa. Era justamente a rabeira da classe, os mais anarquistas e que tinham mais podres a confessar. Por isso ficavam por último, relutantes.
Saiu do confessionário, agarrou Cabeludo pela orelha, subindo e descendo, e gritando: “Pervertido!” “Tarado"!Cabeludo era o mais inquieto, mexendo com um, bulindo com outro. Vibrando porque à tarde iria ao Cine Rex assistir Spartacus. A sua alegria era, por dizer, contagiante. Foi quando o confessionário ficou livre e Cabeludo rapidamente lá se ajoelhou.
Passados alguns minutos, os meninos conversando baixo, quando de repente ouviu-se o grito do padre Félix: “SAFADO!”
O padre estava apoplético. - “Seu monstro!”
E saiu do confessionário, agarrou Cabeludo pela orelha, subindo e descendo, e gritando: “Pervertido!” “Tarado!”
Cabeludo conseguiu se livrar do padre Félix e saiu correndo pela capela, pálido, sem encarar ninguém. E padre Félix vociferando indignado:
“Vou contar à sua mãe!”
Pausa. Silêncio total. Então se voltou para os alunos que esperavam:
“Com uma GALINHA!”
Das lembranças que eu guardo da infância, a mais gostosa é o banho de rio. Do Piancó ao rio do Peixe, todos eram diversão gratuita e garant...
O banho de rio no imaginário infantil
Das lembranças que eu guardo da infância, a mais gostosa é o banho de rio. Do Piancó ao rio do Peixe, todos eram diversão gratuita e garantida.
Dizem que Ernest Hemingway gostava mais de sua máquina de escrever que das suas mulheres. Bom, é possível que sim, ele não tinha mesmo o ju...
Querido computador
Dizem que Ernest Hemingway gostava mais de sua máquina de escrever que das suas mulheres. Bom, é possível que sim, ele não tinha mesmo o juízo muito certo. É tanto que deu no que deu.
O Dr. Giovanni Londres da Nóbrega era mesmo uma figura. Médico com doutorado em São José do Rio Preto, mal chegou a João Pessoa e já possuí...
O split
O Dr. Giovanni Londres da Nóbrega era mesmo uma figura. Médico com doutorado em São José do Rio Preto, mal chegou a João Pessoa e já possuía grande clientela. E olha que nem convênios tinha.
Homem de muitos amigos, havia aqueles da caminhada matinal. Tinha os colegas do Sindicato. E os da roda cativa, no MAG Shopping (que insistem em chamar mégui).
Solteirão convicto (foi sócio-atleta no antigo Clube Maravalha!), logo se tornou partidão na nossa cidade.
Homem refinado, gourmet, bom garfo e bom copo, às vezes até pantagruélico, não perdia uma boca-livre. Tinha apetite para tudo.
Sentiu de repente vindo das profundezas, do mais íntimo do seu ser...A clientela cresceu e agranfinou-se. Passou a freqüentar as colunas sociais. Daí foi um passo para ver que seu consultório precisava de uma boa reforma, que o tornasse moderno por dentro mantendo a fachada tombada. Para isso contratou uma arquiteta.
Projeto grã-fino exige refrigeração moderna. Por isto, por recomendação da arquiteta, decidiu adquirir um split, aparelho de ar-condicionado com o qual vinha namorando na internet há já algum tempo.
Uma segunda-feira, de ressaca, estava a desfrutar das maravilhas do split: frio polar, bem distribuído por todo o ambiente, tornando o ar homogêneo. Às vésperas havia abusado da muqueca do Badionaldo. E logo acompanhado de rum Montilla! À noite jantou buchada com batatas doces. Completou com pastéis-de-nata de dona Nisa. Não bastasse essa verdadeira bomba prestes a explodir, ao chegar ao consultório tomou um café Nespresso de intensidade 12. E foi se refrescar no consultório.
O interfone o tira do cochilo: a atendente anunciou a entrada de um jovem paciente, acompanhado de sua mãe. Após uma anamnese demorada, muito bem feita como lhe era peculiar, examinou escrupulosamente o menino, voltando para o seu birô para elaborar a conduta.
Quando estava orientando a mãe sobre os achados clínicos, os exames a serem realizados, e a conduta a ser adotada, sentiu de repente vindo das profundezas, do mais íntimo do seu ser, do âmago, aquela manifestação tão conhecida, que sempre antecipava explosões ruidosas. E dos quentes, ainda por cima! Sentiu-se momentaneamente perdido.
Súbito, teve então uma idéia salvadora. Segurou-se como pôde, e disse para a mãe:
“Eu tenho umas amostras do remédio dele no meu armário. Vou buscar já.”
E dirigiu-se rapidamente ao outro lado do consultório, mais distante do birô, onde havia um biombo salvador. Aliviou-se o mais silenciosamente possível: Ahhhh! De novo: Ahhhh!
De repente, ouviu um grito vindo do outro lado:
“Ai, mãe! Num fui eu não!”
E a mãe:
“Quando chegar em casa você me paga, seu cabrito!”
Dr. Giovanni amarelou, gelado: o split!!
Esta historinha me foi contada pelo saudoso Dr. Pedro Cardoso Filho, então estagiário no Hospital Municipal de Pronto Socorro. Trata-se de ...
A extrema-unção
Esta historinha me foi contada pelo saudoso Dr. Pedro Cardoso Filho, então estagiário no Hospital Municipal de Pronto Socorro. Trata-se de uma pequena amostra da personalidade fascinante que é o Dr. João Batista Mororó, figura humana ímpar, dotado de profundo sentimento religioso, preocupado com a alma de uma pessoa que tinha sido infeliz na vida, tentando dar o melhor para os pobres e oprimidos. Ele trata todo mundo carinhosamente por nêgo ou nêga. Eu acho que é uma técnica para não esquecer o nome de ninguém, igual ao que fazia o padre Juarez Benicio Xavier!
Nos anos 50 até os 70, o velho Pronto-Socorro localizava-se na Rua Visconde de Pelotas, esquina com a Rua Miguel Couto.

Num fim de tarde, num sábado, chegou ao Pronto-Socorro um carro-de-praça (que era como chamavam os táxis de então) com um estudante secundarista do Lyceu Paraibano trazendo lá da zona do meretrício uma mulher-da-vida.
Esta tinha sido esfaqueada pelo seu cafetão, quando dançava com o estudante, no cabaré. Crime de ciúme, crime de sangue! O carro estava todo ensanguentado. A mulher, desfalecida, branca, morrendo por anemia aguda. O estudante estava apavorado.
Dr. Mororó, homem sábio e médico experiente, deu ordens para cateterizar uma veia e instalar sangue, e disse para uma enfermeira chamar urgente o cirurgião de plantão e, por quê não?, o capelão do hospital.

Logo em seguida chegou padre Félix, o capelão, para dar a extrema-unção. Perguntou ao estudante se era o marido da paciente, tendo ele rispidamente respondido que NÃO! Então, uma das enfermeiras cochichou no ouvido do padre que a mulher não tinha maridos, morava no cabaré e levava vida irregular.
Pra que ela disse isto?? O padre então se recusou a dar a extrema-unção! Ocorre que, à época, a Igreja era muito rigorosa, o Papa João XXIII ainda não a tinha modernizado com as suas encíclicas. Não adiantaram os apelos dos presentes.
Dr. Mororó implorou. O padre, porém estava inarredável. A Igreja era clara: a ausência do sacramento do matrimonio lhe impedia de abençoar a infeliz com o ministério da extrema-unção.
A situação caminhava para o insolúvel, quando o Dr. Mororó teve uma idéia. Perguntou ao sacerdote pausadamente, quase que soletrando: “Padre, se ela se casasse agora, o Senhor daria a extrema-unção?”
O padre ficou numa saia-justa. Respondeu, muito reticente: “É, desapareceria o impedimento e eu poderia administrar-lhe o ministério...”
Dr. Mororó voltou-se, então para o secundarista, e disse, candidamente: “Casa com ela, nêgo!”
O estudante indignou-se, pois era pobre, do interior, mas era de família religiosa, decente, o que o impedia de casar-se com uma prostituta:
“Caso NÃO!!”
Dr. Mororó insistiu: “Nêgo, você casa com ela, o padre dá a extrema-unção, ela vai se operar, morre, e você fica livre e desimpedido para casar de novo. Casa, nêgo..!”
“Caso não! Casa tu!!”
“Eu já sou casado, nêgo. Se eu pudesse, faria este gesto.”
“Num caso de jeito nenhum.”
Dr. Mororó insistiu: “Nêgo, faz esta caridade celestial!”
“Faço não!”
Mororó, homem perspicaz, profundo conhecedor dos mistérios da alma, usou da psicologia médica. Disse para o estudante: “Nêgo, se tu não casa com ela, ela morre, e vai voltar à noite pra puxar teu pé.”
O jovem já não respondeu. Olhou a paciente inconsciente estirada na maca, chocada, da cor do lençol. Pensou um pouco. E perguntou ao Dr. Mororó: “O Senhor tem certeza que ela vai morrer?”
“Tenho, sim, nêgo! Ela não resiste à anestesia geral!”
Assim, relutantemente, o estudante concordou. O padre casou os dois. Dr. Mororó e o então acadêmico Dr. Pedro Cardoso Filho foram testemunhas. Logo a seguir, deu a extrema-unção e retirou-se, exausto e um pouco confuso. Afinal de contas nunca tinha presenciado um caso semelhante.
A paciente foi finalmente levada para a sala de cirurgia, onde foi operada de urgência, perdendo o baço rasgado pela navalha do cafetão. E escapou!!
O estudante jurou de morte o Dr. Mororó, que prudentemente mudou de plantão.
“Você é um subversivo!”, gritou o colega ao telefone. Fui pego de surpresa. Subversivo? Eu? A palavra, a princípio me pareceu familiar. H...
Subversivo!
“Você é um subversivo!”, gritou o colega ao telefone.
Fui pego de surpresa. Subversivo? Eu? A palavra, a princípio me pareceu familiar. Há muuuitos anos eu não escutava isso.
Tudo começou com uma discussão, a princípio saudável, com meu grande amigo, antigo colega, que vivenciou comigo momentos agradáveis. Falávamos sobre o momento político atual. Eu criticava o presidente, dizia que era medíocre e ele defendia.
Foi quando comecei a dar fundamentação à minha opinião, ele sentiu-se encurralado, e reagiu como reagiam no passado de nossas discussões políticas, quando a razão fugia: fazendo ataques pessoais ao dono da opinião divergente, dizendo que é comunista, petista e outros epítetos.
Subversivo, eu? A palavra me soou mágica. Foi quando eu voei no tempo (acho que não tenho a doença de Alzenheimer pois ainda consigo voar no tempo e dele retornar!). Voltei 50 anos no passado, pousando suavemente em 1968.
Foi um ano mágico! Quantas coisas aconteceram, boas e más. Nesse ano o Botafogo foi campeão carioca. O filme 2001 Uma Odisséia no Espaço foi o grande lançamento do ano. Concordo com Zuenir Ventura: 1968 começou e não terminou.

O Liceu dos anos 1960 era um lugar mágico. Um estilo de vida estudantil totalmente diferente do que eu tinha experimentado, até então. Fascinante! Liberdade total, diferente dos outros colégios até então. Só passava quem tivesse responsabilidade. E como eu estudei! Sem deixar de brincar, aprendi a dosar. O Grêmio Estudantil era onde nos encontrávamos, nos intervalos, para jogar xadrez, ouvir música e discutir política.
Estávamos no quinto ano da ditadura militar. Mas em 1968 começamos a respirar um clima primaveril que varreu o mundo todo. Aqui não foi diferente. Prenunciavam-se mudanças. Discutia-se a implantação de uma política de ensino importada dos Estados Unidos, a qual os estudantes brasileiros repeliam com veemência. Tratava-se do Acordo MEC-USAID, que até hoje eu não sei o que era.
Misturando com os estudos participei ativamente como representante da classe, pichando paredes e distribuindo panfletos. Foi o ano das grandes passeatas. Reuníamos-nos em frente à catedral. Depois caminhávamos em direção ao Palácio do Governo, uma multidão na contramão. Geralmente não conseguíamos chegar até a Praça João Pessoa, dos Três Poderes, porque a polícia baixava o cassetete antes disso.
Protestávamos sobre tudo: liberdade de imprensa, preço das passagens, guerra do Vietnã, liberdade de opinião. E principalmente contra a ditadura militar.
Numa dessas passeatas fomos dispersados violentamente pela polícia, ao entrarmos no beco da rua Conselheiro Henriques. Eu estava com uma companheira de atividades subversivas, Mone Pessoa, irmã de meu colega e amigo João Alberto Pessoa. Eu poderia ter corrido, mas deixá-la-ia sozinha no meio de três policiais armados de cassetetes e espingardas. Não consegui socorrê-la. Resultado: apanhamos os dois!
Depois, ocupamos por iguais três dias a FaFi, Faculdade de Filosofia. Desta vez quem nos expulsou “pacificamente” foi a Polícia Federal. Nesse momento tive a oportunidade de assistir a uma cena que me marcou até hoje.
Enquanto os policiais, armados de metralhadoras, nos botavam para fora e fechavam as portas da FaFi, Everaldo Júnior subiu numa balaustrada e fez um discurso violento contra a ditadura, a PF e o Superintendente da PF à sua frente, sujeito chamado Emilio Romano, que assistiu contricto, trêmulo, porém impassível.
Ao longo da semana nos reuníamos secretamente para ler ou ouvir o que era proibido. Lembro-me de ter escutado secretamente o disco da peça Arena Canta Zumbi, num quarto dos fundos da casa de Karlov Neves de Lima, irmão de Babi. Era a época do “É proibido proibir!”

Tinha a Toca do Coelho, onde passávamos quase a noite toda dançando em 1 metro quadrado de pista, coladinhos. Depois podíamos finalizar a noite na churrascaria Bambu, no bordel da rua Maciel Pinheiro ou no Independente Atlético Clube.
Pois foi justamente tudo isso o que o amigo me evocou, essa deliciosa volta ao passado, ao pensar que estava me ofendendo. Na idade em que eu estou, ser assim chamado chega a ser até lisonjeiro.
“Subversivo!” Não me ofendi. Respondi, agradecendo:
“Touché, meu amigo!”