... W. J. Solha tem recado curto e grosso : Leiam O LABORATÓRIO DAS INCERTEZAS. Paulo Vieira (UFPB 2013) é dono de um senhor currículo, ...
Aos que fazem Teatro...
Eu gostaria de ter nascido muito antes do momento em que vim ao mundo. Deveria ter vivido a fase adulta durante os anos de 1940 ou 1950, p...
Viajante de outro tempo
Mas longe de mim o propósito de contraditar os desígnios divinos (para os que neles creiam) nem as leis da natureza (para o ateu e o à toa). Aceito meus dias e a eles me adapto, até porque me trouxeram a família que tenho e os amigos que fiz.
O semeador Estava só de passagem Mas trabalhou Pela força do fado de semeador. A semente lançada Caiu em terra fértil Ansio...
Quando a noite se distrai
Estava só de passagem Mas trabalhou Pela força do fado de semeador. A semente lançada Caiu em terra fértil Ansiosa por fazer brotar a vida. Vingou, cresceu. Ajudada pela chuva, multiplicou-se E nunca mais esqueceu...
Mais uma vez, o mesmo lugar... encanto renovado, algum detalhe perdido que agora resplandecia... cidade-luz, em companhia de amigos-irmãos...
Travessuras
Um hotel com nome feminino, no “nosso quartier preferido”. Um banco na sua calçada, para sentar após as aventuras, assistir à passagem de moradores e turistas, “gozar da presença das massas populares é uma arte”. (Charles Baudelaire). Experimentar a negação de que as noites prenunciavam o fim de um dia a mais... a resistência ao sono e ao cansaço... tudo valia a pena, até a exaustão, viver Paris até o final.
Os passeios planejados ou improvisados, até ao Jardin des Plantes... suas aléias exibiam rosas resistentes, com pétalas queimadas pelo frio. Os jardineiros podavam todas que trabalharam anteriormente. Tempo de descansar a beleza para renovar forças, para novos brotos…
Localizar um carrossel que percorria as praças da cidade... e... obrigatoriamente ceder à tentação de “dar uma volta”, amigos registrando esse mergulho nos tempos de criança... e ninguém enfrentava esse prazer gélido... “ é sobretudo na solidão que se sente a vantagem de viver com alguém que saiba pensar”. (J. J. Rousseau), e como tal, a solidão estimulava o proprietário a permitir um tempo a mais.
Percorrer a pé a cidade sempre foi o consenso, visitar um ou outro museu, lojas de arte, desvendar novos lugares, pesquisando cores e odores... na volta um sorvete “Bertillon” para não quebrar o hábito. Deixar-se ficar na Pont Neuf, acompanhando as embarcações e seus deslumbrados passageiros. Nenhum lugar com tamanho poder. Até de olhos fechados, visualizava cada pedra do pavimento, e ao ver uma mulher pedinte, jovem, de belos traços, lembrei de Piaf, a fleur du pavé, a rainha da música francesa, e evoquei “Sous le Ciel de Paris”...
O ar parisiense exalava a cultura, e esse se transformava em interesse. Apesar da chuva, a disposição despertava o prosseguir. “Ó barulho suave da chuva, pela terra e sobre os tetos! Ó canto da chuva” (P. Verlaine).
Como todo viajante que se preze, levei uma lista de encomendas, e, a mais importante, a da neta... após uma breve estadia em Lisboa, a loja de brinquedos não dispunha do objeto solicitado... em Paris, uma fila interminável aguardava os ansiosos pelo requisito. O segurança, após longa espera, comunicou que o estoque esgotou, e que talvez à noite, recebessem uma reposição. Embora o corpo solicitasse descanso, não poderia frustrar a expectativa de Julinha... e às vinte horas, propus ao grupo uma missão noturna... apenas um amigo se prontificou, sair à noite, com um temporal daqueles?
E lá fomos nós, moleques noturnos, encolhidos, sob um guarda-chuva, a sorrir de tudo que nos acontecia... observando o contraste dos franceses que não alteravam o passo e o porte, sisudos e firmes.
A avenida Champs Elysées estava vazia como nunca, suas luzes desfocadas nas lentes das gotas d’água. “Ah Champs Elysées, com sol, sob a chuva, ao meio dia ou à meia noite, tem tudo que você quer na Champs Elysées”. (Joe Dassin). Enfim, a loja estava aberta, sem fila, entramos sob o olhar crítico do vendedor, que imediatamente nos trouxe a fantasia de princesa. Solicitei duas sacolas com o mesmo tema para evitar danificar o objeto do desejo. Saímos felizes com o problema resolvido, e a animação maior, nos fez parar e comprar uma sopa quente para os que ficaram no hotel. “Eu deixarei o vento banhar minha cabeça nua” (Arthur Rimbaud).
E, como os antigos egípcios, conclui que o banho era sagrado, uma forma de purificar o espírito, mais vivenciar com um amigo verdadeiro, partilhar momentos de tão simples e intensa diversão, contar com alguém que priorizou o desconforto para servir, foi a melhor associação de alegrias em Paris. Merci Miguel.
“O céu está cinza e a chuva convida como que por surpresa... os guarda chuvas abrem em cadência... e as gotas caem em abundância na doce França” (La pluie – Zaz).
Teve banheiro entupido, dor de barriga, cachorro dormindo na cama, mulher reclamando e tempo sendo consumido. Depois eu explico a odisseia...
Perdi o busão
Há muitos mistérios no amor que nem mesmo os envolvidos sabem solucionar, embora, muitos de fora desse processo queiram julgar as suas con...
Os mistérios do Amor
Os leitores que acompanham o Ambiente de Leitura Carlos Romero hão de se lembrar do Carmen LXXXV de Catulo, aquele famoso poema lírico latino que começa com o paradoxal “amo et odi” (amo e odeio),
Com a direção de Wash Westmoreland, Collete (2018) é um filme sobre a vida da escritora francesa Sidonie Gabrielle Colette . Mais uma vez...
Colette e outras adoráveis mulheres
rios, cidades, poetas à moema selma d’andrea o paraíba, o mamanguape, o tigre, o eufrates, o tejo, o sen...
A cidade de Moema
à moema selma d’andrea o paraíba, o mamanguape, o tigre, o eufrates, o tejo, o sena, não desviam o curso do poema. o poema, nenhum rio ou cidade o fazem. só os poetas, à margem do lápis:
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Felizes os misericordiosos
(Mateus, 5:7.)
Quando criança, eu costumava convocar Deus para consertar tudo: de falta de ar a brinquedo quebrado. Minha mãe, que acreditava com convicç...
Chamando Deus em vão
Quando penso no matemático, teórico político e filósofo inglês Thomas Hobbes (1588-1679 — viveu 91 anos!), sempre me ponho a imaginá-lo co...
Hobbes e o homem mau por natureza
Se hoje alguém me perguntar o que mais sinto saudades, eu digo pesarosa, da minha alegria. Gosto de gargalhar, de sorrir para desconhecidos...
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As dimensões escondidas do Universo
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Como uma folha solta
Agora eu era herói. E o meu cavalo só falava inglês. Chico Buarque / Sivuca Tinha eu, então, a idade dos curumins. Meu pai tentava ...
Hopalong Cassidy esteve em Campos do Jordão
E o meu cavalo só falava inglês.
Chico Buarque / Sivuca
Minhas tardes eram assim: meu pai quase sempre ralhando comigo e Nicanor rindo de meu embaraço. Éramos os três a dar conta das encomendas, que em alguns meses rareavam, noutros vinham com abundância; e então, trazíamos o velho rádio de galena para que pudéssemos adentrar à noite no trabalho, sem que perdêssemos as novelas da Rádio Nacional. Nessas noites, acompanhava-nos minha mãe. Não foram poucas vezes que a voz melodiosa de Olga Nobre levou-a as lágrimas. Ela e o sentimental Nicanor.
As manhãs entregava-as sem muito entusiasmo ao Grupo Escolar. Pelejava com a tabuada e a caligrafia. Ao meu pai a preocupação era com os progressos que eu pudesse obter nas letras e no ofício. Assim, com igual rigor cobrava-me bom desempenho nesses dois afazeres. A paga pelo esforço nessas obrigações era a bagatela semanal de vinte cruzeiros, pecúnia que eu consumia nas matinês dominicais do Cine Glória ao lado de Nestorzinho, Angelino e Cecéu.
Éramos parceiros de escola e de sonhos.
Sábados não havia sem que corrêssemos à estação, esperando pela gôndola que chegava de Pindamonhangaba, pontual e rumorosa. Cecéu, o mais ansioso, mergulhava sempre seus olhos no horizonte e nos movimentos do velho Anacleto que consultava o velho patacão, a controlar o tempo e suas obrigações com a Estrada de Ferro. — Quatro e quinze! – anunciava. Depois olhava-nos com ternura, revelando cumplicidade com nossas expectativas – quatro e meia ela chega.
Chegava sempre e sempre no horário. Angelino roia as unhas.
Quem será que ela vai trazer hoje?
— Chegou o Tom Mix!
Era assim que chegavam todas as semanas aqueles forasteiros galantes e intrometidos: em grossos rolos de celulose.
Sempre fomos, os quatro, pontuais naquele rito semanal de oferecer hospitalidade calorosa àquele paladinos, de entregar-lhes nossos corações e tantos
Não há ninguém de duvidar de nossa intimidade com seus feitos, sua biografias e principalmente com suas habilidades.
— Briga é com o John Wayne – desafiava Cecéu.
— É que ele nunca experimentou um murro do Buck Jones – reclamava Nestorzinho.
Eu não admitia cotação inferior ao meu paladino.
— Pode juntar os dois que não dão conta do Gary Cooper.
Tínhamos, todavia, concordância do que ia além das truculentas fronteiras da força muscular e adentrasse no mágico território da perícia. Concordávamos que pontaria era mesmo com Randolf Scott, que no laço e montaria Bob Steele era insuperável e que Allan “Rock” Lane era um porqueira, Roy Rogers era um pancudo e só prestava mesmo era para cantar. Assim inveredávamos pelos intrigantes labirintos dos defeitos e das vicissitudes. Muitos outros passaram pelo crivo impiedoso dos nossos julgamentos: Tom Tyler, Joel McCrea, Ray Carrigan, Ken Maynard, Tim McCoy, Hoot Gibson e outros tantos que fossem recolhidos naquele fim de mundo pelas mãos diligentes do velho Anacleto.
Assumíamos a fleuma e postura de nossos preferidos. Eu gostava mesmo é de ser o Gary Cooper, Nestorzinho se achava o Buck Jones, Cecéu era o John Wayne e Angelino o Tom Mix. Éramos todos mocinhos. Os bandidos sanguinários e os índios perversos viviam apenas em nossas alucinantes imaginações, ou se travestiam de qualquer intruso que se intrometesse em nossas contendas. Aos nossos garanhões, fogosos como os da tela, conservávamos a fidelidade de seus senhores. Só eu mesmo, assim com Gary Cooper, não adotava uma única montaria. O cavalo de Cecéu era o Duke, de Nestorzinho o Silver e de Angelino o Old Blue.
Na portaria, sempre Simão Cireneu. Eclético. Era ele também quem pintava os letreiros coloridos e reproduzia magistralmente as cenas mais emocionantes da película. Eram figuras perfeitas em letras góticas que anunciavam o espetáculo da tarde: “Os falsários do Oeste”. À nossa chegada, sempre além do título e da gravura, desfilava sua arte de relatar contendas com as quais iríamos nos deliciar nos instantes seguintes.
— Vão ver só a surra que Bob Steele aplicou no George Chesebro. Não deu nem pro começo — e gesticulava como fosse ele o autor do nocaute.
Mas um dia, fez-me a vida perceber que além daquele quintal, havia bem mais do que os beijos de Jean Arthur e Jennifer Holt, do que as provocações de Jack Palance, do que o tiro certeiro do meu Colt e de nossas intrépidas cavalgadas atrás de apaches e chayenes.
Eram fartas as encomendas. Meu pai, Nicanor e eu nos entregávamos com afinco ao corte da casimira e do linho inglês. A premência dos prazos fez-me arriscar meu primeiro molde de colete e muito elogios ganhei pela exatidão do meu traçado.
— O menino tem mão. Tem mão!
Minha mãe traria o jantar e nem as novelas tiraram nosso ímpeto. Era Dr. Adhemar que estava para chegar com Dona Leonor para inaugurar mais um sanatório. Nosso estabelecimento nunca atendera gente tão importante. Até Doutor Silveira nos encomendara seu terno, e nossa modesta “Alfaiataria e Camisaria Paris” começava a ganhar fama na cidade. Meu pai, satisfeito com o andamento dos negócios, aventava a possibilidade de livrar-se da hipoteca de nossa casa, andassem as coisas como iam.
Chamado à responsabilidade não compareci à estação naquele sábado. Mas Angelino me viera até ao trabalho trazer-me a novidade.
— Chegou o Hopalong Cassidy!
Eu já ouvira falar dele. Simão Cireneu me contara. Roupa preta, cavalo branco. Bom de briga, bom de tiro. Revólver com coronha de marfim e ainda por cima não era de namorico. Era a primeira vez que Willian Bloyde ganhava nossas montanhas ostentando sua mais famosa personagem: Hopalong Cassidy. Chegava com atraso de mais de uma década, porque o Cine Glória não guardava critérios cronológicos. Aceitava de bom grado nossos heróis quando estes já tivessem entretido platéias de maior renome. Sabíamos esperar.
As horas impiedosas voavam, e a cada quarto passado, eu consultava Nicanor, como a lembrar meu pai pelo adiantado delas, dos meus proventos, que ele ainda não se lembrara de “acertar minhas contas” como fazia todos os domingos. Ele, indiferente às minha ansiedades, acionava os pedais. À hora dos aprontamentos, como minhas insinuações se tivessem mostrado vãs, recorri à lágrimas, num último recurso de lembrar meu algoz, que naquela tarde era Hopalong Cassidy instalando seu nome na galeria de nossos astros prediletos. Mas meu pai não entendia de cowboys como eu não entendia de hipotecas. Mas como as armas daquele forasteiro não tinham calibre para resgatar promissórias,
Não fui me encontrar com Angelino, Nestorzinho e Cecéu. Era a primeira vez que meu coração experimentava a dolorosa sensação da impotência. O mundo era definitivamente maior do que meus sonhos. A hipoteca da minha casa não deixava lugar para aquelas fantasias que somente nós, eu Angelino, Nestorzinho e Cecéu podíamos compreender suas mágicas dimensões. De súbito meu pai começou a ralhar comigo, que eu não tinha responsabilidade com a vida, que se ele não contasse com o próprio filho, com quem iria contar? Disse ainda, que eu estava ficando meio aluado com aquela história de cinema, que ele estava velho e doente e que de uma hora para outra, oh!... E quem iria tomar conta dos negócios? E completou:
— Você? Com garrucha de mentira na cinta?
Terça-feira teríamos que entregar o que faltasse de encomendas. O homem ia chegar na quarta e ai se não estivesse tudo pronto! Mas eu não queria saber do Adhemar de Barros, do Jânio Quadros, do Marechal Lott, de ninguém, queria mesmo era ver o Hopalong Cassidy, e para mostrar a força de minha preferência atirei-me novamente às lágrimas e aos soluços.
Passados hoje tantos anos, não posso crer que meu pai fosse cruel àquele ponto de atirar-me ao rosto o ferro de passar. Foi coisa do momento, do medo de perder nossa casa. Deixou-me com essa cicatriz. Ele mesmo nunca se perdoou por isso. Morreu dois anos depois quando os pulmões fraquejaram de vez. Creio que o amo. Sempre o amei. Não o amasse, não estaria aqui, na “Alfaiataria e Camisaria Paris” como sempre ele desejou. Nunca e por motivo algum abro a alfaiataria aos domingos. Algumas vezes confesso que choro, por meu pai, por essa cicatriz... Mas principalmente, por lembrar que o Cine Glória não existe mais.
Entre tantas outras coisas, impressionou-me, no romance “O Jogo da Amarelinha” (“Rayuela”) , de Júlio Cortázar, o problema de seu persona...
A morte e 'El sentimento de no estar del todo'
“el sentimento de no estar del todo”,
que deu nome para algo estranho que eu também vivia.
Num ensaio posterior a respeito, Cortázar diz se sentir “siempre un poco más a la izquierda o más al fondo del lugar donde se debería estar”.