“Toma um fósforo! Acende teu cigarro!” Já se vão mais de cinco décadas desde que ouvi esses versos pela primeira vez. Quem os citava era um colega do Liceu Paraibano apaixonado por Augusto dos Anjos e que sabia de cor quase todo o “Eu”. Ele sublinhava com tragadas esparsas o recitativo e assumia um tom lúgubre, que realçava o pessimismo do poema. Um dos versos era de descrença profunda no amor – dizia que a “pantera” da ingratidão é a inseparável companheira do homem.
Levante a mão se, numa noite quente, você lentamente abriu os olhos e perguntou, baixinho: Você está aí? Se está, pode me dizer, por favor, por que razão estou aqui, qual o propósito disso tudo ou por que não posso vê-lo? Ou num dia chuvoso, olhando pela janela enquanto escondia o coração sufocado de saudade, ergueu os olhos para o céu encoberto e sussurrou para alguém: Pai, onde você está? Mãe, pode me ouvir? Filho, tudo se acabou ou algo de você vive ainda, em um lugar além das estrelas?
Somos diariamente impactados pelo noticiário que mostra o quanto a violência contra as mulheres tem se acentuado no Brasil. Isso está diretamente relacionado com o que chamamos de “misoginia”: desprezo e ódio contra as pessoas do gênero feminino. São agressões físicas e psicológicas, abusos sexuais, torturas, dentre outras violências que têm vitimado as mulheres em nosso país.
Leiam O LABORATÓRIO DAS INCERTEZAS. Paulo Vieira (UFPB 2013) é dono de um senhor currículo, que vai de pós-doutorado em Paris, junto ao grupo Théâtre du Soleil (1996), ao doutorado na USP com tese sobre Plinio Marcos (A Flor e o Mal, Firmo, 1994); e do mestrado com dissertação sobre Paulo Pontes (A Arte das Coisas Sabidas, UFPB 1998), à publicação de bons romances – como O Ronco da Abelha (Beca) e O Peregrino (FCJA) -, mais um Bolsa Funarte de Estímulo à Dramaturgia (2007), com o texto Anita, etc, etc, além do que é chefe do Departamento de Artes Cênicas da UFPB, universidade para a qual criou o Mestrado Institucional em Teatro e, com seus colegas, a Especialização em Representação Teatral.
Eu gostaria de ter nascido muito antes do momento em que vim ao mundo. Deveria ter vivido a fase adulta durante os anos de 1940 ou 1950, por aí assim, nem muito além nem muito aquém. É dessa época que mais gosto.
Mas longe de mim o propósito de contraditar os desígnios divinos (para os que neles creiam) nem as leis da natureza (para o ateu e o à toa). Aceito meus dias e a eles me adapto, até porque me trouxeram a família que tenho e os amigos que fiz.
O semeador
Estava só de passagem
Mas trabalhou
Pela força do fado de semeador.
A semente lançada
Caiu em terra fértil
Ansiosa por fazer brotar a vida.
Vingou, cresceu.
Ajudada pela chuva, multiplicou-se
E nunca mais esqueceu...
Mais uma vez, o mesmo lugar... encanto renovado, algum detalhe perdido que agora resplandecia... cidade-luz, em companhia de amigos-irmãos, um coração que se atropelava de tão repleto, uma emoção que corria o corpo inteiro, como sangue a irrigar todos os tecidos. O inverno reinava com suas baixas temperaturas, o cinza tingindo o horizonte em tons mais claros ou mais escuros, nem por isso menos deslumbrante. “Um minuto de surto de alegria, de canções para rir e ruídos, e longas noites para dormirmos no inverno” (Jacques Prévert).
Um hotel com nome feminino, no “nosso quartier preferido”. Um banco na sua calçada, para sentar após as aventuras, assistir à passagem de moradores e turistas, “gozar da presença das massas populares é uma arte”. (Charles Baudelaire). Experimentar a negação de que as noites prenunciavam o fim de um dia a mais... a resistência ao sono e ao cansaço... tudo valia a pena, até a exaustão, viver Paris até o final.
Dias equipados de energia, o salão de beleza vizinho, a imobiliária que postava na vitrine as ofertas para alugar e vender. A fantasia das escolhas entre tipos de habitações e a diversão com os requisitos necessários... o restaurante pertinho, com um menu de sobremesas tentadoras... o aconchego do lugar... os garfos voando por cima, em mãos que se cruzavam na mesa, para provar o desejo alheio.
Os passeios planejados ou improvisados, até ao Jardin des Plantes... suas aléias exibiam rosas resistentes, com pétalas queimadas pelo frio. Os jardineiros podavam todas que trabalharam anteriormente. Tempo de descansar a beleza para renovar forças, para novos brotos…
Localizar um carrossel que percorria as praças da cidade... e... obrigatoriamente ceder à tentação de “dar uma volta”, amigos registrando esse mergulho nos tempos de criança... e ninguém enfrentava esse prazer gélido... “ é sobretudo na solidão que se sente a vantagem de viver com alguém que saiba pensar”. (J. J. Rousseau), e como tal, a solidão estimulava o proprietário a permitir um tempo a mais.
Percorrer a pé a cidade sempre foi o consenso, visitar um ou outro museu, lojas de arte, desvendar novos lugares, pesquisando cores e odores... na volta um sorvete “Bertillon” para não quebrar o hábito. Deixar-se ficar na Pont Neuf, acompanhando as embarcações e seus deslumbrados passageiros. Nenhum lugar com tamanho poder. Até de olhos fechados, visualizava cada pedra do pavimento, e ao ver uma mulher pedinte, jovem, de belos traços, lembrei de Piaf, a fleur du pavé, a rainha da música francesa, e evoquei “Sous le Ciel de Paris”...
O ar parisiense exalava a cultura, e esse se transformava em interesse. Apesar da chuva, a disposição despertava o prosseguir. “Ó barulho suave da chuva, pela terra e sobre os tetos! Ó canto da chuva” (P. Verlaine).
Como todo viajante que se preze, levei uma lista de encomendas, e, a mais importante, a da neta... após uma breve estadia em Lisboa, a loja de brinquedos não dispunha do objeto solicitado... em Paris, uma fila interminável aguardava os ansiosos pelo requisito. O segurança, após longa espera, comunicou que o estoque esgotou, e que talvez à noite, recebessem uma reposição. Embora o corpo solicitasse descanso, não poderia frustrar a expectativa de Julinha... e às vinte horas, propus ao grupo uma missão noturna... apenas um amigo se prontificou, sair à noite, com um temporal daqueles?
Muitos dos meus amigos vieram das nuvens,
Com o sol e a chuva como simples bagagem
Fizeram a estação da amizade sincera
A mais bela das quatro estações da terra
(L’amitié – Françoise Hardy)
E lá fomos nós, moleques noturnos, encolhidos, sob um guarda-chuva, a sorrir de tudo que nos acontecia... observando o contraste dos franceses que não alteravam o passo e o porte, sisudos e firmes.
Parecíamos crianças, no total usufruto da liberdade. O vento forte desalinhava o cabelo, pois o capuz do doudone caía nos ombros continuamente. O frio, semelhante a uma echarpe de seda pura no inverno, envolvia o corpo como uma capa longa. Porque não vesti o mantô? os sapatos macios para longas caminhadas, tornavam-se pesados, absorvendo as poças no percurso. Inconscientemente havia um movimento direcionado à transgressão... os saltos das botas de couro não permitiriam correr para atravessar as ruas!
A avenida Champs Elysées estava vazia como nunca, suas luzes desfocadas nas lentes das gotas d’água. “Ah Champs Elysées, com sol, sob a chuva, ao meio dia ou à meia noite, tem tudo que você quer na Champs Elysées”. (Joe Dassin). Enfim, a loja estava aberta, sem fila, entramos sob o olhar crítico do vendedor, que imediatamente nos trouxe a fantasia de princesa. Solicitei duas sacolas com o mesmo tema para evitar danificar o objeto do desejo. Saímos felizes com o problema resolvido, e a animação maior, nos fez parar e comprar uma sopa quente para os que ficaram no hotel. “Eu deixarei o vento banhar minha cabeça nua” (Arthur Rimbaud).
E, como os antigos egípcios, conclui que o banho era sagrado, uma forma de purificar o espírito, mais vivenciar com um amigo verdadeiro, partilhar momentos de tão simples e intensa diversão, contar com alguém que priorizou o desconforto para servir, foi a melhor associação de alegrias em Paris. Merci Miguel.
“O céu está cinza e a chuva convida como que por surpresa... os guarda chuvas abrem em cadência... e as gotas caem em abundância na doce França” (La pluie – Zaz).
Teve banheiro entupido, dor de barriga, cachorro dormindo na cama, mulher reclamando e tempo sendo consumido. Depois eu explico a odisseia dessa madrugada, porque agora faltam apenas 11 minutos para meu “busão” passar no ponto (“linha 145 / Jardim da Penha”).
Há muitos mistérios no amor que nem mesmo os envolvidos sabem solucionar, embora, muitos de fora desse processo queiram julgar as suas consequências.
Os leitores que acompanham o Ambiente de Leitura Carlos Romero hão de se lembrar do Carmen LXXXV de Catulo, aquele famoso poema lírico latino que começa com o paradoxal “amo et odi” (amo e odeio),
Com a direção de Wash Westmoreland, Collete (2018) é um filme sobre a vida da escritora francesa Sidonie Gabrielle Colette. Mais uma vez, a luta incansável das mulheres que escreveram em silêncio ou escondidas nas sombras dos maridos, editores, ou ghost writers, até se fazerem ouvir.
rios, cidades, poetas à moema selma d’andrea
o paraíba, o mamanguape,
o tigre, o eufrates,
o tejo, o sena,
não desviam o curso do poema.
o poema, nenhum rio
ou cidade o fazem.
só os poetas, à margem do lápis:
Bem-aventurados os que são misericordiosos, porque obterão misericórdia. (Mateus, 5:7.)
A Misericórdia é a porta de acesso à pedagogia de Deus. A pedagogia de Deus é o Amor. Deus usa o tempo, e não a violência, para corrigir todos os erros do mundo e das suas criaturas. Navegando nessas premissas, alicerçamos a compreensão do ensinamento do Cristo em torno da felicidade que desfrutam os que são Misericordiosos.
Quando criança, eu costumava convocar Deus para consertar tudo: de falta de ar a brinquedo quebrado. Minha mãe, que acreditava com convicção em Deus e me amava com fé, saía do sério, colocava a fé em crise e me admoestava com firmeza, insistindo para que eu não invocasse o nome de Deus em vão. Lentamente, fui aprendendo a lição; gradualmente, fui guardando Deus para as situações limites. Por isto, causa-me sempre grande espanto a convocação diuturna de Deus para a resolução de tarefas que qualquer ser humano normal pode levar a efeito; principalmente, causa-me indignação e repulsa a convocação de Deus para atos que desmerecem ou até negam os princípios de qualquer religião.
Quando penso no matemático, teórico político e filósofo inglês Thomas Hobbes (1588-1679 — viveu 91 anos!), sempre me ponho a imaginá-lo como um personagem de algum filme policial “noir”, um assassino frio e calculista. Seu pensamento mecanicista ao extremo me assombra até hoje, pela sua forma natural e, porque não dizer, cruel de enxergar a alma humana.
Se hoje alguém me perguntar o que mais sinto saudades, eu digo pesarosa, da minha alegria. Gosto de gargalhar, de sorrir para desconhecidos, de demostrar satisfação e carinho com abraços apertados. Ultimamente, isto é impossível. Claro que a situação não está fácil para ninguém e as perspectivas futuras não se mostram muito otimistas. Percebo, numa quase unanimidade, que as pessoas andam carrancudas, cheias de verdades, raivosas, tanto que retraio minhas demonstrações de euforia.
Até o aparecimento da teoria da relatividade, parecia fora de cogitação que o Universo em que vivemos tivesse mais de três dimensões. É plausível que essa concepção de tridimensionalidade tenha origem no simples fato de que os objetos físicos que encontramos no nosso cotidiano possuem, de acordo com nossa experiência sensorial, comprimento, largura e altura. Além disso, em nosso primeiro contato com a geometria plana ou espacial, na escola, temos a tendência natural de atribuir aos teoremas o status de fatos geométricos, como se eles tivessem uma existência real, transcendendo à natureza puramente abstrata e axiomática da Matemática. Aliás, a esse respeito não nos esqueçamos de que o famoso teorema de Pitágoras, o mais importante da geometria euclidiana, foi “descoberto” empiricamente pelos agricultores egípcios,