Um dia pisei nas areias umedecidas por outro oceano, o Pacífico. Claras e silenciosas águas faziam um bordado no chão. O mar usava um vest...

Um mar

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Um dia pisei nas areias umedecidas por outro oceano, o Pacífico. Claras e silenciosas águas faziam um bordado no chão. O mar usava um vestido de noiva azul, com um véu de rendas se estendendo até mim.

A borda rendada avançava para os meus pés e eu a evitava, com pulinhos engraçados. Temia pisar no véu do mar e estragar a roupa de casamento que se perdia no contorno da terra.

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As gaivotas rosnavam alto naquela tarde em que o sol e o frio se desafiavam. Cachorros castanhos pedalavam, encharcados de água gelada e alegria. Eu ouvia os bichos falando alto, contando piadas. As ondas dançavam lá longe, carregando algas de cauda comprida, netas de antigas feras contratadas para assustar os marinheiros que se arriscavam por águas desconhecidas.

Eu ria do que me falava o pelicano de sotaque leve. Queria me vender corais vindos de Acapulco. Haviam pertencido a sereias que beijaram Elvis. Recusou meu dinheiro feito de papel transparente (só as borboletas monarca o viam).

Lá do alto, o sol piscou duas vezes e pôs óculos de aro de tartaruga marinha. No céu de uma cor desmaiada, moço romântico e fino, nuvens vestiam saias cor-de-rosa em homenagem a Monet, que revive a cada pôr de sol.

Se o céu chorasse, poderia ser o Coleman e sua guitarra, mas era tarde de verão. Por isso, Ella cantava, equilibrando as pontas dos pés na linha do horizonte. Os peixes e os pássaros cantavam junto. Coro improvável, mas bem afinado. Aplaudi e lhes dei moedas de borboleta. Não conseguiram vê-las.

Eu andava saudosa de outras águas, mais mornas, mais salgadas. E de areias finas como conchas moídas. Contei isso a um pássaro vadio, que riu de mim.

Havia palmeiras, mas não falavam português. O corvo preto preto muito preto tentou traduzir, mas se distraiu com um poema compridíssimo. Peguei a mochila e a fiz de balsa. Flutuei para o sul, deslizando sobre o vestido azul cravejado de estrelas do mar, até pôr os pés em terras estranhas, onde aprendi a milenar arte de domar leões marinhos para o circo local.

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Com um movimento de acrobata que jamais fui, saltei sobre o bloco de gelo onde pinguins jogavam gamão. Riram quando me estatelei de cara no pote de sorvete de limão, mas me apontaram o caminho das correntes marinhas que me levariam para casa.

Só parei de nadar quando aportei na Bahia. O farol da Barra disse um alô tímido e foi amor à primeira vista. Casamos no dia seguinte e agora temos seis filhinhos que falam sereiês, bebem cappuccino com rum, cantam blues como poucos e namoram em alemão do século dezoito.

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  1. Parabéns👏👏👏Sonia Zaghetto!!!
    Belíssimo texto👏👏👏
    Paulo Roberto Rocha

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