Para Ana Gondim Era a segunda metade dos anos 60. A música era parte essencial de nossas vidas, quando ouvi falar sobre ela. Mariann...

Marianne Faithfull, em estado de graça

Para Ana Gondim

Era a segunda metade dos anos 60. A música era parte essencial de nossas vidas, quando ouvi falar sobre ela. Marianne Faithfull. Filha de uma baronesa austríaca e de um militar da marinha britânica, enfrentava os últimos focos de resistência do conservadorismo em Londres. Sua tumultuada relação com Jagger incluiu da chegada ao estrelato, da polícia à tentativa de suicídio.

João Pessoa era pura província mas uma pequena parcela de rapazes e moças já davam os primeiros passos para alçar voos mais ousados e graciosos. Eu já morava,
há 10 anos, no que era então o balneário de Tambaú.

Nos finais de ano, recebíamos a robusta ajuda dos jovens que vinham de Campina Grande. À noite, este pessoal descia para viver a vida de tolerância no então baixo Tambaú. Em uma destas noites eu vi nas mãos de uma amiga um disco da filha da baronesa, um “best of” da belíssima Faithfull com sua ainda voz angelical. Naquela noite, depois de muita luta, consegui aquele disco. Voltei pra casa com a voz cristalina de Marianne.

Hoje sua voz mudou, e, como as de Gil e Dylan, tornou-se grave e rouca. Marianne saiu da cena pop londrina para literalmente morar nas ruas do Soho. Os excessos cobraram o seu preço. Por um longo tempo se distanciou da música, do teatro e de outras atividades. Mas voltou, para derrubar os preconceitos vindos dos tons juvenis e brilhantes em que se viu emoldurada nos anos 60 e dos excessos que quase a destruíram.


Parte dos excessos foram atenuados, mas só no final dos anos 70, com o disco “Broken English” retornou ao seu lugar já com mudanças perceptíveis na voz e nas músicas. As mudanças também vieram adornadas de melancolia presentes nas canções que começou a escrever. Seus discos passaram a mostrar em poesia, muitos momentos cruciais de depoimentos pessoais de amargor e langor para ouvidos que teimavam em não aceitar que a nobreza não é algo que se perca.

Ontem ouvi vários discos dela madrugada adentro e olhando para uma reprodução do pintor Edward Hopper que tenho na parede, fiquei procurando uma explicação para o paradoxo de como as melancolias da pintura de Hopper e as da música de Marianne me fizeram dormir às quatro da manhã, e, apesar do Brasil em que vivemos, em estado de graça...


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  1. Interessante como o fluir condicional e circunstancial do tempo e da vida modifica, depura e deslancha novas realidades. Também por isso, Gil,Dylan, Marianne e outros ícones da cultura pop ou folk ou outra continuam lindos. Lindos como uma pintura ou reprodução de Hooper! Valeu, meu nobre Londres!

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