A Paraíba tem essa sorte, a de atrair valores de outras plagas, que aqui chegam, se enraízam e se paraibanizam. Citarei apenas três exempl...

W. J. Solha, paraibaníssimo

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A Paraíba tem essa sorte, a de atrair valores de outras plagas, que aqui chegam, se enraízam e se paraibanizam. Citarei apenas três exemplos mais recentes que me vêm à lembrança, sabendo, entretanto, que muitos outros existem: o maestro José Alberto Kaplan, a escritora Maria Valéria Resende e o multiartista W. J. Solha. Kaplan era argentino, de Rosário, e Maria Valéria e Solha são paulistas, ela, de Santos, e ele, de Sorocaba. Deter-me-ei (eita gramática braba!) neste último, para modestamente juntar-me às homenagens por seus oitenta anos, completados neste ano de 2021.

Aos 21 anos de idade, esse sorocabano descobrindo a vida, recém-aprovado no concurso do Banco do Brasil, entre tantas cidades do interior nordestino, escolheu, para trabalhar, a paraibana Pombal,
Solha, aos 21 anos, com seus pais, Ermelinda e Fortunato, em Sorocaba (1962), pouco antes da mudança para o sertão paraibano.
por causa da canção “Maringá”, que conhecia. Veja só. Segundo ele, suas outras opções soaram-lhe muito estranhas: Icó, Caicó, Cabrobó, e por aí ia. Pombal lhe pareceu menos temerária ou surpreendente, e isto terminou por selar o seu destino, pois já lá se vão quase sessenta anos de Paraíba, terra que adotou definitivamente como sua.

Solha distingue em si duas pessoas: o Waldemar José, cidadão comum, e o W. J., o multiartista, financiado pelo primeiro, assumido mecenas do segundo. Foi a passagem (Pesach) de Waldemar José, de Sorocaba para Pombal, que fez nascer o W. J. que até hoje produz arte de qualidade para a Paraíba, o Brasil e o mundo. E os seus reconhecidos talentos revelam-se em suas várias faces: o escritor, o artista plástico, o ator, o produtor e muita coisa mais. Por isso é que é “multi”, inesgotável.

Na riqueza e variedade da vida e da obra de Solha, dois pontos particularmente me chamam a atenção, sem prejuízo de tantos mais.

Primeiro, sua sempre proclamada fidelidade a Pombal, terra ao mesmo tempo áspera e acolhedora que fez brotar sua “persona” literária e artística. Ele sempre fala bem de sua “comarca” sertaneja e sempre reconhece seu papel em sua vida. Isso, para mim, é notável – e bonito. Pois, costumo dizer, fosse um “sulista” ignorante e esnobe, como tantos, até falaria mal da modesta aldeia, cujos encantos insuspeitados só podem ser descobertos por olhos especiais, como os seus. Aqui, em contraponto, impossível é não pensar em pombalenses legítimos, de nascimento, como o grande Celso Furtado, sempre econômico em seu louvor à terra natal. Veja só.

DIR ▪ Solha e Ione, em 1966, na rua em que moraram em Pombal, à espera do primeiro filho, Dmitri
ESQ ▪ Solha (sentado, primeiro à esquerda) com os colegas da agência do Banco do Brasil, em Pombal, 1967.
O segundo ponto tem a ver com sua origem profissional vinculada ao Banco do Brasil, instituição cujos antigos servidores constituíam uma verdadeira “elite” no serviço público brasileiro, assim como os do Itamaraty e os das Forças Armadas. Estas duas últimas eram então realmente elitistas, quase que exclusivas, dado o caráter fortemente “hereditário” de suas prestigiosas carreiras. Já no Banco, não. O acesso era mais democrático e meritório, pois se fazia através de concurso público, onde os mais modestos, com estudo e dedicação, podiam ter as portas abertas. Comparando com o que atualmente se tornou, um banco igual aos outros, o BB perdeu muito de seu antigo prestígio. É o país andando para trás, pode-se dizer, como em tantas outras áreas.

Não saberia avaliar o percentual atual de Waldemar José e de W. J. na totalidade de Solha. Ao tempo em que ainda trabalhava no banco, é provável que a porção de Waldemar José fosse mais significativa. Depois da aposentadoria, com mais tempo para as atividades culturais, imagino que a porção de W. J. tenha crescido. Só Solha poderá dizer o quanto tem hoje em dia de um e de outro.

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Waldemar José Solha, fotografado por Antônio David Diniz.
A obra de Solha, sabemos, é vária e premiada. Seu nome se impõe aqui e além, de modo indiscutível. Sua pessoa física e intelectual é uma presença notável, que não pode ser ignorada onde quer que esteja. Não sei se a Assembleia Legislativa já lhe concedeu a cidadania paraibana e a Medalha “Epitácio Pessoa”, por seus relevantes serviços prestados à cultura local (e brasileira). Se ainda não o fez, deve fazê-lo o quanto antes, para não pecar por lerdeza e por omissão, como é, infelizmente, de seu costume. Não que ele precise de nada disso para ser o grande paraibano que é. Um paraibaníssimo de primeira grandeza que honra os seus conterrâneos.

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  1. Caramba, seu Francisco Gil Messias ( Lembrei-me agora de que fiz o papel de "seu Francisco" no filme O Som ao Redor, do Kleber Mendonça Filho ), obrigado pelo belo texto! Lembrou bem: Kaplan, argentino, adorava a Paraíba, tanto que não teve paz enquanto não saiu do nicho erudito e criou a grande Cantata pra Alagamar, dando-me a honra de lhe fornecer os versos de cordel e martelo agalopado para isso. E que grande escritora, a Maria Valéria Rezende - lá de Santos, cidade que visitei várias vezes, terra de alguns tios meus. Fiz, algum tempo atrás, um poema intitulado O POVÃO MISTERIOSO, em que saliento que "O povo da Paraíba / tem um mistério grandioso: / como é que de tanta pedra / mana tal leite cremoso?" Esse "tanta pedra" conheci bem, na caatinga, como chefe da carteira agrícola da agência do Banco do Brasil em Pombal, de 1964 a 68. E o "leite cremoso" mostrei por 70 semanas, de janeiro de 2000 a julho de 2001, pintando retratos em acrílica sobre tela - para capa do caderno Fim de Semana, do jornal O Norte -, só de paraibanos notáveis, de Augusto dos Anjos a Luiz Carlos de Vasconcelos, de Zé Lins a Sérgio de Castro Pinto, de Pedro Américo a Flávio Tavares, passando por Marcélia Cartaxo, Marlene Almeida, Marcus Vilar, Zé Américo, Assis Chateaubriand, Zé Siqueira, Vladimir e Walter Carvalho, Elba e Zé Ramalho, etc, etc, etc, e quanta gente mais, se estivesse fazendo isso hoje! Valeu, Francisco Gil Messias!

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    1. Solha, o que escrevi é a verdade e ainda é pouco. Obrigado pela leitura e pelo comentário. Parabéns, saúde e vida longa com os seus amados.

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