Conheci o antigo slogan da Rádio Jornal do Commercio, em fins dos anos de 1950, quando aportei no Recife para os estudos primários. Logo p...

Pernambuco falando para o mundo

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Conheci o antigo slogan da Rádio Jornal do Commercio, em fins dos anos de 1950, quando aportei no Recife para os estudos primários. Logo percebi como aquilo enchia de orgulho o peito de muita gente. Não menos, o de vários colegas de escola. “Rádio Jornal do Commercio. Pernambuco falando para o mundo”, dizia, a todo momento, um locutor de voz grave, clara e pausada.

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Gravura do edifício na Rua Rua do Imperador, bairro de Santo Antônio, centro do Recife, originalmente construído para abrigar a Rádio Jornal do Commércio ▪ Fonte: Miguel Santos
Entendi, passado o tempo, que a frase, mais do que presunçosa, decorria dos esforços de F. Pessoa de Queiroz, o empreendedor disposto a revolucionar a radiofonia brasileira. Finda a Segunda Grande Guerra, o homem trouxera de Londres um equipamento para emissão de sinais em ondas Hertz, mais potentes e de muito maior penetração do que as até então por aqui irradiadas. Li, há pouco tempo, que a emissora instalada em 1948 no prédio luxuoso de oito andares era a única nas Américas do Sul e Central a possuir oito torres de transmissão.

O menino que eu fui juntava-se aos da vizinhança para assistir ou comentar os capítulos de “Jerônimo, o Herói do Sertão”, a radionovela escrita, originalmente, por Moysés Weltman para a Rádio Nacional do Rio de Janeiro e que, dado o sucesso de público, seria depois transformada em gibis e levada para a televisão que naquele momento também surgia nas casas mais abastadas das pequenas cidades. Na versão recifense, Jerônimo era interpretado por Geraldo Liberal. Não me lembro,
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porém, do nome da moça que emprestava a voz para Aninha, a namorada do herói.

Tanto no Recife quanto no interior (durante as férias escolares), a meninada quase toda mantinha, diariamente, um encontro com Jerônimo, seus amigos e seus inimigos. As histórias com influência forte do faroeste americano eram levadas ao ar a cada fim de tarde.

“Quem passar pelo Sertão/vai ouvir alguém falar/do herói desta canção/que eu vivo pra cantar”, diziam os versos da toada espalhada aos quatro ventos pelo alto-falante do tipo “trombeta”, aquele de boca larga então fixado no teto do Mercado Público onde Seu Zé Ribeiro improvisava o cineminha de Pilar, antes da construção do prédio próprio.

Dávamos asas à imaginação. Para mim, Jerônimo era um sujeito moreno, alto e musculoso. O amigo Wolney, que também estudava no Recife e passava as férias em Pilar, o supunha louro. Concordávamos, porém, que Aninha era branquinha e tinha os olhos azuis. O Moleque Saci, companheiro de Jerônimo, evidentemente, teria a cor do carvão.

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Eva Christian (Aninha), Canarinho (Moleque Saci) e Francisco di Franco, na versão para a TV da radionovela "Jerônimo, o Herói do Sertão" ▪ Rede Tupi de Televisão (1972) ▪ Fonte: Revista Amiga
Os passos mancos do Caveira a ressoarem nos corredores da casa de uma Aninha adormecida, sempre que isso ocorria, davam-nos arrepios. Diziam-me que eram feitos com o bater de quengas de coco num tampo de mesa. E que as mesmas quengas faziam o barulho dos cascos de cavalos, fossem trotes, ou galopes. Gostei da palavra “sonoplasta”, quando alguém assim definiu o profissional do ramo. E os tiros? Bem, esses eram tiros mesmo, com balas de festim, assim assegurávamos com todas as certezas do mundo.

Certa vez, uma prima da minha mãe, de nome Terezinha, levou-me para um fim de semana em sua companhia, num sobrado da Rua da Aurora. Tinha uma escola de acordeon e era radiatriz, do “cast” da Tamandaré. Fui, animadíssimo, na esperança
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Rádio Tamandaré ▪ Recife
de que ela me apresentasse a Jerônimo e já me deliciava com a inveja que de mim sentiriam Wolney e outros amigos, mesmo os do Recife, metidos a besta. Estes zombavam de Pilar. Vinguei-me, certa vez, com a informação de que minha cidade, apesar de pequena, era tão importante que dava nome a uma fábrica de biscoitos. E houve quem nisso acreditasse.

Da sacada da Rua da Aurora, arregalei os olhos para os letreiros luminosos que, do alto dos prédios, tão logo o Sol se recolhia, reproduziam-se com imagens invertidas nas águas do Capibaribe. As letras de neon acendiam uma a uma, incrivelmente coloridas, até completarem a mensagem. E apagavam todas juntas, noite a dentro, sem descanso nem cansaço.

Ainda bem que Terezinha – orgulho dos parentes de Camutanga, Juripiranga e Pilar – não me mostrou Geraldo Liberal. Imaginem, se assim o fizesse, o tamanho do desencanto... Careca e um pouco balofo, como posteriormente pude ver, de Jerônimo mesmo ele só teria a voz.

O sinal da Rádio Jornal do Commercio, forte e claro, também punha meio mundo em contato com as agonias e os prantos de “O Direito de Nascer”. Vi, muitas vezes, minha mãe e minha avó entre lágrimas, ambas compadecidas das dores de Maria Helena, uma mãe solteira deliberadamente recolhida ao convento para fugir do falatório. Sem a mínima sombra de dúvida, eram tempos mais inocentes aqueles nos quais Pernambuco falava para o mundo.

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  1. Pernambuco speaking to the World. This is the radiostation of the Jornal do Comércio, in Recife - Pernambuco, Brasil.

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  2. Corrigindo uma falha. This is the radiostatio of the Radio Jornal do Comércio, in Recife - Pernabuco, Brasil.

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