Durante cinco anos vivi em contato total com a natureza. Minhas roupas se restringiam a cangas, biquínis, shorts. As árvores do meu jardim eram pés de manga, jambo, cajus, acerola. As redes ficavam espalhadas pelas varandas num eterno convite ao balanço nas tardes mornas. O privilégio de morar em um lugar onde a natureza domina, é enorme.
Diariamente fazia uma longa caminhada pela praia. A beleza do lugar era uma total perfeição. O mar, encantador, às vezes verde-esmeralda, às vezes um verde profundo, a areia branca, fina e os coqueiros que a circundavam.
C. Porcaro
Era um trabalho apaixonante, pois tinha que ler, resumir, e localizar cada obra em seu momento histórico. Foram dezenas de livros da literatura brasileira que li, o que ampliou e enriqueceu meu conhecimento de várias obras e seus autores. Paralelo a isto, abri um ateliê onde produzia arte, trabalhos em mosaicos, pinturas. Realizava um desejo antigo de encarar minha arte com seriedade, com profissionalismo. Foi ótimo, gratificante em realizações, sentia o enorme prazer que a criação me trazia. Familiarizei-me com o mar, com os pescadores e com a paisagem. Meu contato era, em grande parte, com os nativos do lugar. Com eles, aprendi o valor da simplicidade, da leveza em encarar cada dia a seu tempo.
Pescavam pela manhã, vendiam os peixes, abasteciam suas casas e a noite, riam junto de amigos tomando alguma cerveja. No outro dia, era a mesma coisa. Nada de stress, nada de acumular, nenhum medo do que seria o futuro. A felicidade deles estava naquele cotidiano moroso, nos peixes pescados, no contato com a maravilhosa natureza que os cercava.
C. Porcaro
Uma dessas ocasiões foi no casamento do meu filho. Era estranho ter outro homem ao meu lado quando o lugar era realmente do pai. Foi um casamento lindo e eu senti estar terminando uma etapa de vida em relação ao meu filho. A partir de então, ele assumiria a própria família, seguiria um caminho compromissado com esta família. Comecei a ficar cansada do lugar maravilhoso que vivia. Durante o inverno, que não era frio, mas chuvoso,
C. Porcaro
Em um desses invernos, me dei conta que precisava voltar ao cotidiano de uma cidade. Até o paraíso nos cansa. Sentia vontade de ouvir o barulho dos carros, ver gente apressada circulando pelas ruas, e me vestir com roupas mais formais. Assim, me mudei para outra capital nordestina que também era cercada do mesmo mar, delicioso e lindo. Disto não abriria mão, teria que continuar junto ao mar.
No entanto, o que mais motivou minha mudança, foi o nascimento do meu neto. Um sentimento profundo de amor, instantaneamente se instalou em mim. Vi naquele menininho, a continuidade da vida, um sentido de transcendência que me fez enxergar um futuro cheio de mistério que desvendaria ao acompanhar o crescimento desta criança. Estar perto dele era essencial e não deixaria que nada mais sobrepujasse a isto. Iniciei outra fase da vida.
Uma nova casa, também grande e cheia de plantas onde eu afofava a terra com os pés e as mãos e plantava flores vendo-as florir. Também nesta casa, juntava familiares e amigos e celebrávamos a vida. Tinha por companhia, o Zeca, um cão preto enorme, de olhos cor de mel que abanava o rabo e recebia a todos com alegria, sem distinção, amigos e os ladrões que algumas vezes pulavam o muro. Aqui também, consegui espalhar felicidade e ter companheiros para risadas.
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