Janeiro de 1997. Ocupava eu uma das salas alugadas na Avenida Dom Pedro II, em João Pessoa, pelo “Jornal do Commercio”, do Recife, quando a secretária avisou: “Está aqui o prefeito de Monteiro à sua procura”. Levantei-me para receber o velho amigo Carlos Batinga e, antes de qualquer cumprimento, ouvi dele: “Eu não falei que te levaria à nascente do Rio Paraíba? Pois estou aqui para combinarmos a viagem”.
“No dia em que eu for prefeito da minha cidade te levo para conhecer aquela nascente”, prometia o jovem Batinga, naqueles idos, a este seu então companheiro de Liceu, um ex-ribeirinho invejoso do colega a quem a sorte dispusera o começo da segunda maior bacia hidrográfica da Paraíba. Prometeu e cumpriu, de modo bem espantoso, dado o transcurso de três décadas desde a promessa até a viagem. Acompanhou-nos o amigo em comum Alarico Correia Neto.
Para quem viu este rio em algumas de suas grandes cheias, a nascente, no sopé da Serra do Jabitacá, divisa de Monteiro com a pernambucana Sertânia, é algo que emociona, embora nenhum filete d’água jorre dali em momentos de seca. O Paraíba é um rio dependente das chuvas. Assim, naquele janeiro, não passava de um banco de areia aquilo que nos apontava um dono de sítio, com a informação: “É aqui”.
Serra do Jabitacá, Monteiro, Paraíba
Enquanto o povo da rua trocava o pijama pela roupa comum em busca do espetáculo, os ribeirinhos desamarravam os animais e tratavam de colher o que pudessem da horta plantada no leito arenoso antes que se completasse a inundação. Uns envolviam-se nesses cuidados e outros tocavam os búzios para o aviso dos residentes em pontos mais abaixo por onde as águas logo passariam.
ZDG
Em 1985, morando em João Pessoa, já casado e dirigindo a Redação de “O Norte”, na época o maior e mais influente jornal da Paraíba, fui acordado pelo tilintar do telefone, às 5 da manhã. Do outro lado da linha estava um amigo pilarense, o Luís dos Correios, com o pedido: “O Paraíba fugiu do leito e já invade a minha calçada. A cidade está ilhada e estamos todos com medo. Veja se com o prestígio do seu jornal você consegue alertar o governador".
Liguei para a Granja Santana e fui atendido por dona Lúcia, a Primeira Dama. Contou-me ela que Wilson Braga, o marido, naquele exato momento, sobrevoava Cruz do Espírito Santo, onde a situação era muito mais grave. Ali, o Paraíba já havia levado metade da cidade.
Tudo isso me vem à mente em razão da travessia do velho Paraíba feita, há pouco, pela ponte de Pilar com destino a Juripiranga, onde tive meus avós e hoje tenho alguns primos. Ponte mais nova porquanto a primeira fora arrancada das fundações pela enchente de 1985, aquela que fez Luiz me acordar às 5 horas.
Tal roteiro também me costuma trazer a lembrança de “Doidinho”, personagem-título do segundo livro de José Lins do Rego e apelido por ele recebido
Rio Paraíba, em sua passagem por Pilar-PB, a cidade do Menino de engenho.
Distante de casa e saudoso da vida leve e solta na bagaceira, o pirralho exagerava na largura do rio em sua passagem pelo engenho do avô. Mais do que isso, gabava-se de poder atravessá-lo, a nado, nas melhores de suas cheias.
Não deu outra: foi desafiado pelos colegas a tentar isso no sábado de banho, um dos poucos momentos de lazer permitido aos alunos pelo velho Maciel. O amigo Coruja o salvou do vexame ao levar ao dono do internato, no dia anterior, a história desse desafio.
Manhã cedo, Doidinho, com as mãos inchadas, mas aliviadíssimo, via a turma seguir sem ele para o tal banho. A prisão momentânea o livrava da zombaria dos colegas, pois o diabo é quem enfrentaria aquelas águas. Não ele, com suas bravatas e suas mentiras. Ele, mesmo, não. Ali, em comparação com o trecho do Engenho Corredor, o Paraíba fazia-se quase duas vezes mais largo. Coruja, sem querer, o afastou da desonra.