A questão da invasão e conquista da Lusitânia é, naturalmente, a primeira que nos surge quando se pretende fazer a história do território hoje português, integrado num universo mais difuso consignado por toda a contemporânea Península Ibérica.
No início do século oitavo VIII, um exército vindo da “Ifriqiya” sob o comando do general Tariq Ibn Zayad An-Nafasi, lugar-tenente do governador berbere Mussa Bin Nusayr, desembarcou no penhasco de Gibraltar (que assume esta
T. Hosemann, S.XIX
A história do “al-andalus” e as descrições de que se dispõe da época da presença árabe em Portugal e Espanha, são verdadeiramente fantásticas. O mérito dessa civilização foi o de, nesse legado de praticamente oito intensos séculos, ter efetuado uma síntese original e esplendorosa das muitas culturas que absorveu. Percorrendo a Península Ibérica, deparamo-nos aqui e ali com a preciosa herança árabe, marca indefectível de setecentos anos de história comum. Da arquitectura à toponímia, da gastronomia às danças e lendas populares, o universo mourisco perdura e faz parte da nossa identidade.
Em “Da Ibéria e do Iberismo”, Fernando Pessoa legou para a posteridade uma das nossas mais antigas idiossincrasias: “Nós Ibéricos, somos o cruzamento de duas civilizações, a romana e a árabe. Somos, por isso, mais complexos e fecundos. Vinguemos a derrota que os do Norte infligiram aos árabes nossos maiores. Expiemos o crime que cometemos, ao expulsar da Península os árabes que a civilizaram”.
Presença árabe na Península Ibérica nos séculos VIII (ESQ) e X (DIR) ▪ Fonte: Wikimedia
Séculos depois de ter deixado de governar o seu último reduto, o “velho” companheiro árabe continua a viver indelével e omnipresente na Península Ibérica.E essa presença, no fausto e saudoso “al-andalus” dos nossos tetravós, não se perscruta meramente na hereditariedade das recordações toponímicas, no traçado labiríntico de muitas das nossas povoações, na vertigem branca da cal das casas alentejanas e nas açoteias algarvias, no património indestrutível da alquimia da palavra e dos vocábulos que ficaram no nosso léxico, no murmúrio das lendas dos mouros e mouras encantados, guiados pelo crescente e que nas noites de S. João aparecem nas fontes, nas fragas e nos bosques à imaginação do povo, nos numerosos conhecimentos da geometria, da música, da astronomia, do artesanato, das artes, da medicina e em toda uma plêiade de cientistas, filósofos, poetas e místicos, a iluminar a Idade Média e a antecipar a Renascença.
Castelo de Silves, na região do Algarve, em Portugal, que teve sua construção iniciada no Século VIII, nos primeiros anos do domínio árabe na Península Ibérica ▪ Fonte: Wikimedia
Sobrevivência desse espírito adquire sentido trágico e profético nas palavras que um mestre arquitecto ou canteiro cativo árabe deixou, um dia, gravadas nas pedras roídas junto da axila do transepto da cristã Sé Velha de Coimbra:
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“Escrevi isto como recordação permanente do meu sofrimento. A minha mão perecerá um dia mas a grandeza ficará”.