Como ocorre em toda cidade, as ruas de Coimbra têm um nome. Alguns nomes são pitorescos, outros são históricos, outros destinam-se a ho...

As ruas de Coimbra

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Como ocorre em toda cidade, as ruas de Coimbra têm um nome. Alguns nomes são pitorescos, outros são históricos, outros destinam-se a homenagear escritores e personalidades; outros, ainda, se referem, especificamente, à localidade que denominam ou a profissões que ali se exerciam. Nada de novo, portanto. A novidade está no fato de que vemos isto com mais frequência e abundância do que no nosso país, sobretudo na parte mais antiga de Coimbra.

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Imagens ▪Milton Marques Júnior
Uma cidade quase milenar, fundada formalmente em 1111, por D. Henrique de Borgonha e D. Tareja, pais do futuro primeiro rei, o fundador de Portugal D. Afonso Henriques, Coimbra tem muita história em que se agarrar, para tecer um núcleo de conhecimento, na denominação das ruas, becos, travessas, largos, praças, jardins... Até o aclive, ao longo dos arcos, que dá acesso à centenária Universidade de Coimbra, se chama Calçada Martins de Freitas, um antigo alcaide do século XVIII. Este núcleo de conhecimento, em que o habitante, o caminhante, o turista ou o passante eventual se encerram, serve também para lhe dar um contexto, do qual qualquer um deles começa a se sentir parte.

Muitas das ruas são vielas estreitas, com o calçamento de pedra original conservado, em ladeiras, como a Rua da Couraça de Lisboa, ou escadarias íngremes, como as da Rua do Quebra-Costas ou das Escadarias do Quinchorro, todas dando acesso à cidade baixa, onde Coimbra nasceu, à beira do rio Mondego. As vielas, de tão estreitas, permitiam e ainda permitem, quando for o caso, que vizinhos de frente possam conversar de suas sacadas ou varandas, tal a proximidade. Enamorados, em alguns pontos, poderiam, nos tempos d’antanho, até se darem as mãos...

Os nomes das ruas, localidades, calçadas, becos, travessas, largos, chamam a atenção. Veja-se, por exemplo, a poesia presente numa simples parada de ônibus, na Alameda Júlio Henriques, ao longo do Jardim Botânico, nomeada de Arcos do Jardim... Alguém já pensou que pudesse existir um local com o nome de Palácios dos Confusos? O nome é irônico, vez que inexistem palácios na área, e foi atribuído à localidade por causa do intricado traçado das ruas, descendo em travessas estreitas, cujas casas foram chamadas de “palácios”. Apesar de que, confusos, em palácios, é bicho que não falta no mundo e no Brasil...

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Os amantes da natureza podem escolher entre as ruas dos Gatos, das Rãs e a do Corvo. A combinação perfeita parece se fazer com a Rua das Padeiras, a Rua das Azeiteiras e o Beco do Bacalhau, passando, naturalmente, pelo Beco do Forno. Em havendo necessidade de um recipiente para o bacalhau é só ir à Rua dos Oleiros. Depois, uma sobremesa frugal, subindo até o Beco da Amoreira.

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Ao longo do rio Mondego, no Parque Dr. Manuel Braga, em rota para a Quinta das Lágrimas e para a Fonte dos Amores, episódio enfocando o fatídico amor de Inês de Castro e do príncipe D. Pedro, assunto de futuro texto, nos deparamos com uma quadra bem significativa do poeta António Nobre, de certa forma referindo-se aos já citados amores funestos:

Vou encher a bilha e trago-a Vazia como a levei! Mondego, que é da tua água, Qu'é dos prantos que chorei!
No referido parque, António Nobre está na companhia de Antero de Quental, mas podemos encontrá-lo, também, em outro sítio importante, o Penedo da Saudade, na parte alta da cidade, nas proximidades do Jardim Botânico, na companhia do grande Eça de Queirós. Trata-se de uma localidade que permite uma bela vista de Coimbra, com um recanto interessante chamado de Retiro dos Poetas, com poemas variados, gravados nas pedras.

Um pouco mais para baixo do Penedo da Saudade, descendo a Rua Alexandre Herculano, bordejando a Praça da República, encontra-se o Jardim das Sereias, cuja lateral é limitada pela Rua Almeida Garrett. O jardim é local aprazível, que acolhe o busto de Camilo Pessanha. Coimbra, como vemos, não se cansa de trazer viva a memória dos grandes escritores, que enobreceram Portugal. Vê-se, inclusive, na cidade baixa, próximo à Sé Velha, uma curiosa placa comemorativa, em homenagem ao brasileiro Lucas Junot, licenciando em Matemáticas, no ano de 1927, e que, segundo os amigos, “enobreceu o fado de Coimbra”.

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Subindo e descendo ladeiras e escadas, que justifica o Beco das Cruzes, percorrendo o núcleo antigo da cidade, que não é muito grande, vamo-nos orientando e apreciando os seus encantos, buscando conhecê-la mais a fundo, extraindo de suas placas e de suas informações a história, a cultura, os costumes. Permitimo-nos, inclusive, uma brincadeira com os diversos nomes dos locais vistos, com o texto do parágrafo seguinte.

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Na nossa segunda semana, aqui em Coimbra, ficamos hospedados em um hotel na Avenida Fernão de Magalhães, o descobridor, em 1520, da passagem, no Sul das Américas, entre os oceanos Atlântico e Pacífico, que ficou conhecida com o nome de Estreito de Magalhães. Como o passante não poderia se deleitar com os nomes das localidades, se na citada avenida, o Talho Avenida (um açougue) fica próximo da Ótica Xana? Seguindo adiante, entrando no emaranhado das vielas entre a Fernão de Magalhães e a Ponte Santa Clara, ele dá de cara com a Rua da Alegria; se lhe falta dinheiro, não é problema, pois logo perto está a Rua da Moeda. Com a bolsa fornida, ele ganha o caminho do Beco da Boa União, em busca do Beco dos Prazeres e da Rua da Fornalhinha. De marcha batida e passo estugado, ele atinge a Rua da Sota (muitos pronunciam “xota”), depois de percorrer o Largo da Sota, não antes de passar na Travessa da Sota, para atingir o Beco do Forno. Se, contudo, não conseguir o rico dinheirinho necessário às suas relaxações, poderá se esconder na Rua do Poço, para não ter que se explicar na Rua do Sargento Mor. Percurso longo que começa na Rua do Arco da Traição, na parte alta da cidade, antes de penar na íngreme descida pela Couraça de Lisboa, para terminar na cidade baixa.

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  1. Milton, esse seu passeio pelas ruas de Coimbra me levou ao poema de Bandeira - Evocação do Recife. O poeta relembra o nome das ruas da sua infância e teme que hoje se chame Dr. Fulano de Tal. Felizmente isso não aconteceu e lá estão Rua do Sol, da Aurora, da Saudade...

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