Ao final da leitura de um poema que nos falou à inteligência, pelas idéias ou pela concepção; ou que nos comoveu, por sua expressividade ou beleza verbal, é comum dizermos que já havíamos sentido ou percebido o que ali estava dito, apenas nunca nos ocorrera botar aquilo no papel com aquelas palavras (o equívoco está exatamente aí: “aquelas” palavras são apenas tudo!).
Se a nossa lírica, desde o trovadorismo, sempre teve um pé no cotidiano e, em alguns momentos mais, em outros menos, aproximou-se do sentimento do leitor mediano, do Modernismo em diante, a lírica passou a se utilizar, sem exceção, em larga escala, de todas as coisas miúdas do cotidiano, aproximando-se de corpo
Carlos Drummond de Andrade
Manuel Bandeira
João Cabral de Melo Neto
Muitas vezes, todas as palavras do texto são coloquiais, transparentes para qualquer leitor, dispensam o uso do dicionário, mas o ordenamento que o poeta dá àquelas palavras comuns potencializa e aprofunda o sentido das mesmas, transformando as palavras comunitárias em palavras “justas”, adequadas, únicas, insubstituíveis naquele contexto.
Por outro lado, depois que a realidade comezinha vira poema e poesia, a coisa muda de figura. O texto poético é sempre tecido com tão enovelados efeitos e sentidos que qualquer tentativa conceitual que busca apreender sua totalidade é sempre limitada. Procurando o poético no poema, tentamos desfazer alguns dos nós da elaborada trama, mas perdemos a trama em si mesma, e a reintegração dos fios de sentido que buscamos alcançar é, quando bem-fadada, apenas um possível textual – uma rede de novos nós, quase sempre mal-alinhavados.
Balls Yarn
Mallarmé disse que um poema não se fazia com idéias, mas com palavras. Claro que um poema se faz com palavras e com idéias, mas é o ordenamento dessas
Mallarmé P. A. Renoir
Todo mundo já viu alguém, após a fruição de uma obra de arte aparentemente simples, dizer: “Dessa daí até eu faço!” Isso nos leva à história do ovo de Colombo.
Conta uma anedota antiga que Cristóvão Colombo, já velho e pobre, costumava beber um copo de vinho ordinário na taberna de um antigo conhecido, todas as tardes. Certa vez, um idiota aproxima-se dele e diz que descobrir a América era coisa sem mérito, que qualquer um descobriria – era só entrar na caravela e deixá-la ir na direção do vento. Colombo concordou, mas fez um desafio ao parvo e insensível interlocutor: pegou um ovo cru com o taberneiro e propôs ao paspalhão que pusesse o ovo de pé. Após inúmeras tentativas vãs, o pateta desistiu, e, aborrecido, disse: “Bote você!” Colombo então, serenamente, quebrou a extremidade do ovo e, facilmente, colocou-o de pé. O pacóvio, então, disse: “Ah! Quebrando o ovo, eu também boto!” Ao que Colombo retrucou: “Mas por que você não teve essa idéia?”.
A poesia seria algo assim: está à vista de qualquer um, mas não se entrega a qualquer olhar; é preciso um olhar especial para poder percebê-la e, principalmente, apreendê-la num conjunto adequado de palavras. Tudo muito simples depois de feito, mas antes...