Estivesse entre nós, Luiz Augusto Crispim teria completado no último dia 23 de agosto deste 2025 oitenta primaveras. Corrijo-me a tempo dizendo melhor que ele está entre nós, nunca deixou de estar, e porque é assim, não podia deixar de ser assim, que comemoramos seu aniversário de nascimento, como se deve, ou, como dizem os franceses, comme il faut.
Uma data redonda, como se costuma dizer. Oitenta anos. O portal da velhice. Mas dá para imaginar o belo e esbelto Crispim como um velhinho? Nem de longe. E isso sabem os que o conheceram de vista ou de perto e testemunharam os seus encantos. Não apenas os físicos, mas também os morais e os intelectuais. Pois foi de fato um homem encantador.
Luiz Augusto Crispim
Luiz Augusto já tinha nome consagrado como escritor quando, com a morte súbita de Virginius da Gama e Melo, foi convidado para substituir o menestrel no jornal O Norte, então o de maior público leitor na cidade. Esse convite foi como uma consagração para ele, pois à época Virginius era o grande cronista da aldeia, provavelmente o mais festejado intelectual tabajara, crítico literário e romancista de renome nacional, sem falar no boêmio contumaz, cuja aura dava-lhe ares românticos e transgressores de poeta antigo aos olhos de jovens e experientes admiradores. Ocupar seu lugar na
Luiz Augusto Crispim
Interessante que Crispim, tal como Virgínius e Juarez da Gama Batista, tinha formação jurídica e não literária, o que não o impediu de brilhar nas letras, fazendo delas seu ofício mais gratificante, ele que exerceu atividades várias, sempre deixando nelas a marca de seus múltiplos talentos. Arrisco supor que ele garantisse o feijão da família com o direito e alimentasse seus sonhos com a literatura, obrigado Orígenes Lessa.
Ao contrário de Virgínius, Crispim não praticou a boemia como um profissional dos bares. Mas, requintado que era, sem ser esnobe, apreciava os vinhos, principalmente na aprazível Gravatá, onde manteve uma espécie de refúgio serrano. Apreciava também os relógios de marca. Segundo soube, cultivou uma pequena e valiosa coleção deles. Tudo isso, e mais o apuro no vestir, conferiam-lhe a elegância que o distinguia sem distanciá-lo dos semelhantes.
Luiz Augusto Crispim
Nos anos finais de sua vida, mantivemos relações não próximas mas muito cordiais, principalmente no âmbito da Academia Paraibana de Filosofia, de que participávamos, ele com o brilhantismo de sempre, sem prejuízo da natural simplicidade, que tanto cativava seus confrades. Vi-o pela última vez na tribuna da Fundação Casa de José Américo. Já estava visivelmente ferido da enfermidade que haveria de levá-lo de forma tão precoce. Mas ainda mantinha a capacidade de encantar os seus ouvintes. Sabíamos que aquele momento era quase uma despedida pública dele e por isso, lembro-me, aplaudimo-lo reverentemente, como é devido aos grandes do mundo.
Deixou uma obra numerosa e respeitada. Qualquer livro seu vale a pena. Mas há um do meu particular agrado: Caminhos de mim – Andanças pelos tempos descalços, sua bela e comovente declaração de amor à cidade natal. Sua leitura me tocou fundo, pois foi escrito como quem se despede. Há esse melancólico clima de despedida atravessando cada página. Considero uma das melhores coisas que já foram escritas por aqui. E o prefácio assinado por seu grande amigo Gonzaga Rodrigues não fica atrás em termos de beleza literária. O prefaciador também escreveu tomado de emoção e soube transmiti-la intacta ao texto. Podemos, portanto, dizer que naquele volume deu-se o derradeiro encontro de dois dos maiores cronistas da aldeia, que anteriormente já tinham se encontrado no Retrato de Memória, de Gonzaga, outro momento alto das letras paraibanas.
Ângela Bezerra de Castro
63 anos. É muito cedo para se partir, principalmente nestes tempos em que os centenários abundam. Mas cada qual tem o seu tempo e este é um dos mistérios da vida. Agora ele chega aos oitenta anos. Talvez estivesse lépido e lúcido, como tantos da mesma idade. Poderia chegar aos cem, como outros tantos. Porém, não tinha que ser assim. Seu destino era envelhecer apenas na memória dos seus conterrâneos, quase transformado, como poucos entre nós, em uma lenda da aldeia. E permanecer na memória dos outros é uma forma de vida. Vida a despeito da morte. Vida além da morte. Outro mistério, sem dúvida.
Celebremos, pois, Luiz Augusto Crispim, octogenário e eterno.