Do galope compassado dos vaqueiros, ao som do aboio na vaquejada, aos galopes sonoros e rasantes de Zé Ramalho. Montado em quatro pat...

Galopes e cavalgadas

Do galope compassado dos vaqueiros, ao som do aboio na vaquejada, aos galopes sonoros e rasantes de Zé Ramalho. Montado em quatro patas, bebo das águas paraibanas na secura dos Cariris e sertões; viajo no olhar do homem montado a receber a bênção do padre, em água benta, na porta da igreja, no cair da noite. Chapéu na mão, olhos marejados, contrição, arreios puxados, animal domado, fé em profusão.

Antônio David Diniz
Homem e cavalo, em momento de fé, são seres animais em pé de igualdade. No rastejo do caminho cortado numa picada pelos matos da caatinga, vaqueiro e cavalo quase se fundem num único ser. Gibão, bandoleiras, sela e arreios reluzentes. Sem asfalto, apenas o sopro do sol, da chuva e da noite.

A cavalgada avança, a fé se fortalece e endurece o homem nas quebradas. No pescoço, um terço: a certeza plena de que Deus o guiará, ao pedir da forma correta. E, ainda hoje, adentro pelos matos de tantos espinhos que perfuram corações e rasgam mentes. O companheirismo afugenta ou, ao menos, esconde o solitário sertanejo.

As marcas na terra poeirenta do povo, em busca da solidez do amanhã, em um futuro que se mostra na incerteza de cada hora, sabem adquirir, na vivência do olhar, o horizonte: traduzir as nuvens e interpretar os sons do mundo, dos bicos dos pássaros ao ranger das madeiras. Cada dia é uma nova lição da escola do mundão nordestino.

Antônio David Diniz
Por perto, sempre há um cão que antecede os passos, traduz os olhos, se alimenta da lealdade. É amigo do homem e da montaria, é guia no dia e companhia noturna, é antecessor das pisadas e das balas, no ladrar da noite, no aviso da emboscada dos homens ou dos amores.

E seguem homem e cavalo pelas lidas caririzeiras e sertanejas. Sem saber, forjam identidades. Catapultam distâncias e aproximam histórias das coroas-de-frade, mandacarus, macambiras e xique-xiques. Apontam o espinho e as armas, na valentia e nas molezas do coração crente em Deus e desconfiado dos homens, na assinatura da honradez da palavra que dispensa papel e caneta em promessas não escritas.

No cair da noite, assopram notas musicais em poemas agalopados na boca e no violão do filho de Brejo do Cruz, notas avoaçantes como pássaros que buscam a segurança dos ninhos. E, ainda, crepitam junto às brasas de fogueiras improvisadas e canções arrebatadoras, entre o sorriso e a lágrima do rosto sofrido. O homem e o vaqueiro foram feitos no
Antônio David Diniz
cavalgar do espaço livre, na busca do garrote indomável, onde o corpo leva chibatadas por entre algarobas e juazeiros em carreiras disparadas. Uma luta sem vencido ou vencedor.

Homem e cavalo em união suprema na cavalgada. Hora de reconectar, agradecer em voz silenciosa, olho lacrimoso e mão no peito, encostando o chapéu no gibão. No couro, as marcas de todos os galopes até o dia do desarreio. E que Deus abençoe todos os momentos e ilumine os caminhos.

Logo é hora de desmontar. O cavalo refuga a água fria da bênção; o homem, ao contrário, suaviza a vida com o pingo gelado que refresca a mente e a alma. Ao longe, uma música, em voz forte, eterniza os tempos distantes. E seguem no destino: o vaqueiro e a montaria.

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