Estivesse entre nós, Luiz Augusto Crispim teria completado no último dia 23 de agosto deste 2025 oitenta primaveras. Corrijo-me a tempo...

Luiz Augusto Crispim, octogenário e eterno

Estivesse entre nós, Luiz Augusto Crispim teria completado no último dia 23 de agosto deste 2025 oitenta primaveras. Corrijo-me a tempo dizendo melhor que ele está entre nós, nunca deixou de estar, e porque é assim, não podia deixar de ser assim, que comemoramos seu aniversário de nascimento, como se deve, ou, como dizem os franceses, comme il faut.

Uma data redonda, como se costuma dizer. Oitenta anos. O portal da velhice. Mas dá para imaginar o belo e esbelto Crispim como um velhinho? Nem de longe. E isso sabem os que o conheceram de vista ou de perto e testemunharam os seus encantos. Não apenas os físicos, mas também os morais e os intelectuais. Pois foi de fato um homem encantador.
Luiz Augusto Crispim
Para homens e mulheres. Estas principalmente, claro. Lembro-me de quando ele foi secretário de Comunicação do governo estadual, lá pelos meados dos anos 1980, creio. Eu estava passando uma curta temporada no Palácio dos Despachos, no Centro Administrativo, em Jaguaribe, como diretor-geral da Secretaria do Governo, cujo titular era o professor Luciano Maia, meu amigo. Através da fachada envidraçada do Palácio, eu frequentemente via Luiz Augusto chegar para despachar com o governador. Causava um verdadeiro frisson nas funcionárias palacianas. Muitas corriam só para vê-lo chegando com seu porte de cavalheiro inglês. Ele estava então em pleno apogeu, no mais amplo sentido da palavra.

Luiz Augusto já tinha nome consagrado como escritor quando, com a morte súbita de Virginius da Gama e Melo, foi convidado para substituir o menestrel no jornal O Norte, então o de maior público leitor na cidade. Esse convite foi como uma consagração para ele, pois à época Virginius era o grande cronista da aldeia, provavelmente o mais festejado intelectual tabajara, crítico literário e romancista de renome nacional, sem falar no boêmio contumaz, cuja aura dava-lhe ares românticos e transgressores de poeta antigo aos olhos de jovens e experientes admiradores. Ocupar seu lugar na
Luiz Augusto Crispim
segunda página do diário era, portanto, a glória, a maior glória a que podia aspirar um cronista aldeão. E Crispim veio, viu e venceu, logo logo assenhorando-se completamente da coluna, sem nenhuma dúvida à altura do mestre sucedido.

Interessante que Crispim, tal como Virgínius e Juarez da Gama Batista, tinha formação jurídica e não literária, o que não o impediu de brilhar nas letras, fazendo delas seu ofício mais gratificante, ele que exerceu atividades várias, sempre deixando nelas a marca de seus múltiplos talentos. Arrisco supor que ele garantisse o feijão da família com o direito e alimentasse seus sonhos com a literatura, obrigado Orígenes Lessa.

Ao contrário de Virgínius, Crispim não praticou a boemia como um profissional dos bares. Mas, requintado que era, sem ser esnobe, apreciava os vinhos, principalmente na aprazível Gravatá, onde manteve uma espécie de refúgio serrano. Apreciava também os relógios de marca. Segundo soube, cultivou uma pequena e valiosa coleção deles. Tudo isso, e mais o apuro no vestir, conferiam-lhe a elegância que o distinguia sem distanciá-lo dos semelhantes.

Luiz Augusto Crispim
Sendo um reconhecido e valorizado quadro intelectual da província, prestou serviços a diversos governos estaduais, mas nunca foi seduzido pela política a ponto de se candidatar a algum cargo eletivo. Sua presença em qualquer equipe governamental elevava automaticamente o nível da administração a que servisse. Era como que um selo de credibilidade, pois seu nome reunia a competência e a decência, qualidades que nem sempre andam de mãos dadas.

Nos anos finais de sua vida, mantivemos relações não próximas mas muito cordiais, principalmente no âmbito da Academia Paraibana de Filosofia, de que participávamos, ele com o brilhantismo de sempre, sem prejuízo da natural simplicidade, que tanto cativava seus confrades. Vi-o pela última vez na tribuna da Fundação Casa de José Américo. Já estava visivelmente ferido da enfermidade que haveria de levá-lo de forma tão precoce. Mas ainda mantinha a capacidade de encantar os seus ouvintes. Sabíamos que aquele momento era quase uma despedida pública dele e por isso, lembro-me, aplaudimo-lo reverentemente, como é devido aos grandes do mundo.

Crispim era um cronista-poeta. Seu texto em prosa revelava o lírico que havia nele. Enquanto Virgínius era mais irônico, não raro galhofeiro, Crispim era sempre poético e altaneiro. Que me lembre, como cronista, não lhe interessavam o buraco no asfalto da rua nem a apagada lâmpada do poste de iluminação pública. Seus temas eram de outro nível, sem que isso o tornasse minimamente arrogante aos olhos do leitor. Pelo contrário.

Deixou uma obra numerosa e respeitada. Qualquer livro seu vale a pena. Mas há um do meu particular agrado: Caminhos de mim – Andanças pelos tempos descalços, sua bela e comovente declaração de amor à cidade natal. Sua leitura me tocou fundo, pois foi escrito como quem se despede. Há esse melancólico clima de despedida atravessando cada página. Considero uma das melhores coisas que já foram escritas por aqui. E o prefácio assinado por seu grande amigo Gonzaga Rodrigues não fica atrás em termos de beleza literária. O prefaciador também escreveu tomado de emoção e soube transmiti-la intacta ao texto. Podemos, portanto, dizer que naquele volume deu-se o derradeiro encontro de dois dos maiores cronistas da aldeia, que anteriormente já tinham se encontrado no Retrato de Memória, de Gonzaga, outro momento alto das letras paraibanas.

Ângela Bezerra de Castro
Ele não se limitou à crônica, mas fica claro que a elegeu como gênero dileto. E isso não o diminui como escritor. Sua grande amiga, a professora Ângela Bezerra de Castro, em criterioso prefácio ao seu livro A Dama da Tarde, colocou muito bem a questão: “Por que um romance seria necessariamente superior a um livro de crônicas?”. Sim, de fato, a única hierarquia literária que faz sentido é a da qualidade do texto.

63 anos. É muito cedo para se partir, principalmente nestes tempos em que os centenários abundam. Mas cada qual tem o seu tempo e este é um dos mistérios da vida. Agora ele chega aos oitenta anos. Talvez estivesse lépido e lúcido, como tantos da mesma idade. Poderia chegar aos cem, como outros tantos. Porém, não tinha que ser assim. Seu destino era envelhecer apenas na memória dos seus conterrâneos, quase transformado, como poucos entre nós, em uma lenda da aldeia. E permanecer na memória dos outros é uma forma de vida. Vida a despeito da morte. Vida além da morte. Outro mistério, sem dúvida.

Celebremos, pois, Luiz Augusto Crispim, octogenário e eterno.

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  1. Obrigado, Frutuoso.

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  2. Meu presente para Luiz Augusto, na celebração de seus 80 , será reunir em livro todos os textos sobre ele . Será uma riqueza para a posteridade, conhecer o grande cronista, romancista , professor, advogado, o ser humano incomum, pela expressão do respeito e da admiração de seus contemporâneos. Ângela

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  3. Parabéns, professora Ângela.

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