— E, então, Seu Severino, o que o senhor acha? Vem chuva logo, ou não vem?
Não era pergunta lançada à toa esta que Pedro fazia na roda de amigos àquele com idade para ser avô de qualquer deles e em cuja varanda estavam. Fazia dias que o trovão pipocava sem nenhuma serventia para os lados do poente. Trovão e relâmpago, pois não existe um sem o outro.
Às vezes, a saudade fornece o tempero faltoso àquilo que nos vai à boca. Pode ser qualquer coisa: um fígado acebolado, uma galinha de cabidela, um bolo, um sorvete. Mas, para que assim ocorra, é necessário que tenhamos a mente e os pés no lugar onde um dia vivemos nossos melhores momentos. É preciso que o vento nos sopre um sotaque, um tom de voz, uma melodia. E que o sol ilumine paisagens que nunca nos saíram da cabeça nem do coração.
Pronto. Agora, somamos três gerações dos Chaves nos trilhos. “Um avô na linha”, comentou um colega de jornal, dileto amigo dos dias de papel e tinta, ao ver foto minha em vagão da CBTU ao lado do filho mais velho e do neto que este me deu.
A “viagem” de início de semana teria ocorrido no sábado anterior, se minha sugestão não houvesse sido penosamente trocada por uma dessas praias vizinhas. Mas, em percurso doméstico, as minhas raivas andam de avião. Duram pouco tempo. E, além do mais,
Havia duas ou três de linho branco com bordados manuais e espaçozinhos vazados a ponto de permitirem a visão do tampo da mesa em seu melhor verniz. Eram as meninas dos olhos de dona Vininha. Mas eu gostava mesmo era daquela com desenho de xadrez, em vermelho e branco. Tinha essa última, sem dúvida, as cores e o clima das festas de dezembro.
Minha banda pernambucana e um desejo incontrolável de brigar com o diabetes me remetem ao bolo de rolo, Patrimônio Imaterial e Cultural de Pernambuco, como está na Lei Estadual nº 13.436/2008. É projeto legislativo com assinatura do deputado Pedro Eurico levado à sanção do governador Eduardo Campos, o moço retirado da vida e da campanha presidencial de 2014 quando seu avião caiu naquele assombroso 13 de agosto. Além de agosto, 13.
Os passos largos e rápidos da humanidade no campo da ciência e da tecnologia conduziram o sujeito tapado que sou a ambientes profissionais habitados por cpu's, processadores, drives e memórias ram, esquisitices com as quais tenho convívio forçado até no santo recesso do lar. Pois é, isso há muito pulou dos centros de pesquisa, redações de jornal, circuitos fabris e repartições públicas para as nossas casas e nossas camas.
Ocorre-me a questão. Será que ainda existe alguma pedra daquele antigo piso com suásticas retirado, em princípios de 1995, do terraço dos fundos do Palácio da Redenção, a sede do Governo da Paraíba? Data de novembro de 2020 a última notícia que tive disso.
Na ocasião, eu produzia matéria para o “Jornal do Commercio”, do Recife. Fui ao Palácio, onde o então Chefe da Casa Civil do Governador, o saudoso Cláudio de Paiva Leite, me falou da remoção dos tais ladrilhos
As viradas dos anos trazem-me sempre à memória aquelas antigas figuras do velhinho e do menino, o primeiro a se despedir do tempo e o segundo a nele ingressar. Mas não são quadros difusos o que me vem à lembrança nessas ocasiões. É, ao invés disso, uma gravura específica que suponho ter visto, pela primeira vez, na Farmácia que Seu Israel instalou na cidadezinha de onde quase vim ao mundo. Quase, porquanto ali chegado aos seis meses de vida.
Uma plantinha cresce aos pés de Nossa Senhora da Conceição. Dela, sim, no seu nicho de 122 anos, a uns 30 metros do solo. É arte de um passarinho em retribuição às sementes que os Céus dispõem na terra seca aos bichos de pena, como ele. Suas asas o conduziram àquela altura para o depósito dessa oferenda com adubo e tudo.
Os pássaros, minha gente, costumam enfeitar nichos e monumentos sem a percepção de que as sementes não digeridas são, às vezes, de arvoredos com troncos capazes de rachar o bloco de cimento onde vinguem e cresçam, espantosamente,
O almoço com uma das cunhadas, num sobrado da Ladeira de São Francisco, permitiu-me a visita ao Varadouro, onde há muito eu não punha os pés. Gosto dessa área na calmaria dos domingos. Uma esticadinha de nada em manhã de brisa leve e lá estava eu no ponto da cidade que mais me atrai e envolve, com o perdão dos que preferem os trechos com edifícios e praias.
A cada alvorecer é assim: um galo canta e outro responde de dois quintais muito afastados um do outro na faixa relativamente estreita do bairro de Manaíra, um dos mais verticalizados de João Pessoa.
Para os que têm sono de passarinho e moram no meio do percurso, um canto parece vir das proximidades da Praça Alcides Carneiro. A resposta chega aos ouvidos como se soprada por ventos misteriosos,
Procurei, em vão, doidamente. Era uma pequena foto amarelada, tamanho 3x4, contratada com um daqueles antigos retratistas da Praça Aristides Lobo, no Centro de João Pessoa. Recém-chegado do interior, eu providenciava, então, a matrícula no Curso Ginasial noturno do Colégio Underwood, instalado na Duque de Caxias, trecho entre o velho prédio de “A União” e o Palace Hotel. Curso noturno, sim, pois a luz do sol me serviria à busca do primeiro emprego, apesar da pouca idade.
Não estranhem. A história aconteceu, assim mesmo, no tempo em que os bichos falavam. Ninguém dava conta de Galileu, a onça. A indiazinha Tuiuiú não continha o choro. Seu Nenem Moreira, enquanto isso, desfilava por perto com ares de satisfação mal disfarçados. Observava tudo a sua volta para depois repassar ao compadre Tonico Macedo cada reação daquele grupo onde também estavam o macaco Alan, o coelho Geraldinho e o amigo Moacir. Este último vivia da profissão de carteiro apesar da condição e dos passos lentos de jabuti. Fora ele o portador da notícia do sumiço de Galileu.
Acho que acontece a todo mundo. Muitas vezes, a gente sai da cama com umas saudades esquisitas. E a coisa se agrava na marcha irrefreável dos anos. Quanto mais velha a cabeça se põe, mais embaralha o miolo. Já acordei com falta de doce americano, raspadinha de morango, porta-chapéu, brilhantina, estampas da Eucalol e camisa volta-ao-mundo.
Eu não circulava pelo centro de João Pessoa há um bom tempo. Mas eis que amigos me recomendaram a busca do Terceirão, o Camelódromo instalado sobre um pedaço do teto daquele túnel escavado no eixo da Miguel Souto por baixo dos cruzamentos com a Visconde de Pelotas, a Duque de Caxias e a General Osório. E lá fui eu.
Eram sempre vistos juntos desde a oitava série quando passaram a sentar lado a lado no banco escolar. Antes disso, não. Afinal, em todos os cantos do mundo, menino e menina apenas se buscam quando começa ele a engrossar a voz e, ela, a afinar a cintura.
Não foi diferente com aqueles dois. Recém-ingressos na adolescência, decidiram que se completavam. Ele era bom em gramática e literatura, enquanto ela se dava de melhor modo com as ciências exatas.
Confesso que não alcançava o sentido dos versos do hino dedicado à Senhora de Fátima: “A treze de maio, na Cova da Iria”... Perguntava aos meus pequenos botões, naqueles idos do catecismo ministrado pela professora Dapaz, braço direito do Padre, quem teria sido a pobre Iria, do que teria morrido e o que a santa fora fazer em sua cova. Simplesmente aparecer no Céu? Melhor faria se cuidasse de devolvê-la à família e aos amigos, entre eles, certamente, os três pastorezinhos.
Que bom ter o amigo Germano Romero se lembrado da extinta Great Western ao percorrer, com os seus, os caminhos de ferro da Europa, em viagem de tão bom proveito.
Que bom ter reclamado a volta dos trens que tanta falta fazem à vida dos brasileiros e a um processo econômico que hoje se move em lombo de caminhão. Isso, com sabidos e dolorosos custos: o impacto dos fretes no salário nosso de cada dia, a superlotação das rodovias e a violência do trânsito que em tempos de paz tem por aqui saldos de guerra. Um desses relatórios da Confederação Nacional dos Transportes contabiliza quase 90 mil mortes por decênio.
Muito pequeno, eu não entendia por que minha mãe chorava enquanto uma Nossa Senhora emoldurada na parede da sala de visita me abria um sorriso claro, indiscutível.
Bastou eu contar: “A santa está sorrindo”. Pronto, Dona Vininha não conteve as lágrimas. Foram tantas que algumas respingavam em mim que ardia em febre, no sofá de palhinha. O colo materno me servia de travesseiro.
Fazia pouco tempo que o sol ali penetrava por brechas no telhado. Minha mãe, bem cedinho, retirou-me da cama, silenciosamente, de modo a não acordar os filhos mais novos.
“Espie no caminho que vem gente”. Era assim mesmo, exatamente assim, que o Pitiguari cantava no meu quintal, lá por volta dos meus dez anos de vida. Não era “gente de fora vem”, como querem os da Bahia e de outros quintais brasileiros.
Outro pássaro mensageiro das nossas mais caras visitas, o Vem-Vem, cantava, justamente, como nos soava seu nome. Não era o “fim-fim”, nem o “vim-vim” de outras paragens.