Pronto. Agora, somamos três gerações dos Chaves nos trilhos. “Um avô na linha”, comentou um colega de jornal, dileto amigo dos dias de papel e tinta, ao ver foto minha em vagão da CBTU ao lado do filho mais velho e do neto que este me deu.
A “viagem” de início de semana teria ocorrido no sábado anterior, se minha sugestão não houvesse sido penosamente trocada por uma dessas praias vizinhas. Mas, em percurso doméstico, as minhas raivas andam de avião. Duram pouco tempo. E, além do mais,
Varadouro ▪ Centro histórico de JP
Meu filho, com quem, ele ainda pequeno, também passeei de trem, me apanhou ao fim do expediente no Tribunal de Contas. Almoçamos juntos e decidimos pegar o segundo comboio da tarde, com tudo brilhante e ensolarado. Propus que deixássemos o carro na garagem e seguíssemos por Uber até a Estação, no Varadouro, coração pulsante de João Pessoa até as primeiras cinco ou seis décadas do século passado.
Pois bem, não conseguimos pedir o carro por não haver “Estação Ferroviária de João Pessoa” como endereço a ser indicado ao motorista. Fazer o quê? Dirigimos rumo ao pátio da Rodoviária, ali estacionamos e seguimos a pé até o trem, dada a pequena distância entre um ponto e outro. Já no vagão, ocorreu-me a busca “CBTU João Pessoa” no aplicativo do sistema Uber e, bingooo!..., ali estava. Fica, então, a dica aos avós apaixonados e, como eu, dispostos a compartilhar com os netos as melhores lembranças dos meninos que fomos.
Estação Ferroviária de João Pessoa
Sistema de trens da capital paraibana ▪ Fonte: CBTU
Se a CBTU não me repassa informações desatualizadas, cerca de 8 mil pessoas embarcam e desembarcam, diariamente, daqueles vagões à base de até 600 passageiros por transcurso. São 24 carros, duas composições e 28 viagens por dia. Não havia a refrigeração prometida no vagão onde entramos e duvido que houvesse isso nos demais. Embarcamos, porém, em trem limpo e com jeito de novo.
Apenas tive os comboios da minha infância quando percebi a velocidade de 40 ou 50 quilômetros por hora, quando fechei os olhos para a escuta do barulho das rodas de ferro nos trilhos e quando revi o balanço individual e descompensado de cada vagão, cada um em sua própria cadência.
Mas, ali, eu tinha para mostrar ao neto o que chamei de minitrem. Perguntou-me sobre o vagão-restaurante e respondi que isso somente existiu quando os trens eram muito mais compridos e faziam viagens de longa distância. Eu já havia a ele contado dos pratos à mesa e do serviço “a la carte” no caminho para os estudos no Recife com saída da pequena Pilar. Cinco horas de viagem com mais de vinte estações no percurso.
Estação Ferroviária Conde D'Eu (Great Western British Road), a estação original de João Pessoa, então denominada de Parahyba do Norte, no início do Séc. XX.W. Giesbrecht
Plataforma de embarque da Estação de João Pessoa, em 1950 G. Stuckert
AcervoFrutuoso Chaves
Puxei conversa. Uma senhora com uma menina ao colo disse-me que quase todos provinham de Santa Rita e de Bayeux. Perguntei da preferência por Cabedelo com João Pessoa a meio percurso e, encabulado, ouvi o óbvio: Tambaú, Manaíra ou Cabo Branco significariam despesa maior com trem e ônibus. Em Cabedelo, porém, podiam caminhar facilmente da estação até o mar. Eu esquecera que a CBTU tem os mais pobres no grosso da clientela. E lastimei a interrupção dos projetos e programas que para seus bancos poderiam atrair, também, a classe média.
Terei que repetir a aventura. Do alto dos seus nove anos, o neto encantadíssimo com o que viu já me pede isso, no que pese a queixa exposta de minuto a minuto no retorno para casa: “Oito cidades (oito paradas, na verdade) com o mesmo calor desgraçado”.