Mostrando postagens com marcador Jorge Elias Neto. Mostrar todas as postagens

      A poesia começa assim Emprenhar-se de miudezas; deixando as mãos rendidas aos gestos costumeiros. E, quando a luz...

poesia capixaba jorge elias
   
 
A poesia começa assim
Emprenhar-se de miudezas; deixando as mãos rendidas aos gestos costumeiros. E, quando a luz se aperceber, desmembrada pelo estalo da palavra, jogar-se nos trilhos para salvar a flor.

      Marco Zero Avançamos desgarrados neste Tempo tardio. A partir daqui, se inicia o reino das ostras e do...

poesia capixaba jorge elias
 
 

 
Marco Zero
Avançamos desgarrados neste Tempo tardio. A partir daqui, se inicia o reino das ostras e dos desencantados. Recolhamos a vela — sudário santo — que há de ser lenço e manto aos que choram e perecem sobre as rochas.

      SONETO EM CRISE O perdido traz a marca na testa, esboço do nome, falso retrato, um corno - caligrafia da besta -, revol...

poesia capixaba jorge elias fotografia vitor nogueira
 
 
 
SONETO EM CRISE
O perdido traz a marca na testa, esboço do nome, falso retrato, um corno - caligrafia da besta -, revolta e um perfil de semblante amargo. A fala que se esforça em verso, ofensa, um desmentir inútil do absurdo que transpassa o ser fútil e enlaça a criatura com seu silvo agudo,

      NOME O nome que me resta não cabe em meu corpo ouvidos poucos se prestam a escutar a minha urgência troco a minha fom...

poesia capixaba jorge elias fotografia vitor nogueira
 
 
 
NOME
O nome que me resta não cabe em meu corpo ouvidos poucos se prestam a escutar a minha urgência troco a minha fome pelo espasmo de minha carne pouca e esse desapego deixou de ser escolha, é o meu rastro pelas calçadas onde escrevo meu nome de hoje

      Decreto (para ser lido tomando-se água de coco à beira mar) Atenção! Está suspensa a transitoriedade das insignifi...

poesia capixaba jorge elias neto
 
 
 
Decreto
(para ser lido tomando-se água de coco à beira mar) Atenção! Está suspensa a transitoriedade das insignificâncias. Não é permitida a inspirabilidade do óbvio. É mandatório o afogamento das circunstâncias. O status quo deverá ser limpo com papel higiênico. Será suprimido do vocabulário o beijo sem língua. No cardápio das quartas-feiras o prato principal será o ócio. Que se nomeiem os filhos conforme o cricrilar dos grilos. Cada bocejo deverá ser celebrado como profecia.

      Gira flor retorna ao berço das imagens, Mundo em moldura de sonhos nascido no infinito dos olhos a cada nascente e p...

poeisa capixaba jorge elias neto
 
 
 
Gira flor retorna ao berço das imagens, Mundo em moldura de sonhos nascido no infinito dos olhos a cada nascente e poente retorna ao berço do imenso e da quase morte. Gira flor que no sumidouro dos dias restou a vida retinta pela claridade que ensinou do silêncio na espuma das nuvens.

MONÓLOGO A DOIS Falo a história dos dias, assim, despercebido, entoando versos que não ecoam mais o assombro da belez...

poesia capizaba jorge elias neto
MONÓLOGO A DOIS
Falo a história dos dias, assim, despercebido, entoando versos que não ecoam mais o assombro da beleza Perto de mim há um anjo que me entende, e chutamos pedras As luzes polvilham a cegueira, e eles já não veem o bordado das asas, as tranças do anjo, a textura desalinhada de seus passos e me condenam a loucura (A praticancia desassistida de sonhos é o testemunho da morte que abomino)

      CAÍRAM AS FOLHAS Caíram as folhas que vi nascer quando parti Não fui testemunha das aguadas e da prenhez da terra que...

poesia capixaba jorge elias neto
 
 
 
CAÍRAM AS FOLHAS
Caíram as folhas que vi nascer quando parti Não fui testemunha das aguadas e da prenhez da terra que alimentaram Apenas a meia-volta da memória se despede, vez ou outra E sigo na constância, e os dias, sim, brotam

      Varal Roupa lavada desconhece a história. Dela tiraram as palavras, os odores, tiraram o enigma das cores. Já neste var...

poesia capixaba jorge elias neto
 
 
 
Varal
Roupa lavada desconhece a história. Dela tiraram as palavras, os odores, tiraram o enigma das cores. Já neste varal mágico, o que se vestiu, o que existiu, o que é e não simplesmente foi, o que está exposto é a materialização de minhas vivências. Penduro cheiros neste varal: O cheiro de talco de minha avó; Meu pai-cheiro. Nele estão também os cabelos longos de meu irmão Que verteram poesia e sofrimento. (Quem sabe também o seu último olhar para a morte?)

      A ESCRITA É UMA LIGA DE SANIDADE Muitos diriam para não fazer esses malabarismos de letras sem sentido Diriam que a set...

poesia capixapa jorge elias folhas secas vento
 
 
 
A ESCRITA É UMA LIGA DE SANIDADE
Muitos diriam para não fazer esses malabarismos de letras sem sentido Diriam que a seta é a cura para a obtusa tortuosidade do nômade Mas buscar o visgo na ressurreição diária faz lampejar os olhos O Eu triturado renasce, não sóbrio, pois a vida não permite

Vejo nos dias atuais uma tendência à falta de proveito de um dos sentidos da poesia. Não creio que se tenha um caminho único a ser t...

poesia capixaba jorge elias universo estrelas
Vejo nos dias atuais uma tendência à falta de proveito de um dos sentidos da poesia.

Não creio que se tenha um caminho único a ser trilhado – pelo contrário – mas tenho observado um favorecimento da busca pura e simples da abstração, do uso “despretensioso” das palavras; como se o poeta se sujeitasse aos novos paradigmas impostos pela atual visão caleidoscópica da arte; pela trilha atribulada e veloz da globalização.

      O ÚLTIMO (Por que o último, se existe o contínuo da expectativa?) Os riscos ocupavam todas as paredes do cômodo ...

poesia capixaba jorge elias neto
 
 
 
O ÚLTIMO
(Por que o último, se existe o contínuo da expectativa?) Os riscos ocupavam todas as paredes do cômodo Custava revirar os olhos e contá-los (na verdade era impossível) Havia espelhos dependurados, nenhum espaço para incluir um sonho e uma possibilidade de saber do infinito E naquele em torno, que incluía a eternidade, se despejava o desejo humano

      MONÓLOGO Pode ser meia a dor que te consome? Viver, apreender palavras, guardá-las no silêncio. O mormaço já est...

 
 
 
MONÓLOGO
Pode ser meia a dor que te consome?
Viver, apreender palavras, guardá-las no silêncio. O mormaço já está distante e os grãos da areia não povoam mais a mesma praia. A mãe, um vazio sem nome, os passos trocados do pai. A memória se movimenta para trás das cortinas e o esquecimento ocupa o palco dos nomes. (A saudade é um engasgo estranho que não cede com água gelada.)
A VOGAL É PAR
A vogal é par, a consoante é impar – azulejos – na casamata do poema.

      Canto primeiro Habita em mim um sem número de desterrados, meus pares eternos, raízes que me circundam. Resmas e re...

poesia capixaba jorge elias neto
 
 
 
Canto primeiro
Habita em mim um sem número de desterrados, meus pares eternos, raízes que me circundam. Resmas e resmas de histórias perdidas, descartadas, um cotidiano de ossos e aboios de heróis impuros. Um ser andor e barro, caligrafia, relicário das almas. Meu duplo é o ontem, a miragem sertaneja, o cedro-do-Líbano, a travessia dos Oceanos e das caatingas.
Canto segundo
Coisas excepcionais aconteceram sob os olhos cansados de um relógio do tempo que não pediu para existir. Mãos o criaram ̶ eu sei. É que o Sol insistia em rodar, rodar e rodar... Era um deus. Sagacidade de uma prosopopeia.
Canto terceiro
Letra miúda, essa, do tempo, caber o risco do vento o uivo, o eco, toda delicadeza dos voos dispersos e restar espaço para tantos sonhos na inocência de uma infância.
Canto quarto
O cerol do tempo lembrando que a morte é a única panaceia.
Canto quinto
Surgem homens, incansavelmente, e a discórdia começa com as iniciais dos nomes.
Canto sexto
Os homens se perderam, eu me perdi, sou um deus da guerra Milano, sou um deus plácido e sua faca o corte e a ferrugem dos séculos.
Canto sétimo
Sabe, pai, é triste não saber definir a noite.
Canto oitavo
A palavra malefício poderia ser desdobrada em oficio de ser mal ou um mal ofício, uma execução imperfeita, um ato humano. Intencionalmente estaria aí a dualidade, o espaço da religião.
Canto nono
O amuleto, um algo que já tentei ver através de um radioscópio, e que só mostrou minha mão que segurava uma ilusão envolta em séculos de tecidos negros que guardavam uma farpa da Santa Cruz.
Canto décimo
Existiu um rosário de contas azuis e brancas, e uma pena do pavão de padre Cícero, e Santa Marta, ou uma outra Santa de vestes de freira, e um oratório azul como um túmulo de um ser puro nascido no Seridó, e um menino vivo a confrontar o espelho, essa imagem maldita que pensa saber todas as respostas.
Canto décimo primeiro
Existe uma hierarquia para as perdas. A minha primeira foi a mãe do Bambi. E minha mãe nem sabia que eu já sabia da morte quando segurei suas pernas na janela do nono andar.
Canto décimo segundo
Guardei meus pés e minhas pausas.
Canto décimo terceiro
Esse olhar de ódio é um teatro do absurdo de um homem além do discurso de querer-se sóbrio diante do naufrágio.
Canto décimo quarto
Nascemos e partimos para o esquecimento.
Canto décimo quinto
A espiral dos cromossomos se quebra. É o pó das urnas mortuárias e a carga nos ombros dos filhos.
Canto décimo sexto
A colcha de retalhos é o nosso destino, memórias, augúrios e peripécias. Isso é a vida. E a responsabilidade dando sentido ao ser torto no redemoinho.
Canto décimo sétimo - Epílogo
Estenda sobre seu caminho de passos suas descobertas, e parte levando o que seja, leva ao menos um desejo de tarde e o sentimento tátil da bruma ao te despertar de um sonho.

Por vezes o pouco contato, o distanciamento, a ausência do olhar, do tato, nos desperta a falsa impressão de que aquela pessoa não exer...

libano arabe pai filho
Por vezes o pouco contato, o distanciamento, a ausência do olhar, do tato, nos desperta a falsa impressão de que aquela pessoa não exerceu influência em nossa vida, não deixou algo impregnado, sequer uma mancha exígua, que possamos chamar de exemplo, que nos remeta à lusitana palavra saudade.

A quanto dista o zelo do cientista ao abuso apaixonado do poeta com a palavra? Aprendi assim, colhendo poesia no coração lúdico das p...

poesia medicina cardiologia
A quanto dista o zelo do cientista ao abuso apaixonado do poeta com a palavra?

Aprendi assim, colhendo poesia no coração lúdico das pessoas; era um tempo em que desconhecia o bombear cardíaco, apesar de sentir aquela aceleração gostosa no peito - condição comum para os apaixonados platônicos de todos os tempos.

      Alguma coisa acontece no meu portão Nascido de um sonho Eu mordiscava os mundos a medida que percebia algo de doce...

poesia capixaba jorge elias
 
 
 
Alguma coisa acontece no meu portão
Nascido de um sonho Eu mordiscava os mundos a medida que percebia algo de doce (a presença) Espiava futuras andanças, tecia despedidas para a imagem muda do pai (Era a menina que partia pela fresta amarela) Chuva, testemunha de minhas urgências, este consolo no sem sentido. (pai, você já pensou em pegar o sol e jogar lá longe?) Alguma coisa acontece no meu portão (Pai, meus olhos estão encharcados de sono) Ficou a casa, entrecortada de silêncios (E se lançarmos o silêncio para longe,

Enterrou seu filho, sua mãe e seu marido, entrou em casa e trancou a vida do lado de fora. Colocou o insulfilm mais escuro do mercado ...

conto literatura capixaba genealogia
Enterrou seu filho, sua mãe e seu marido, entrou em casa e trancou a vida do lado de fora. Colocou o insulfilm mais escuro do mercado em suas janelas e fechou-as. O barulho das ondas, anunciando o incansável ciclo das marés, não penetrava aquele esquife, elas não podiam rivalizar com sua sede de passado. Na árvore genealógica de metal colocou as fotos de seus homens.

      PERTENCIMENTO Eu, que atentei contra as lendas, devo participar calado da ceia dos ausentes. (O brilho do dia nad...

poesia capixaba jorge elias neto
 
 
 
PERTENCIMENTO
Eu, que atentei contra as lendas, devo participar calado da ceia dos ausentes. (O brilho do dia nada sabe sobre o vazio que se desprende nas asas sem destino, dos trocadilhos dos fartos, da soberba que ofusca no horizonte o templo dos desesperados, do pânico dos ascensoristas buscando um andar que caiba o homem)

Para que compartilhar a loucura? Tem-se que guardar em segredo a penúria dos instintos que nos avassalam a alma. A loucura transborda, ...

solidao retorno
Para que compartilhar a loucura? Tem-se que guardar em segredo a penúria dos instintos que nos avassalam a alma. A loucura transborda, atordoa, é inventiva demais.

Diriam que ela é suportável nas crianças e em alguns endemoniados perdidos nos acostamentos das autoestradas – sempre carregando nas costas suas sacolas cheias de coisas-nenhumas. Elas não aprenderam ainda a ser gente;