Decreto (para ser lido tomando-se água de coco à beira mar) Atenção! Está suspensa a transitoriedade das insignifi...

No falso silêncio da crisálida

poesia capixaba jorge elias neto
 
 
 
Decreto
(para ser lido tomando-se água de coco à beira mar) Atenção! Está suspensa a transitoriedade das insignificâncias. Não é permitida a inspirabilidade do óbvio. É mandatório o afogamento das circunstâncias. O status quo deverá ser limpo com papel higiênico. Será suprimido do vocabulário o beijo sem língua. No cardápio das quartas-feiras o prato principal será o ócio. Que se nomeiem os filhos conforme o cricrilar dos grilos. Cada bocejo deverá ser celebrado como profecia. Ao homem, que não se lhe faltem ovos fritos com torresmo, chicletes e água fresca. Que todos os reflexos sejam queimados nas piras da reflexão. Para cada ser humano, um momento lento de aurora.


Pastora
Para Lorena Filha, não te embriagues com teu nome. Passa tardes tosquiando nuvens; sê cortesã do Sol. Destila histórias. Besunta cada mão com momentos e molda tua vida com simplicidade.


Polos
Para Gabriel Meu pai vestia uma pele de sonhos amarrotados. Tardava horas campeando pequenos nadas. Grande colecionador de figurinhas, trazia colada nos olhos sua fortuna de desejos.


Os cachos dourados da borboleta
Para Isadora A lagarta tem o olhar impregnado de terra, não importa em que sentido a olhem. Para a lagarta, uma porta é uma porta, uma folha é uma folha, uma formiga é uma formiga. Ela se basta; e passa a vida empanturrando-se com suas certezas. Ensimesmada, não vê sentido no falso silêncio da crisálida. – A porta está amarela! Uma porta, fenestras, claridade... Não é isso que vê aquela borboletinha de cachos dourados... Ela surpreendeu o dia com sua visão multifacetada. Sabe olhar com a imaginação; Vislumbra o voo sob o Sol da manhã. E, quando chega a noite, ela recosta-se em minhas cerdas e sussurra manhosa: – Pai, meus olhos estão encharcados de sono...


Balada da carne
Já que o dia é par, falemos de amor. Já que à frente sempre restará o horizonte, não me enterrarei além dos olhos. Já que é no vazio insalubre da cura que se percebe a alma evanescendo, tragam-me uma taça. Já que eu disse sim, limitem os convidados presentes à minha embriaguez. Já que a palavra é uma puta, rasguem o poema. Já que a rima é farta; e o poeta, um estorvo, que se recompense o primeiro idiota a me cortar a carne.

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