O vírus veio e trouxe para ela o fantasma da violência. O vírus é um depurador: quem era bom, melhor ficou; quem era ruim, em péssimo se tr...
Silêncio e dor
O vírus veio e trouxe para ela o fantasma da violência. O vírus é um depurador: quem era bom, melhor ficou; quem era ruim, em péssimo se transformou.
Ausente das ruas desde o início de março, quando se deu a posse do professor Milton Marques na Academia, e como tudo hoje corre mais que d...
Escritas, as coisas não acabam
Ausente das ruas desde o início de março, quando se deu a posse do professor Milton Marques na Academia, e como tudo hoje corre mais que depressa, não faço ideia, neste dia da cidade, como anda o projeto da Prefeitura para o rio Sanhauá. Torcia por ele sem conhecer os detalhes. Mas como sempre desejei refazer o caminho que foi a rota, sem alternativa, da navegação da história, do comércio, do rei e dos primeiros presidentes republicanos que para aqui se botavam, acompanhei ansioso o andamento dessa reincorporação do Sanhauá à paisagem útil e viva da cidade.
Cidade mais velha quatro centos e um tanto agora de máscara sem viço, sem rosto vivida e sem vida agosto em desgosto
Cidade mais velha



Cidade mais velha
quatro centos
e um tanto
agora de máscara
sem viço, sem rosto
vivida e sem vida
agosto em desgosto
Ela estava sentada e colocaram várias toalhas sobre suas costas para que os filhos pudessem se despedir, com um abraço. Seria o último, mas...
Para minha avó Rosa
Ela estava sentada e colocaram várias toalhas sobre suas costas para que os filhos pudessem se despedir, com um abraço. Seria o último, mas eles não sabiam disso. Eram pequenos demais para entender que não existia nem cura nem vacina para a tuberculose. Era início dos anos 1940. A doença era romantizada porque os artistas foram grandes vítimas. Ficavam sem comer para comprar tintas e telas, e adoeciam.
Entro no Banco Nacional, antigo Cinema Rex, e fico aguardando o atendimento. Pouco mais, a funcionária chega sorrindo. — Uma ordem de pag...
Devaneio no banco
Entro no Banco Nacional, antigo Cinema Rex, e fico aguardando o atendimento. Pouco mais, a funcionária chega sorrindo.
— Uma ordem de pagamento — digo.
A tarde está fria, propícia ao devaneio. Acontece que o banco não está para fantasias e sim para cálculos. Portanto, nada de andar com alma de poeta ou de cronista sentimental.
No final da rua, outra concussão daquela. Mais forte, agora. O mais estranho nela foi a impressão de algo que irrompera deixando atrás de s...
Sarriá, funeral e confinamento (Parte III)
No final da rua, outra concussão daquela. Mais forte, agora. O mais estranho nela foi a impressão de algo que irrompera deixando atrás de si um rastro de desolação, e que fosse a expressão de um silêncio mais fundo do que o anterior patamar em que se colocava.
O meu pai, Romero, era um homem simples, filósofo e circunspecto, enxadrista e descrente da natureza humana. Era autodidata e leitor exigen...
Olhando para as nuvens
O meu pai, Romero, era um homem simples, filósofo e circunspecto, enxadrista e descrente da natureza humana. Era autodidata e leitor exigente de história, geografia e filosofia. Não entendia poesia, mas era exímio em matemática e apreciador da natureza. Sou-lhe grata por tanta delicadeza e sabedoria, exatamente por essa mesma natureza, humana.
A pessoa que ora transforma-se em um foco irradiador de energias salutares que beneficia a si mesma e a quem se encontra no seu campo de ac...
A prece segundo o Espiritismo
A pessoa que ora transforma-se em um foco irradiador de energias salutares que beneficia a si mesma e a quem se encontra no seu campo de ação. Daí os Espíritos orientadores recomendarem, insistentemente, a oração como um bom hábito que deva ser incorporado ao cotidiano da existência.
O que eu tenho Eu tenho pequenas coisas em caixinhas cranianas casulos de sinceridades palavras engavetadas que me dêem sustentação ...
(Re) encontros noturnos
O que eu tenho
Eu tenho pequenas coisas
em caixinhas cranianas
casulos de sinceridades
palavras engavetadas
que me dêem sustentação

risos depositados em conta
rendem juros ao coração
passeio sem banco de praça
pinturas sem toque de mão
Eu tenho mudas de roupas
penduradas em cabides, em guarda
vigias da própria rotina
ajustadas à pele, à saudade
em fagulhas de pingos pela janela
Eu tenho certas fotografias
da sala preta, claridades, revelações
fundamentais excessos, sem exceção
atalhos, porções em flashes
embaraços pausados pela imaginação
* Inspirado em "Pequeno mapa do tempo", de Belchior
Reconstrução olfativa
E tinha um perfume
perdido na memória
viagem sem matéria
intocável, impalpável

instantânea vida
recorte, uma cena
reconstrução olfativa
fugaz espectro, some, dorme
dissipa como névoa
no encontro da manhã
pelo sol atingida
nova identidade
recompor a figura
concretizar a volta
que esmorece imperfeita
Claro
E é claro
quando o dia se faz em sono
que o coração é respiro
ilha de desejo
E salta na chuva
transmuta ferro e fogo
que aviva ao vento
arde sem ferimento

acaso contido nos dados?
o ditar o encontro ?
o achar tu pela vida?
Outros chamam de destino
sem desvios, único caminho
e o resto cuida o tempo
o sorriso, olho no olho
Que (r) seja um beijo
adolescente, adormecido
hidrate o corpo inteiro
em sussurros, arrepios
Bom dia
Hoje eu não direi para ti bom dia
pois transpus a simbólica batida com a tua voz
ela ecoava afirmações e risinhos
bebia água, andava pela casa no escuro
Sim, hoje tu não receberás um dom dia
pois estavas presente nos últimos e primeiros minutos
quando uma jornada se foi e outro se fez
e ainda falávamos de tudo
Por isso, não haverá para ti bom dia hoje
ao relógio seguir célere eu a escutava
e quase sentia teu perfume de feminina pele
revela um novo bom dia
Sou o que se pode chamar de frutófilo desde a infância. Muito antes de a ciência enfatizar que fruta é bom para a saúde e pode ser consumid...
Psicanálise das frutas
Sou o que se pode chamar de frutófilo desde a infância. Muito antes de a ciência enfatizar que fruta é bom para a saúde e pode ser consumida à vontade, eu já era um consumidor voraz de mangas, sapotis, laranjas e que tais. Comia-as ou chupava-as não por dever, mas pelo gosto de saboreá-las. Hoje me ocorreu indagar se não haveria algum tipo de correlação entre a preferência por certo tipo de fruta e a personalidade do indivíduo.
Pierre Rougon, personagem de " A Fortuna dos Rougon " (La fortune des Rougon), de Émile Zola, é um provinciano, cuja intenção é s...
O roteiro do fogo
Pierre Rougon, personagem de "A Fortuna dos Rougon" (La fortune des Rougon), de Émile Zola, é um provinciano, cuja intenção é ser rico, sem demonstrar qualquer interesse pela educação que não seja utilitária. Quando sua esposa Félicité, com quem se casara num bom arranjo comercial com os pais dela, coloca na cabeça a ideia de que os filhos devem ir para a escola, ele responde, numa frase curta e incisiva sobre aprendizagem, que o latim era um luxo inútil (Le latin était un luxe inutile). Pouco importa que aqui Pierre esteja se referindo ao latim de modo denotativo ou simbólico. O que importa é o conceito, que persiste ainda nos nossos dias, de que só precisamos aprender coisas práticas, como, por exemplo, ganhar dinheiro.
Ontem à noite, o caminhão do lixo passou na rua onde moro. Dessa vez, observei-o com outros olhos. Sem o ronco de outros motores, pude fixa...
Reflexões em tempos de pandemia
Ontem à noite, o caminhão do lixo passou na rua onde moro. Dessa vez, observei-o com outros olhos. Sem o ronco de outros motores, pude fixar-me no lento percurso do veículo de coleta. Os novos tempos do Coronavírus ensinam que os agentes de limpeza desempenham um serviço essencial, tão ou mais relevante do que o meu, que pode ser realizado remotamente.
Poema urgente Não que seja este Meu último poema, Ou talvez seja! Quem sabe da vida? Quem sabe da morte?
Tempo de urgência
Não que seja este
Meu último poema,
Ou talvez seja!
Quem sabe da vida?
Quem sabe da morte?
antagonismo: máquina de fotografia/revólver a máquina é o revólver ao inverso: os objetos-bala não saem, eles entram, se internam.
A paisagem certa
a máquina
é o revólver ao inverso:
os objetos-bala não saem,
eles entram, se internam.
A geração atual deve ficar se perguntando como conseguíamos viver sem o celular, a internet, a TV a cabo com 100 canais à disposição, sem o...
A dependência dos avanços tecnológicos
A geração atual deve ficar se perguntando como conseguíamos viver sem o celular, a internet, a TV a cabo com 100 canais à disposição, sem o computador, sem o caixa eletrônico bancário, sem o cartão de crédito. Os que usufruem de toda essa praticidade do mundo moderno devem ficar imaginando como era complicada a nossa vida nos anos 70.
Anos atrás, numa festa de confraternização da clínica Vivance, onde até hoje temos aulas de pilates, fui presenteado com um livro da nortea...
O charme da Úmbria
Anos atrás, numa festa de confraternização da clínica Vivance, onde até hoje temos aulas de pilates, fui presenteado com um livro da norteamericana Marlena de Blasi: Mil Dias em Veneza. Trata-se de um romance autobiográfico, que relata a sua viagem para encontrar o futuro esposo, Fernando, bancário veneziano. Antes de tornar-se escritora e ir morar na Itália, Marlena era jornalista e escrevia sobre gastronomia para vários periódicos dos Estados Unidos. Numa de suas viagens, experimentando a culinária das diversas regiões do mundo, conheceu Fernando e os dois se apaixonaram.