Jesus afirma no Seu Discurso Profético: “Haveis de ouvir falar sobre guerras e rumores de guerras. Cuidado para não vos alarmardes. É preciso que essas coisas aconteçam, mas ainda não é o fim. Pois se levantará nação contra nação e reino contra reino. E haverá fome e terremotos em todos os lugares. Tudo isso será o princípio das dores.” (Mateus, 24: 6-8 – A Bíblia de Jerusalém).
Por coincidência, poucos dias antes de ler esse livro de ALEXANDRE GUARNIERI, eu resenhara o ERRE BALADA, de Biu Ramos, em que o dito R. morre “com uma faca nas entrelinhas”, daí que se lê no seu epitáfio, isolado na última página:
Aqui jaz Digitus Erre Linhares.
Cap. 1, pag 13 – cap. 25, pag. 98.
Sua vida foi um livro aberto.
Guarnieri escreve na página 16 de Corpo de Festim, emsangue | suor / e celulose (ii):
Eneias é herói. A palavra, per se, já nos diz muita coisa, quando se refere aos tempos míticos da narrativa clássica. Se alguém tem alguma dúvida a respeito de sua significação, há toda uma tipologia do herói, que pode ser recolhida das páginas da Ilíada e da Odisseia. Dentre as tantas características, escolhemos duas, para não cansar o leitor: o herói é aquele ser, em geral descendente dos deuses, que realiza feitos impossíveis aos homens comuns; o herói deve ser piedoso, no sentido da religiosidade greco-latina, devendo temer, respeitar e oferecer sacrifícios aos deuses, estendendo essa piedade ao pai.
O menino que eu fui aguardava com certa ansiedade as noites do sábado, no Pilar da minha infância. Às 20 horas, em ponto, Seu Zé Ribeiro mandava o ajudante Jiló apagar umas poucas lâmpadas do Mercado Público, onde, momentos antes, as famílias locais haviam arrumado cadeiras domésticas para mais uma sessão de cinema.
Hoje eu peço licença para abordar uma categoria sofrida, explorada, mal-reconhecida. O seu labor não está previsto em lei trabalhista nem sofre fiscalização do Ministério do Trabalho. Não conta tempo de serviço para aposentadoria. Seu tempo de carreira geralmente é limitado da infância à adolescência, que é quando chegam os hormônios e a sua atenção se volta para outros.
Sonhe como se fosse viver para sempre, viva como se fosse morrer amanhã.James Dean
James Byron Dean, ator norte americano, morto precocemente aos 24 anos num acidente automobilístico, é o autor da frase usada como epígrafe desta crônica. Foi símbolo de uma rebeldia que se alastrou mundo afora e respingou por essas bandas no final da década de cinqüenta. Vestia-se aqui como James Dean aparecia nos seus filmes, penteava-se cabelo ao jeito dele e chutava-se o balde do comportamento convencional como ele o fizera inclusive nos dois únicos filmes que assisti, dos apenas oito em que atuou. Só vi, já nos tempos do vídeo cassete, “Rebel without a cause” (Juventude Transviada) e “Giant” (Assim Caminha a Humanidade). Foram películas emblemáticas.
ACHO que, em todas as épocas, sempre que surgia uma novidade, alguém enaltecia o quão avançado era aquele tempo. Portanto, o que nos surpreende e chamamos de novidade, atualmente, é apenas mais um passo da humanidade e, no futuro, não vamos "achar" tão extraordinário assim.
Leonardo, velho amigo Léo, antigo parceiro de sinuca e de paquera, únicos jogos que nos levavam a campo, surge como fantasma perdido, com ar de assombro, saindo de uma agência da Caixa, na Torre. Ele me viu primeiro e gritou por trás dos óculos, reconhecendo-me.
Ah quanto tempo, hem Léo!
Vínhamos da noite, descíamos do bonde na esquina da Juarez Távora com a Maroquinha Ramos, onde, uma casa depois da outra, nos recolhíamos. Aí Léo ganhou o Sul, se fez por lá, e depois de uns cinquenta anos, isto, meio século, acha de cruzar com meus passos numa rua que, sem sair do lugar, não é mais a Adolfo Cyrne, ponto da marinete do velho Orlando, pai de sua namorada.
Dialética
ela disse
que sou homem de paixões avassaladoras
não de amores sólidos
talvez
porque os amores são eternos (e morrem)
e as paixões são instantes (que ficam).
Poética
poeta é bicho
esquisito todo mês
sangra (versos)
e aduba loucuras
vermelhas
com frases azuis.
Meu tempo inicial de formação artística em parte se gastou, como é recorrente, num tanto de tanto procederes incipientes, devidamente aí refletido o perfil recorrente e tecnológico da nova cultura abaixo da linha do Equador, e para a qual, da parte colonizadora avultou sempre a falta de apreço, e cujo simplismo grosseiro de certos conceitos por ela produzidos, foi sempre uma antitética resposta encontrada para a complexidade, riqueza e diversidade dos trópicos.
Cheguei para morar nesta cidade banhada pelo mar, sem sair do meu cantinho de terra. Há 50 anos, precisamente no dia 27 de junho de 1971, contemplei pela primeira vez a paisagem do lugar, minha aragem de repouso. Durante muitos anos aqui andei como um camponês, taciturno, silencioso, convivendo com pessoas somíticas e espertas, mas sem saber porque, encontrei quem me estendeu a mão.
VIAGEM
Sim, as asas estão emplumadas
E nada nesse ninho me faz ficar,
O vento assobia de longe, convidando-me,
Incita em mim o desejo do voo,
Nada me prende nessa terra,
Quero voar.
Sim, a alma está pronta.
Olho para o céu
E o passeio preguiçoso das nuvens
Chama-me à aventura
De um voo pleno, em busca de novas paragens,
De outras venturas.
Que força poderosa que tão pouco se conhece tem o nosso pensamento! Discorremos sobre o alcance e os rumos que ele toma nos caminhos do olhar, um prodígio fabuloso. Impossível calcular quanto já se produziu, sem limite e sem fronteira, sob o viço do intelecto.
Se a energia é palpável, matéria condensada, e o nosso pensamento uma via magnética, como atesta a ciência, imagine a densidade desta rede que se tece mentalmente nos bilhões de humanos que aqui vivem.
Era uma referência no canto da pracinha recentemente construída. Engraçado que flagrantemente seca, já morta, ainda era majestosa como deveria ter sido quando muitas folhas em tantos galhos. Deve ter abrigado muitos ninhos, servido de casa para centenas de soldadinhos, certamente foi frondosa, de muito verde, ainda mais pela posição de destaque.
Seu amigo fará uma cirurgia em breve. Caso não muito simples, com perspectivas incertas. Sem dúvida, uma situação delicada, daquelas em que é preciso pisar em ovos e pesar e medir cada palavra. Qualquer erro poderá ser constrangedor, numa hora em que todo e qualquer embaraço deve ser rigorosamente evitado. Você sabe que tem que falar com o amigo antes dessa cirurgia, mas não é simples. Mesmo que por telefone, sem a saia justa do olho no olho, esse diálogo é dificílimo. Para ambas as partes. Uma, por ter que encontrar a forma mais adequada e suave de abordar o assunto, mostrando amizade e solidariedade, contornando a gravidade da situação; a outra, por ter que se apresentar forte, dentro do possível, buscando forças onde muitas vezes não há.
Nessa conversa incontornável, sabemos, as palavras nem sempre expressarão a verdade completa dos fatos e dos sentimentos. Mas não se trata de hipocrisia, claro, e sim de compaixão recíproca, uma forma de amor ao próximo, que, infelizmente, só costuma revelar-se – quando o faz – nos momentos em que os empecilhos abundam. É preciso coragem para fazer a ligação – e também para atendê-la.
Um dos amantes deixou de gostar do outro, não importa a razão. Pode ser por nenhum motivo aparente, pelo simples deixar de gostar, que isso acontece. Ou por uma paixão inesperada e avassaladora por outrem. Nos dois casos, não é fácil para o parceiro que sai comunicar ao parceiro que fica. Principalmente quando o que termina a relação guarda um certo bem-querer e algum respeito pelo outro. Pois, nesse caso, não se trata simplesmente de ir embora, como muitos fazem, sem qualquer explicação, deixando atrás de si mágoas e perplexidades para sempre. Fazer isso até que seria cômodo. Mas não. Aqui é o caso de ir-se embora com alguma dignidade, alguma decência. Por isso, é preciso conversar com quem se deixa, buscando justificar o que, para o outro, a priori, não se justifica. É preciso ter coragem para começar o penoso colóquio da separação; é preciso cautela e tato para selecionar palavras e frases, de modo a, se possível, minorar a dor e o trauma do(a) abandonado(a).
O funcionário é bom, eficiente, cumpridor de suas obrigações. O patrão simpatiza com ele e aprecia sua dedicação. Ele trabalha já há algum tempo na empresa. Não é um simples estagiário. É casado, tem filhos e não é mais nenhum garoto. Ocorre que os negócios não vão bem, as despesas estão altas, a receita mingua e a necessidade de demitir impõe-se com todas as suas consequências sombrias.
O bom funcionário terá que ir embora. E o patrão terá que dizer-lhe isto olhando nos seus olhos estupefatos. Mas como fazê-lo, de modo a amenizar o impacto de tal notícia devastadora? Como fazê-lo sem que o empregado leal não se afunde mais que o necessário? O sofrimento e o desconforto do chefe, que, diga-se, não é nenhum capitalista insensível, são tão incômodos quanto serão os do funcionário logo a seguir. A boca do que falará primeiro está tão seca e sem voz quanto a do que ouvirá calado sua sentença. Aqui não há margem para diálogo, pois nenhum argumento em contrário poderá prevalecer. Aqui a palavra única, árdua e definitiva pertence exclusivamente ao que manda – e que se constrange – e sente - ao fazê-lo.
Três situações típicas. Muitas outras existem, o leitor sabe, viveu ou ouviu falar. A vida é também feita dessa matéria espinhosa, cotidianamente. Nada a fazer. E nunca estaremos suficientemente preparados para isso. Todavia, uma coisa percebo: a cada experiência dessa, quando somos a parte ativa do processo e conseguimos desempenhar relativamente bem nosso ingrato papel, saímos como que mais fortes, mais maduros, exatamente porque mais calejados, mais sofridos, o que confirma a máxima de que só crescemos nas dificuldades.
Conversas difíceis. O leitor certamente terá tido as suas.
Era a segunda metade dos anos 60. A música era parte essencial de nossas vidas, quando ouvi falar sobre ela. Marianne Faithfull. Filha de uma baronesa austríaca e de um militar da marinha britânica, enfrentava os últimos focos de resistência do conservadorismo em Londres. Sua tumultuada relação com Jagger incluiu da chegada ao estrelato, da polícia à tentativa de suicídio.