I
Minha terra
é uma ilusão da linguagem.
Tenho de meu
esse rastilho de palavras
que pressinto atadas aos calcanhares.
Se o desfaço, perde-se
o encantamento das vivências cerzidas.
Sei que as mãos ensaiam obscenidades
entre dois espelhos.
Quero mesmo criar algumas reentrâncias
na estrutura dos olhares.
Mas olhos extraviados não ardem
As cicatrizes relembram a realidade passada. É a presença viva, ou, porque não dizer, é a verdadeira imortalidade, dos momentos bons e ruins que se foram.
Apaixonar-se costuma ser uma péssima ideia, mas, mesmo assim, nos permite mergulhar no encantador, e desafiante, oceano do amor.
Quando eu era menino meu saudoso e querido pai Francisco Espínola comprou um disco LP chamado España Cañi. O LP tinha na capa um esboço do mapa da Espanha, nas cores vermelha e amarela, com o desenho de um touro negro.
Um rapaz andou dezenas de quilômetros para encontrar um mestre muito respeitado em sua aldeia por sua destacada sabedoria. Quando ali chegou o mestre estava no centro de uma pequena multidão que, silenciosa e atentamente, ouvia seus ensinamentos. O rapaz se aproximou e, como os demais, passou a ouvi-lo. O mestre disse:
Soneto de Natal
A cada ano o gesto se renova
e nos faz recobrar a esperança.
Quem de mágoa e dureza fez-se a prova
anseia por voltar a ser criança.
Verdade ou mito? Isso pouco importa
à mão que se dispõe ao largo aceno
e almeja em comunhão abrir a porta
a quem a vida deu ou dá de menos.
Poucas cidades brasileiras têm o privilégio de contar com um grande projeto arquitetônico de Oscar Niemeyer. João Pessoa é uma delas, com uma obra arrojada e bela, a Estação Ciência, no Altiplano. É um complexo de edifícios e jardins realmente impressionante, não só pela beleza das formas, pelos materiais, pela amplidão dos espaços, pela vista inigualável. Um verdadeiro ponto turístico, um cartão postal, como se dizia antigamente. Ali se projetou originalmente um lugar para museu, exposições e eventos, tudo de que precisa uma cidade em termos culturais, seja ela grande ou pequena. E assim foi feito, e assim foi inaugurada a Estação, para logo depois ser praticamente abandonada,
Quanta coisa boba pode gerar um texto! A lembrança de meu gato de infância. É raro quem, durante os rápidos verdes anos, não tenha possuído um talismã vivo: gato, cachorro, papagaio.
Meu gato ou o bichano da casa era negrinho, retinto como se pintado de piche. Os olhos amarelos, flutuantes, invasivos. Um miado estranho. Certamente era poliglota, pois a tonalidade variava, e, não sei se por fantasia infantil ou besteira de criança, conversava comigo.
Dor da alforria
Queria estar feliz
Era um desejo
Havia urgência
Desejo puro, firme, duro
De coração a galope
Ouvir em sons tua voz
Pedir pra te ver agora
Era a essência
E você disse não
Que não era o dia
E qual seria?
Eu não entendi,
Você falou que hoje não
Não lembro mais quem disse que se você alimentar seu cérebro exclusivamente com séries de TV bobinhas, tipo "Two and a half men", não espere que ele entenda Platão. Se os Titãs já tinham alertado que a televisão "me deixou burro demais", o que dizer agora que a avalanche de vídeos do Tik Tok e de fotos de bobagens no Instagram parece ter dominado as mentes?
Publiquei, recentemente, um texto crítico sobre um projeto de lei apresentado por uma deputada federal, cujo propósito é retirar da celebração do casamento civil a frase final “Eu vos declaro marido e mulher”, sugerindo alterações que neutralizariam essa conclusão.
As ladeiras têm sentidos próprios, conexões entre si. É como possuir algo mágico, o poder de capturar a história, de contar inúmeras histórias. E elas são muitas por esses brasis da vida. Inclinações que testemunharam invasões, batalhas, sacrifícios, martírios, vida e morte, honra e destruição. Oh ladeiras cujos paralelepípedos viveram ao longo de séculos a presença de herois e vilões de muitas raças. Quando ainda sem pavimento sentiram na própria terra o pulsar do país que começava a ser construído e cuja obra segue inacabada, como pele de testemunha das idas e vindas humanas.
Se João Pessoa possui poucas ladeiras, ainda assim podemos citar as de São Francisco e da Borborema. Acesso do berço de nascimento da cidade, o Porto do Capim, ao topo da elevação onde hoje existe a Catedral Basílica de Nossa Senhora das Neves, as duas ladeiras desafiam o vigor físico dos pedestres e guardam muito da história paraibana.
Na ladeira de São Francisco, um pouco após a sua metade, estrategicamente, foi erguida da Casa da Pólvora. Era o paiol das armas, das munições da antiguidade, atualmente celeiro de cultura. Hoje a calmaria do local disfarça os caóticos momentos de batalhas. Pólvora, tiros, sangue, morte... Portugueses, holandeses, escravizados africanos, locais das três raças e muitas misturas. Do alto, a visão do entardecer a jogar ouro na cidade baixa. Percurso paralelo faz a ladeira da Borborema, após surge do encontro com a Rua da Areia.
Ladeiras tão antigas quanto as famosas elevações de outro ouro, pontilhadas por igrejas da velha e magnífica Vila Rica do passado, a Ouro Preto. A cidade mineira dos inconfidentes, da luta pela independència, sufocada por forcas e esquartejamentos. Da Praça Tiradentes elas despontam. Nessas ladeiras mineiras repousam os ideias de liberdade individual e coletiva. Lá, elas foram criadas como acessos entre as ruas históricas encravadas pela busca do ouro das montanhas das Minas Gerais. Por ali, muitos passaram ora como senhores, ora como escravizados. Uns tantos encontraram o fim sobre o platô no Morro da Forca, sombrio lugar de belo nascer e por do sol. Pelos arredores, ladeiras que levam a muitas igrejas.
Conterrâneas de lutas são as ladeiras de Olinda. Passarelas de carnavais, serpenteiam pela velha cidade pernambucana. Conexões de tempos, ladeiras de multidões e solidões, dos blocos e bares, da pitombeira e seus quatro cantos, do Alto da Sé e sua ladeira a despejar azuis de céus e do mar. Local estratégico que domina os arrecifes e as terras baixas. Uma das mais famosas e íngrimes é a Ladeira da Misericórdia, acesso à Igreja e ao Hospital da Santa Casa da Misericórdia. “Ó linda!” Por onde surgem bonecos gigantes com vida. Desfiles diversos da alegria do frevo precedido pelas lutas do país nada pacífico de colônia, império e república.
Ladeiras como as seculares de São Salvador, a primeira capital brasileira. Construída numa elevação por questões de segurança, a fortificada cidade viu surgir caminhos íngremes a trazer para o alto víveres e humanos desembarcados dos navios. Aí surge a Ladeira da Preguiça, uma das três mais antigas da cidade. E ainda tem as da Conceição, Misricórdia, Montanha, Curuzu, Aflitos e tantas outras. Subidas e descidas na formação nacional da mistura da Bahia tão nobre ao Brasil.
E tome ladeira! O esforço físico para percorrê-las é maior, vencer os aclives/declives exige resistência, atenção redobrada. Porém, as ladeiras históricas merecem um olhar mais atento, carinhoso do visitante. São páginas da nossa história que guardam beleza singular. Se a subida é um desafio, como diz o dito popular: “Para descer todo santo ajuda”.
Radicalizando e depurando a proposta sonora do Movimento Armorial, tema abordado em nosso artigo anterior, Ariano Suassuna então abraça o Quinteto Armorial, que viria a se tornar um dos mais substanciais grupos musicais brasileiros, na verdade o mais importante a criar, até hoje, uma música de câmara erudita brasileira de raízes populares. Formado em Recife, em 1970, e liderado por Antônio José Madureira, gravou quatro discos até o seu encerramento, em 1980. Sua proposta era criar um diálogo entre o cancioneiro folclórico medieval galaico-português e as práticas criativas e interpretativas nordestinas, ligadas à tradição oral e musical da região, buscando uma síntese entre a música erudita e as tradições populares.
Li que essa coisa de superstição tem origem no tempo das bruxas medievais e seus gatos pretos. E que, desde então, habita a mente e o coração de muita gente mesmo nos grandes e modernos centros culturais do mundo.
Fugir do número 13, desse modo, não é, assim, uma exclusividade do subdesenvolvido que vos fala. Fazem isso, igualzinho, nos Estados Unidos, a ponto de certas companhias aéreas não oferecerem assento com esse número.
A poda foi criminosa por dois motivos: a violência do fato em si e a grave consequência. O ninho que abrigava o filhote de bem-te-vi veio ao chão com galhas e lágrimas da cajazeira depenada. Uma pena...
Eis que sai do morno aconchego uma coisinha de asa e cauda, com mancha amarela no papo, assustada, olhinhos brilhando sem entender nada. Os pais aflitos piavam de um lado pro outro numa algazarra sonora, em sinais de alerta e protesto. E agora?
Meu amigo Luciano B. saía de uma boate no Recife enfrentando uma chuva intensa. Estava a bordo de uma loura espetacular e queria "se amostrar". Logo que seu potente carro começou a percorrer o caminho que os levaria à suíte presidencial do Sheraton, um outro veículo que vinha atrás passou a dar insistentes sinais de luz e buzinar freneticamente. O Don Juan paraibano quis mostrar sua macheza e baixou o vidro, estendeu o braço para fora e mostrou aquele dedo que significa vocês sabem o quê. O outro veículo continuou a buzinar e a dar luz alta e segundos depois o carro do meu amigo caiu num enorme buraco, sem condições de continuar andando.