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De: creusapires@nocéu Para: joaoazevedo@gov.pb Senhor Governador, me permita tratá-lo por João...
De Creusa Pires (no céu) para João Azevedo
No que diz respeito à essência do cão e à comunicação primária, John Locke (1690) afirmou que “a essência é composta pelas coisas inte...
A essência do cão e a comunicação primária
Que bom! Johnny Mathis está vivo. E ainda canta “Misty”. Consegue fazer isso no mesmo tom e com a voz suave dos inícios de 1960. Eu ...
Para onde more a paz
Johnny vai para os 90 anos, a serem completados em setembro. Acreditem: aquela garganta de menino ainda sustenta os agudos de outrora com a naturalidade do primeiro choro, aquele dos recém-nascidos incomodados com a aspereza da existência fora do ventre materno. O bom e velho Johnny canta sem esforço e sem que as veias engrossem no pescoço, ao que observei da interpretação a mim chegada por acaso, via YouTube, sem que eu a buscasse. Anotei a postagem: 18 de janeiro de 2025. Eu soube que ele anunciou a aposentadoria em março passado. Mas está vivo e ainda consegue cantar, maravilhosamente, ao menos no banheiro.
Como eu estava precisado de “Misty”. Não em suas diversificadas versões, algumas com o carimbo de monstros sagrados do cancioneiro internacional, mas com a voz de veludo de Johnny, a voz da minha juventude, a das minhas aspirações, a dos meus sonhos.
Minha precisão tinha e tem as dores do tempo. Por um momento, ouvindo aquilo, escapei das aflições dos povos e das que, somente minhas, hoje carrego. Fui às nuvens naqueles acordes. Ali, não me alcançavam os males que a idade me trouxe nem as desavenças e confusões do planeta à beira, mais uma vez, da catástrofe em larga escala.
A nuvem em que me dependurei me levou ao passado e me fez pousar numa estradinha emoldurada por coqueiros. Ao sabor do vento, segurei a mão daquela que me daria três filhos. Estávamos jovens. Ela mais segura de si.
Mergulhos no passado dão nisso: na confusão de imagens, na mistura de memórias. “Misty” também põe diante de mim amores adolescentes, alguns com vozes de violinos, novamente, como nos versos compostos por Johnny Burke para a melodia do pianista Erroll Garner, criada em 1954. Eu estava, então, longe da idade para as mãos dadas com aquelas que por mim iriam passar e com a que me reteria, por um golpe de sorte, para a satisfação e a quietude da alma. Nosso Johnny gravou essa música em 1959 e dela se fez o melhor intérprete, ao que entende meu coração bobo.
O octogenário de agora ainda alimenta dúvidas juvenis. Uma delas diz respeito aos que se dedicam a agravar a agonia da raça humana, a fazer deste mundão de Deus um lugar de padecimento e expiação, como o fazem os promotores das discórdias e das guerras. Os tiranos ouvem música? Sabem cantar? É o que ainda me pergunto.
Quero crer em que divido com muitos dos meus semelhantes esses mesmos incômodos. Ora têm dimensão planetária ora decorrem dos aperreios cotidianos feitos de desesperanças, enfermidades, desconfortos. Se assim for, recomendo-lhes um cantinho numa nuvem para o sossego do espírito. Escolha cada um o meio de transporte para a fuga momentânea e indispensável dos problemas individuais,
Não custa insistir na necessidade dos voos para recantos onde more a paz, ou a saudade. Dorothy Gale queria voos de passarinho. Desejava pairar bem acima das chaminés, além do arco-íris. Por falar nisso, a canção “Over the Rainbow” somente não foi excluída da trilha de “O Mágico de Oz”, porque Arthur Freed, o produtor associado, fincou pé no studio da MGM, nos idos de 1939: “A música fica, ou eu vou embora”, ameaçou. Ganhou a briga para sorte dos compositores Harold Arlen e Yip Harburg, o letrista. Quem diria que o número de assinatura da jovem atriz Judy Garland se tornaria, em 2021, “a música do Século 20”, assim escolhida em pesquisa conjunta do National Endowment for the Arts e da Recording Industry Association of America?
É como digo. Cada um pode escolher a forma de escape dos problemas diários. “O desejo infantil de escapar, ou fugir, é uma universalidade”, leio isso em texto assinado por Gary Shapiro para boletim da Universidade de Columbia. A sentença é por ele atribuída ao professor de música Walter Frisch, autor do livro “Arlen and Harburg’s Over the Rainbow”.
Burt Howard quis ir acima do ponto desejado pela pequena Dorothy. Johnny Mathis, em meio à profusão de intérpretes consagrados, também cantou seus versos. Frank Sinatra, em 1964, os associou (sem a menor graça, digo eu) às missões Apollo à Lua. Refiro-me a “Fly me to the moon”, outra peça icônica.
Desta vez, a mão da pessoa amada serviria à fuga para as estrelas e para ver como a Primavera se mostra aos apaixonados, em Jupiter e Marte. Prefere você ver um filme, ler um livro? Tudo bem, que assim seja. Quanto a mim, neste exato momento, valho-me de Johnny Mathis, há pouco reencontrado. Felizmente, ele ainda está vivo. E canta “Misty” em palcos que podemos reprisar quando voar for preciso.
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Li um Poema, acabo de ler um Poema. Quantos poemas já li desde o longínquo: “Oh! Que saudades que tenho Da aurora da minha vida...
O reino encantado de Serafim
Li um Poema, acabo de ler um Poema.
Quantos poemas já li desde o longínquo:
Só que os anos e séculos sempre os trazem de volta. E tornarão a voltar, seja no poeta menino que trina pelas cordas do sabiá no exílio além-mar ou do homem fiel ao menino e ao trinado agudo a ressoar do gume e penhascos da sua Aroeiras.
Criança interna, todas as manhãs eu acordava e levantava às seis, saía tangido em fila para o banheiro coletivo, o frio serrano juntando-se ao gelo da água. Tudo por severa obrigação. Obrigado à missa em jejum, a só falar no refeitório após o deo gratias, a quatro horas de leitura e do dever de casa - oito tantos de disciplina para quatro de recreio – de repente só um sabiá de livro me salvava.
Quantas vezes senti dúvida se não existia uma vida além da que me obrigava a ficar entre paredes, sem estrada à vista, o olhar pregado na sisudez do inspetor ou limitado aos muros do internato.
No salão de estudos, minha carteira ficava colada a um janelão aberto para o nascente, o sol benzendo-me com seu clarão e seu calor, sem que eu desse por ele. Sol é o que mais tínhamos e temos, crestando a roça e faiscando no seixo dos caminhos. Mas aquele sopro raiado de luz forte e carregado pela apanha dos ventos e dos cheiros para as páginas da antologia aberta nos versos de Casimiro e Álvares de Azevedo levaram-me com eles. E vim esbarrar aqui, muito pouco para os que sonham alto, mas nas nuvens para o menino matuto dos meus grotões.
Não senti surpresa diferente, agora aos noventa anos, ao dar com Serafim, reino encantado, que o janelão do Gmail veio deixar no quarto três por quatro que é meu universo de hoje.
E parecendo tão vulgar: “Nasci numa tarde de chuva/ o Cariri era uma escuridão só.” Mas vá dentro, leitor e leitora amigos, e veja como sai!
Não sei se estou maltratando um autor da mais fecunda vocação poética e apurada consciência crítica como o mestre Hildeberto Barbosa Filho. Mas não tenho dúvida que Manuel Bandeira, sob os signos de hoje, não me faria sentir maior e mais pura emoção.