Ele queria medir o mundo. Com as mãos ou com as ideias. O mundo e vários outros que cabiam na imaginação fértil, na mente encantada das crianças.
Havia se afastado dos adultos, decerto sorrateiramente ou mesmo sem se aperceber. Atraído pela penumbra da rua perpendicular à praça, ambiente mais propício a libertar o imaginário, engrandeceu-se no sossego da solidão.
Ali, à certa distância dos familiares, bem entretidos no banco da praça iluminada e dominicalmente festiva, ele se sentia livre, jamais só. É admirável a capacidade das crianças em construir e interagir num mundo próprio, com infinidade de sonhos e personagens. Naquele instante, na calçada que beirava o muro alto e comprido, era imenso o universo do garoto simples, de uns 6 ou 7 anos.
Com o pedacinho de uma régua ou trena velha que deveria ter achado no chão, ele media o muro meticulosamente, palmo a palmo. Completamente absorto na cuidadosa e importante tarefa, não se importava com quem passava na rua. Talvez não mais lembrasse de que dia era, nem dos pais que não notaram sua ausência. Era tudo o que ele queria. Medir o muro. As gangorras e balanços que se movimentavam alegremente na praça cheia de gente não o atraíam tanto quanto o trabalho de aferição métrica.
Com as mãozinhas pequenas, levantadas acima dos olhos, palmilhava os pedaços de parede chapiscada, que a desgastada tira de trena permitia. Corpo e mente imersos, silenciosamente caminhavam juntos, a passos miúdos, nos centímetros que se multiplicavam ao longo da rua.
Qual seria a expectativa da relevante medição, do levantamento que ora requereria precisão tão atenciosa do dedicado topógrafo? Sabe Deus. São imponderáveis os encantos que habitam a mente pura da infância. Nem o olhar revela.
Somente a ele importava. Quem sabe estaria medindo sonhos de ser um futuro pedreiro, um mestre de obras, construtor, arquiteto? Quem sabe media a distância entre realidade e imaginação? Ou mesmo o tamanho dos limites impostos por sua condição...
Não, ele ainda não ligava para isso. Não tinha noção da dimensão das injustiças inerentes ao tecido social em que se inseriu desde que nasceu. Nem imaginava que eram muito maiores do que aquele muro, cuja extensão devagarzinho tentava aquilatar.
Antes que concluísse a esmerada tarefa, já perto da esquina, misteriosamente iluminada pelo poste, ouve o chamado da mãe:
E tudo desabou na seca realidade, que agora podia ser medida. Ainda bem. Melhor que ele não concluísse a sonhada medição. Assim se preservaria e guardaria, sem limites, os sonhos que aferia, dos quais jamais alguém saberia. Nem eu, nem você, leitor. Já saímos deste mundo, chamado por Jesus de Reino dos Céus...
Num breve resumo até aqui: a domesticação de plantas e sementes levara a uma infinidade de outras, desde a domesticação do habitat à dos deuses, antes reclusos em penhascos e grutas de difícil acesso para evitar profanações. A domesticação em cadeia do habitat produzira a aldeia, e esta, no berçário ainda dos primeiros equipamentos da futura urbs, teve de conter aparelhos e modos de estocagem, possibilitando assim a prática do escambo entre aldeias; a benesse das trocas quebrou o isolamento entre elas, e abriu possibilidades para a diversificação da riqueza, e a nova interdependência reafirmou a necessidade de alargar uma paz desde sempre facilitada por memória vazia de guerra anterior.
Já nascemos com esse medo: o da finitude. E passamos a vida a escamotear o tema; fugindo dela. Talvez estejamos fugindo da vida também? Talvez. Só sei que por volta dos 10 anos vivi minha primeira experiência da perda. O grande medo, o da perda da mãe quando criança. Morria a mãe de uma amiga de colégio — Tereza, hoje Saldanha. Chorei como se fosse a minha, que gracias a la vida ainda vive, com mais de 90. A partir daí sempre soube que "ela" existia.
Cedo ainda da tarde, de volta pra casa, dou com as vistas num pichamento grosseiro, do pior mau gosto, na parede que ostentava a logomarca do jornal O NORTE. Paro sem querer, o olhar no estrago a puxar pelo olhar mais generoso.
Sem dono, cercado de basculho, o mato cobrindo uma colmeia de muitos significados, e eu me vendo de repente no ânimo de cinquenta anos atrás, indo e vindo a medir o terreno de fruteiras que teríamos de derrubar, como se fosse para mim, destinado à sede moderna do futuro jornal em off set.
Sabemos que nossos olhos são sensíveis apenas à faixa estreita do espectro entre o infravermelho e o ultravioleta, que vemos um ângulo dos objetos de cada vez, que nossos parâmetros do que é grande e pequeno são relativos. Sabemos que o resultado é que construímos um mundo fantasma em nossa mente, nada semelhante ao que se poderia chamar de real, distorção de que nos vamos dando conta aos poucos, através dos avanços da ciência e tecnologia, da nanomedicina, dos microscópios iônicos,
Qualquer leitor brasileiro já ouviu falar de Graciliano Ramos. Capítulo de todos os manuais de literatura, tópico em inúmeros vestibulares, unanimidade para a crítica especializada e editado em larga escala (a julgar pelo número de edições de seus livros), parece desnecessário falar da importância de sua obra. Há, no entanto, um livro de Graciliano que é completamente esquecido (embora com muitas edições) por parte da crítica especializada: "Insônia". "Insônia" é um livro tão ignorado pela crítica que, até a sua 29ª edição, não tinha nenhum prefácio ou posfácio. Ironicamente, um prefácio que circulou em algumas poucas edições anteriores falava genericamente sobre a obra de Graciliano; não sobre "Insônia".
“E então a escrita tornou-se tão fluida que eu às vezes me sentia como se estivesse a escrever pelo simples prazer de contar uma história, que pode bem ser a condição humana que mais se assemelha à levitação”. Gabriel Garcia Marques
Seria hipocrisia negar a importância do dinheiro em nosso dia a dia. Através dele conseguimos melhorar a qualidade de vida. O problema é quando ele, equivocadamente, é visto como único promotor da felicidade, ou quando nos oferece a ilusão de superioridade. Passamos a vê-lo não como uma necessidade natural de viver bem, mas como uma obsessiva vontade de querer ficar rico.
Não lembro o nome do entrevistado, mas recordo-me bem da entrevista de um escritor confessando ter gostado de uma mocinha simples, que nasceu e se criou na roça, próximo à sua cidade. Ela adorava escrever bilhetinhos com frases românticas, recheadas de errinhos crassos, indiferentes às regras gramaticais, essas que, às vezes, são consideradas carrancudas!
Estava relendo, mais uma vez, o “Café Alvear”, de Gonzaga Rodrigues, e me dando conta de como o Ponto de Cem Réis perdeu sua importância como centro cotidiano da vida política e cultural de nossa Capital. Melhor dizendo: não só perdeu a importância cívica como também degradou-se como espaço urbano de convivência diária dos pessoenses. Relendo as crônicas gonzaguianas, não podemos deixar de perguntar: O que foi feito de nossa cidade nas últimas décadas?
Tantas são as peripécias do eu lírico para enfrentar as tormentas, as borrascas, as procelas do dia a dia, que os poemas de “A Voz do ventríloquo”, de Ademir Assunção, soam como épicos da alma. Mas épicos da alma porque na atmosfera intimista que os envolve se infiltra uma “corrente subterrânea coletiva”.
O episódio nº 11 da Pauta Cultural entra no ar na ALCR TV com atualidades do mundo cultural participação dos autores leitores e telespectadores do Ambiente de Leitura Carlos Romero.
Antigamente, eu criança, papai me levava para correr nas alamedas da Praça Venâncio Neiva (primeiro presidente republicano da Paraíba). O coreto charmoso, onde, em noites dominicais, a banda da Polícia Militar soprava seus dobrados e outros ritmos. Ao centro, o lindo Pavilhão do Chá que me parecia, na fantasia infantil, um carrossel sem cavalinhos e parado. O Pavilhão não servia a bebida que lhe emprestava o nome. Curioso.
Sabedores que desde a juventude sou apreciador de um bom vinho, meus amigos durante regresso de viagem à França, sempre me contavam histórias sobre os famosos vinhos da região de Bordeaux.
Entretanto, escrevi no meu mais recente livro “A saga do chanceler Rolin e seus descendentes”, um capítulo sobre os vinhedos da região da Borgonha, grandes rivais dos vinhos de Bordeaux. Esse livro começará a ser distribuído pela editora paulista Labrador nas principais livrarias brasileiras, a partir do fim da primeira quinzena deste mês de novembro.
Em 1910, realizou-se, no Brasil, a primeira eleição presidencial em que houve efetiva participação popular. Disputaram o pleito o marechal Hermes da Fonseca, o candidato apoiado pelo governo, e pela oposição o senador baiano Ruy Barbosa, cuja campanha eleitoral passou para a história como a “Campanha Civilista”. Naqueles tempos, de eleições feitas “a bico de pena”, era praticamente impossível a vitória de um candidato oposicionista. O vencedor, obviamente, foi Hermes da Fonseca, que era sobrinho de Deodoro da Fonseca, o primeiro presidente da República.
Monólogo ao espelho
Passou como um raio a fase de enlevo!
Mais fugaz que um beijo terno
Em que os lábios mal se tocam.
Como, pois, despertar de longo inverno
Florescer em nova primavera
Emergindo das cinzas e ser reconhecida,
A Sociedade Brasileira de Cardiologia elegeu a arte de Flávio Tavares como forma de reavivar no rosto de cada um dos seus protagonistas o progresso dos estudos e conquistas da medicina brasileira em seus 100 anos de atuação e congraçamento.
Durante esta campanha eleitoral tenho dito: nem todo mundo é Patrícia Pilar. Refiro-me à sua disponibilidade de se entregar à campanha do marido com unhas e dentes, como o fez na campanha do seu então marido, Ciro Gomes. Admirável! E palmas para ela.
A fotografia de José Américo de Almeida sentado na cadeira de balanço no terraço de sua casa na Praia do Cabo Branco, com a mão no queixo contemplando o mar, impressiona porque se supõe que esteja com o pensamento voltado para a Areia do seu tempo de criança. Assim como ele, nós repetimos esse gesto de olhar ao largo horizonte quando nos debruçamos na janela para olhar a paisagem guardada na memória. Tem sido assim com Gonzaga Rodrigues que ancorou nesta cidade há quase setenta anos, repetidas vezes nas crônicas expressando a saudade de sua Alagoa Nova, como numa fotografia que nunca desbota.