Autor de um livro também intitulado “Eu”, o português Alfredo Pimenta está entre os autores que teriam influenciado Augusto dos Anjos. Confrontando o livro do português com o do paraibano, deparamo-nos, de fato, com algumas curiosas coincidências. Mas tanto no espírito, quanto na forma, há uma enorme diferença entre os dois.
Por exemplo: ambos fizeram versos à dor e à mágoa. Mas, enquanto Augusto dos Anjos identifica na mágoa um travo maiúsculo e definitivo, de ressonâncias metafísicas, o qual se constitui em marca da falta (mácula) humana – Alfredo Pimenta enaltece, preponderantemente, a mágoa na mulher. A mulher que chora (a mulher magoada) aparece em sua lírica como uma imagem de obsessivo apelo emocional.
Assim é que, no primeiro dos sonetos nomeados de “Santificação da mágoa”, ele refere a certa altura:
"Tudo em ti me revela uma tristeza
Filha da grande dor da natureza,
Bendita e santa irmã da humana dor!” (p. 14).
E, no segundo deles, remata o terceto final com estes versos:
“Que a tua dor, Mulher, seja infinita!
Pois quanto mais sofreres, maior serás!”
Em Augusto dos Anjos, a dor merece um hino. É tratada, segundo a perspectiva cristã, como um ganho espiritual e, sobretudo, como um instrumento de ascese, conforme se pode constatar nos versos com que ele inicia o seu “Hino à dor”:
“Dor, saúde dos seres que se fanam,
Riqueza da alma, psíquico tesouro,
Alegria das glândulas do choro
De onde todas as lágrimas emanam...”
E nestes outros, que aparecem pouco adiante:
“E, assim, sem convulsão que me alvoroce,
Minha maior ventura é estar de posse
De tuas claridades absolutas!”
São comuns aos dois poetas o panteísmo e a representação da Natureza. Ambos fizeram versos à pedra, à montanha, conferindo à superfície dura e inóspita desses elementos um recorte dramático. Confrontemos, quanto a esse aspecto, os versos de cada um deles. Em certa passagem, Alfredo Pimenta se refere à “... maldição que ouvimos/ Sair da boca duma pedra/ Quando com outra às vezes a ferimos!”
Se comparamos o dramatismo dessa imagem com a representação que Augusto dos Anjos faz no primeiro dos sonetos “As montanhas”, de novo percebemos a significativa diferença que separa um do outro — quer pelo uso da linguagem, quer pela integração, diríamos, dialética, entre o elemento plástico, exterior, e o componente anímico e subjetivo.
Eis os versos do paraibano:
“Quem não vê nas graníticas entranhas
A subjevidade ascensional
Paralisada e estrangulada, mal
Quis erguer-se a cumíadas tamanhas?!
Ah! Nesse anelo trágico de altura
Não serão as montanhas, porventura,
Estacionadas, íngremes, assim,
Por um abortamento de mecânica
A representação ainda inorgânica
De tudo aquilo que parou em mim?!” (352).
No trecho de Pimenta, o que se tem é a sumária indicação de um conflito, própria somente para figurar o sentimento, ou melhor, o ressentimento que acomete a substância bruta quando agredida. Augusto, por sua vez, alude a um combate que se constitui em leit motiv da sua obra, representado pelas contradições entre instinto e alma, matéria e espírito. Sendo um “abortamento de mecânica”, um resíduo inorgânico, a montanha alegoriza a própria morte como pulsão, que se contrapõe aos anseios eróticos, vitais, e se constitui em sombrio e permanente aceno para o homem.
Há em ambos os poetas o mesmo fundo mórbido, a mesma perplexidade ante a voragem contraditória de sentimentos e conceitos que marcaram o final do século XIX. Tanto Alfredo Pimenta quanto Augusto dos Anjos vivenciaram intensamente esse clima, marcado pela sensação de decadência e pela expectativa de um fim iminente, do qual emergiria uma nova ordem.
Mas cada qual espera ou propõe o novo à sua maneira. Pimenta chega a sonhar com a revolução social, concebida romanticamente; Augusto deseja a redenção espiritual do homem. E se um, a despeito dos ideais progressistas, permanece formalmente preso ao passado — o outro inova em termos formais, utilizando-se de recursos (o coloquialismo, por exemplo) que o incluiriam na modernidade literária brasileira.
Chico Viana é doutor em teoria literária, professor e escritor
Ninguém consegue raciocinar bem quando seu coração está dominado pelo ódio. A raiva fecha a mente e limita a capacidade de refletir e pensar. Quem se dispõe a ser vitorioso em qualquer que seja a causa que abrace, a primeira coisa a fazer é procurar não alimentar sentimentos que extravasem agressividade. Não se combate o adversário com chances de sucesso, ofendendo, desrespeitando, achincalhando.
2020 está terminando e pelo visto o cinquentenário de “O nariz do morto”, de Antonio Carlos Villaça, vai passar em brancas nuvens. Mas agora não mais, pois, modesto que seja, este texto se propõe celebrar o importante acontecimento literário brasileiro.
O episódio nº 9 da Pauta Cultural entra no ar na ALCR TV com atualidades do mundo cultural, participação dos autores, leitores e telespectadores do Ambiente de Leitura Carlos Romero.
A fadiga das segundas-feiras é um fato interessante e pontua o mundo de hoje, impregnado do sentimento trivial de euforia e de mutualidade entre os seres vivos. Num final de semana quase todo mundo é feliz, a acender, automaticamente, a luzinha que há dentro de si.
"O Misterioso Caso de Styles" (The Mysterious Affair at Styles), lançado há exatamente cem anos, é o primeiro livro de Agatha Christie. Assinala a criação de um dos mais deliciosos personagens da literatura policial: Hercule Poirot, um extravagante belga, de enormes bigodes, chapéu coco, cabeça de ovo, olhos verdes, grande inteligência e uma coleção de frases de efeito, tudo embalado em 1,62m de pura ausência de modéstia. É o protagonista dos melhores livros de Agatha.
“Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio.
Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos
Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas.
(Enlacemos as mãos.)
Desenlacemos as mãos, porque não vale a pena cansarmo-nos.
Quer gozemos, quer não gozemos, passamos como o rio.
Mais vale saber passar silenciosamente
E sem desassossegos grandes.”
Interessante como pegava seu lápis para colorir o caderno de desenho. Escolhia as cores mais alvoroçadas para pintar, por exemplo, as folhas de um arvoredo. E nos raios do sol encabulado, por trás de riscos curvos sinalizando uma montanha, largava um verde escuro sobre o astro que ficava sem condição de iluminar. Um verdadeiro eclipse verde. E assim ia colorindo a paisagem comum, onde existem árvore, casa, lago, sol.
Na manhã do dia 10 de abril de 1970, o jornal britânico Daily Mirror estampava, na sua primeira página, em letras enormes, a manchete que dizia "Paul is quitting The Beatles" (Paul está saindo dos Beatles). A matéria correspondente à manchete do jornal continha uma curta e terminante declaração de Paul McCartney:
“Para escrever bem é preciso uma facilidade natural e uma dificuldade adquirida”. Não lembro onde li. Mas é o que vejo na crônica aparentemente fácil de Luiz Augusto de Paiva, bom contador de história, paraibano depois de nascido em São Paulo, trazendo de lá, com botas de sete léguas, a soltura de Brás, Bexiga e Barra Funda a se confluir nas mesmas águas do rio Paraíba do nosso Zé Lins. Às vezes é crônica, outras é conto, num caso e noutro a prosa solta, sem amarras adquiridas, o leitor sem notar que está mergulhado.
No começo da semana meteu-se com dois meninos de praia que não passavam dos sete anos, os meninos atrás do cachorrito e o grandão do Paiva atrás deles. Atrás nos passos, no brechar da janela, nos mandados do menino que ele deve ter sido. Uma verdadeira perseguição de ternura.
E o leitor não fazendo por menos ou fazendo do jornal sua praia por conta da prosa solta, livre e sempre lírica desse narrador seguro que lembra o nosso Anco Márcio, que era mais preso, esquecido por nós que organizamos a última coletânea de prosadores paraibanos, inciativa da SEC do tempo de Neroaldo. Mas o esforço de Anco para atingir o pueril não saía tão disfarçado.
Escrevendo como se não escrevesse, apenas contasse, Luiz Augusto de Paiva traz de suas nascentes o conto-crônica que aqui se inaugurou com Silvino Lopes, nos anos 1940, nesta mesma A União que o contribuinte paga sem sentir, talvez nem muito consciente de sua obediência a um ditame de raiz. Desde o segundo decênio do século passado que a leitura, quando exigência do espírito, vem sendo liderada pelo jornal de Gama e Melo, Carlos Dias, José Américo e a descendência que os tomou como exemplo.
Foi onde Paiva veio deitar e bordar. Houve outro paulista ou paulistano, primeiro gerente da Santista no nosso Distrito Industrial, que comprava A União, menos pela notícia disputada por dois ou três outros diários, como para se identificar com o comportamento do paraibano. Chamava-se Armando Abreu, gostava de árvores, e no tempo em que a Torre era mais de casebres que de lojas comerciais, foi nela que escolheu sua morada, olhando para as biqueiras de Carlos Romero.
Paiva saiu da Barra Funda, do Brás, da Bexiga para vir se aninhar entre os meninos que somos todos nós, de 7 a 80 anos, todos capazes de botar luto porque a Chiquita comeu o que não devia e morreu. Foi um trabalho danado para o grandalhão dar a notícia aos meninos seus colegas.
Na tradição que relata os primórdios da história romana, o mito do rapto das Sabinas é fundamental para a consolidação de Roma como cidade que, de acordo com as profecias, deve sobreviver e dominar o mundo. Sem o rapto, Roma não só não cresceria, como não transmitiria a sua descendência.
Durante um certo período, a crônica foi considerada um gênero de quem jogava
conversa fora. Pouco a pouco, porém, parte do público leitor deixou de fazer
ouvidos moucos e passou a ser todo ouvidos para os que investiam nessa
modalidade literária. Adquirindo, pois, um certo prestígio, uma certa reputação,
além de ser considerado um gênero que deitou raízes profundas no solo
brasileiro, nele se adaptando e ganhando cidadania, arregimentou muitos adeptos,
desde José de Alencar, passando por Machado de Assis, João do Rio, até chegar a
Rubem Braga, Fernando Sabino, Eneida, Raquel de Queiroz, Paulo Mendes Campos,
Veríssimo e muitos outros. Hoje, o gênero está plenamente consolidado,
decorrendo daí o prestígio que desfruta entre críticos e leitores.
Em viagem, sou sempre mais seduzida pelos pequenos lugares. Claro que ninguém resiste a uma metrópole, mas um lugarzinho incrustado em alguma curva na beira do rio é sempre tentador, por proporcionar passeios mais lúdicos.
Gostaria de pontuar alguns desses recantos que visitei e me fizeram dormir feliz, imaginando que minha cota de turismo estava plena:
Túnel sob o rio Severn
Bath
Fomos de trem de Cardiff para Bath. Passada uma hora de viagem, de repente tudo ficou escuro. Percebi que havíamos entrado num túnel. Respirei fundo para não deixar minha claustrofobia me sufocar. Quando olhei para os lados, enxerguei uma parede colada à janela e nada do túnel terminar. Que montanha grande, exclamei! Que montanha que nada! Descobri, em seguida, que havíamos atravessado o imenso estuário do rio Severn, por debaixo d'água. Ai minha claustrofobia! Foram 15 ou 20 minutos de escuridão.
Bath é uma das mais lindas cidades inglesas, toda pincelada por resquícios dos romanos, que lá deixaram maravilhas, como: os Thermae Bath Spas; o Walcot Parade, do período georgiano, com arquitetura imponente e outras relíquias; a Bath Abbey, catedral de estilo gótico; jardins majestosos; a ponte Pulteney, de 1770, que cruza o rio Avon (sim, o mesmo rio de Stratford-Upon-Avon, a cidade de Shakespeare); muitos cafés lotados; lojas de fudges, antiques, cornish bakehouses e ruelas floridas para nos perdermos e nos acharmos a toda hora, como nos orienta o arquiteto Legorreta.
Encontrei a loja onde, há 11 anos, tinha comprado cartões de Virginia Woolf, Oscar Wilde, Isadora Duncan em que se lia: "Qualquer mulher inteligente que leia o contrato do casamento, e mesmo assim se casa, merece todas as consequências" (Any intelligent woman who reads the marriage contract, and then goes tinto it, deserves all the consequences). Ainda bem que os tempos mudaram desde as danças sensuais da dama descalça. Desta vez, comprei um cartão menos tenebroso, da musa do cinema do artista Hermano José, Greta Garbo, com a frase: "Será que tem alguma coisa melhor do que almejar por algo que se possa alcançar?" (Is there anything better than to be longing for something, when you know it is within reach?). Pois fiquei feliz em ter alcançado a felicidade desse sonho de um dia de verão.
O almoço aconteceu em um café francês, onde trabalhavam três garçons brasileiros que organizam um forró para inglês ver. Fazia um sol frio, com céu azul e uma atmosfera de alegria por aquele dia tão lindo. Mais tarde, tomamos o chá das 5 na casa mais antiga de Bath (1482), o lugar em que é servido o famoso pão de Sally Lunn. Saboreamos a receita de um tempo antes mesmo que Vasco da Gama houvesse descoberto o caminho das Índias. A arquitetura da loja é ponto de visita também, com suas paredes grossas, tetos rebaixados, quinas retorcidas e janelas típicas.
O pão realmente merece a fama, sem falar da geléia, do chá preto fumegante e do prazer de pisar naquele solo de assoalho com som abafado. Senti-me uma Tess of the d'Urbervilles, e cheguei a visualizar uma charrete na porta, e um destino (fate) não aprisionador e estóico, mas um destino como possibilidade de rememorar um passado fantasioso. Fizemos uma visita ao Jane Austen Centre, onde há uma exposição permanente com objetos que contam as experiências da escritora das ironias e das razões & sensibilidades em Bath. Lembrei da minha amiga Genilda e seus estudos sobre essa escritora tão perspicaz da sociedade Vitoriana e das angústias femininas. Fechei os olhos para visualizar as cenas de Emma, Mansfield Park, e Orgulho & Preconceito. No museu, rendas, livros, filmes, e a história dos costumes e dos enredos de Persuasão.
Narberth cidadezinha que é considerada o coração rural da região de Pembrokeshire, na parte oeste do País de Gales. Ruas estreitas, lojinhas de bijuterias, antiguidades, artcraf, pequenas galerias, loja indiana (tem henna vermelha?), um café bacana, um pub tradicional e uma delicatessen com prateleiras de azeite extra virgem do chão ao teto. A pequenina cidade é conhecida pelo seu talento gourmet. Almocei uma salada deliciosa de queijo de cabra (hum hum!!!). Cabaceiras precisa aprender a receita!
Tenby Uma praia com a cara da Cornualha, também na região de Pembrokeshire, famosa pelo porto cheio de barcos e suas casas em estilo Georgiano. O domingo estava frio, cinzento, mas, mesmo assim, havia muita gente na rua. Fomos passeando a esmo e demos de cara com uma casinha com uma placa: George Eliot (pseudônimo da escritora Mary Ann Evans) escreveu aqui seu primeiro romance. Uma foto – click! Ventava, e nas fotos estamos todas com o cabelo arrepiado – As garotas dos Morros Uivantes! Provamos crocs (sapato de borracha, tipo alemão/holandês Beirkenstock) de todas as cores, mas saímos de mãos vazias – milagre! Ali perto, uma galeria/papelaria de arte. Cartões dessa paisagem dos filmes ingleses de romance do século XIX. Na volta para casa, um curry "para viagem". Tudo apimentado. Tudo delícia.
Southerndown Fica na região leste de Gales. Uma praia do patrimônio de Glamorgan, que tem a segunda maior maré do mundo, ou seja uma beira-mar imensa, com suas nervuras na areia, coberta de seixos (pebbles) cinzas aveludados. Trouxe um balde deles para misturar com os objetos de arte popular da minha sala. Sempre que eu olhar aquelas pedras macias, vou me sentir novamente A filha de Ryan. A beleza da enseada também se faz pelos penhascos, pelas trilhas e pelas ruínas de castelos. Passear nessa praia, onde já fui outras vezes, proporciona a sensação de esta em um cenário de filme. Cheguei a ver a mulher do tenente francês toda de preto sob uma chuva fina, e com um guarda chuva preto, com seus olhos fixos para o outro lado da margem, à espera de um amor que nunca chegava. Almoçamos num pub antigo, daqueles com o telhado de palha (thatched cottage), onde me deliciei com um típico sanduíche de bacon crocante, salsichas da casa, vinho tinto, morangos frescos e um café expresso. No jantar, uma guloseima feita com o carinho de irmã: couscous marroquino com verduras/legumes assados (erva doce, abobrinha, alho poró, mandioquinha). Um rosé gelado e um spounge de laranja. A felicidade até que existe!
Cowbridge Localizada no Vale de Glamorgan, que parece nome das estórias de Harry Porter... ou talvez das Brumas de Avalon?. Fui a primeira vez nessa linda cidadezinha pitoresca, no sul do País de Gales, há mais de 34 anos. Encantei-me com as lojinhas sofisticadas (comprei uma bolsa de oncinha, antes de virar fashion, com a qual tenho ido às festas, desde casamentos aos desfiles do bloco Cafuçu). Admirei os wine bars e as balaustradas floridas de suas casas tão típicas, tão britânicas. Dessa vez, fomos numa ruela, a mesma de anos atrás, e tirei uma foto no mesmo lugar. Gosto de fazer isso – Repetição com Diferença! Lembro que, em 1975, visitando Londres pela primeira vez, estive na feira de antiguidades de Portobello, em Notting Hill, e lá tirei uma foto com um rapaz deficiente visual, que tocava sanfona. Dez anos mais tarde, por ocasião de uma outra visita, também no domingo, lá estava ele, na mesma esquina, com a mesma sanfona, mas com seus cabelos já brancos e encardidos. Apresentei-me e disse-lhe de onde vinha, e que o conhecia por meio dos meus álbuns de fotografias. Emocionado, ele me abraçou, tirou outra foto e tocou uma música só para mim. Já acreditava em acaso e aí fiquei perplexa com os encontros & desencontros dessa vida das não-coincidências.
Brecon Um lugarejo escondido nas montanhas (Brecon Beacons) e à beira do rio Usk. No caminho um castelo erguido num penhasco, corredeiras e cheiro de mato. Fomos de carro e, assim, pudemos apreciar a paisagem, com um guia turístico particular, minha irmã Teca, que nos mostrava cada palmo por onde corria nas maratonas de que é adepta. Nesse cenário bucólico, avistei novamente Meryl Streep e seu personagem da Mulher do Tenente Francês, dessa vez, sentada no bosque a desmanchar os cabelos para o personagem de Jeremy Irons, que enlouquecia de desejo, já não sabendo mais distinguir a bruma tênue das fronteiras do que fosse ficção e realidade.
Acontecia em Brecon, naquele sábado de agosto, o Festival Anual de Jazz, com concertos ao ar livre e em tendas espalhadas na cidade. Uma espécie de FLIP da música. Entrávamos e saíamos das tendas, dançando ou cantarolando, estalando os dedos aqui e ali... Fazia calor, um sol forte, as pessoas animadas com suas canecas de chope e, pelas ruas, como é de praxe, aconteciam shows paralelos e alternativos. Um parque imenso com quiosques de hot-dogs, goulash, comida chinesa, indiana, e pessoas esparramadas em seus piqueniques, ao som de gaitas, de blues ou de uma nota qualquer. De repente um desfile, uma paradam um gingado. Barraquinhas com roupas e acessórios, camisetas do evento e uma outra casa coberta de ramas cor de vinho (seria o outono que já se anunciava?)…
Voltamos à noitinha. Quando chegamos em casa, meu cunhado estava a cantarolar música brasileira, enquanto cozinhava lentilhas com especiarias e servia mais um vinho tinto, com velas na mesa. Acho que o coletor de resíduos deve ter ficado curioso com aquela casa, onde todas as noites havia sempre uma garrafa de vinho seca no portão...
E de vinho em vinho, de palmo em palmo, de esquina em esquina, de chá em chá, de quiche em quiche, de paisagem em paisagem, de susto em susto, de desejo em desejo e de lugares em lugares, naquela noite fui percorrendo meu mapa, minhas (des)orientações e minhas chegadas e partidas.
Diante da realidade das perseguições espirituais, consequentes do atraso moral da humanidade, há de se indagar como se prevenir das obsessões.
A obsessão para se instalar depende da sintonia entre perseguido e perseguidor. É dessa comunhão de pensamentos que se deve afastar. Para tanto, somente a elevação dos sentimentos e dos pensamentos criará a devida proteção contra as investidas dos obsessores. Nesse contexto, surge a prática do bem pela vivência da caridade que se constitui na mais eficaz ação preventiva das obsessões.
Caridade e humildade, tal o único caminho da salvação. Egoísmo e orgulho, tal o da perdição. Este princípio se acha formulado em termos precisos nas seguintes palavras: “Amarás a Deus de toda a tua alma e a teu próximo como a ti mesmo; toda a lei e os profetas se acham contidos nesses dois mandamentos.” E, para que não haja equívoco sobre a interpretação do amor de Deus e do próximo, acrescenta: “E aqui está o segundo mandamento que é semelhante ao primeiro”, isto é, que não se pode verdadeiramente amar a Deus sem amar o próximo, nem amar o próximo sem amar a Deus. Logo, tudo o que se faça contra o próximo é o mesmo que fazê-lo contra Deus. Não podendo amar a Deus sem praticar a caridade para com o próximo, todos os deveres do homem se encontram resumidos nesta máxima: “fora da caridade não há salvação”.
Vemos, assim, que a prática da caridade é veículo para o crescimento espiritual. Pela caridade o indivíduo vence o orgulho e o egoísmo, que retardam o progresso, estabelecem conflitos entre indivíduos e povos, fazendo-se com que se cerre os olhos às necessidades alheias. Praticar a caridade é fazer o bem, sem distinções ou preconceitos. Engloba tudo o que se possa fazer a outrem, em forma de bondade e amor. Vai desde o ato de socorrer a fome, agasalhar o desabrigado, e outros gestos materiais, passa pelo esclarecimento intelectual e espiritual, de elevado poder libertador, e se completa com renúncia de si em favor do próximo.
Por vezes ainda se despontam aqueles que creem que caridade é ato de quem oferece esmola. Allan Kardec demonstra que é muito mais:
Qual o verdadeiro sentido da palavra caridade, tal como Jesus a entendia?
Benevolência para com todos, indulgência para com as imperfeições dos outros, perdão das ofensas.
Caridade, assim definida, vai muito além da oferta de recursos materiais, para alcançar as relações interpessoais. Para a perfeita apreensão do sentido mais elevado da resposta acima, cumpre analisar: benevolência, indulgência e perdão das ofensas, na visão dos Espíritos superiores.
1. BENEVOLÊNCIA
Entende-se por benevolência toda disposição favorável com o próximo. A cordialidade, a tolerância, a benignidade são seus consentâneos. Benévolo é o que demonstra afeto, amizade, fraternidade, respeito. Emmanuel pondera a respeito:
A caridade é sublime em todos os aspectos sob os quais se nos revele e em circunstância alguma devemos esquecer a abnegação admirável daqueles que distribuem pão e agasalho, remédio e socorro para o corpo, aprendendo a solidariedade e ensinando-a.
O aviso do Instrutor divino nas anotações de Lucas357 significa: dai esmola de vossa vida íntima, ajudai por vós mesmos, espalhai alegria e bom ânimo, oportunidade de crescimento e elevação com os vossos semelhantes, sede irmãos dedicados ao próximo, porque, em verdade, o amor que se irradia em bênçãos de felicidade e trabalho, paz e confiança, é sempre a dádiva maior de todas.
Pela interpretação de Emmanuel, benévolo é o que distribui o sustento ao corpo, no aprendizado e no ensino da solidariedade. Mas é, também, o que distribui alegria, bom ânimo, esperança em benefício do próximo.
2. INDULGÊNCIA
Indulgência é a capacidade de ser tolerante com as ações ou imperfeições dos outros. É agir com bondade, fraternidade, solidariedade e misericórdia nos relacionamentos pessoais.
No livro Pão Nosso (, consta as seguintes observações:
Sejamos compreensivos para com os ignorantes, vigilantes para com os transviados na maldade e nas trevas, pacientes para com os enfermiços, serenos para com os irritados e, sobretudo, manifestemos a bondade para com todos aqueles que o Mestre nos confiou para os ensinamentos de cada dia.
Busquemos o amor fraterno, espontâneo, ardente e puro.
A caridade celeste não somente espalha benefícios. Irradia também a divina luz.
Indulgência é entendimento, compreensão, é colocar-se no lugar do outro para procurar compreender suas ações e deslizes. A indulgência não prescreve a conivência com os erros alheios, mas determina que possamos auxiliar o próximo a se corrigir, sabendo que o mal é um estado transitório.
3. PERDÃO
Perdoar é esquecer as ofensas de forma incondicional. No livro Pensamento e vida, Emmanuel afirma: “[...] o perdão será sempre profilaxia segura, garantindo, onde estiver, saúde e paz, renovação e segurança.” Em outra obra, o mesmo autor fala sobre o perdão:
Os expoentes da má-fé costumam interpretar falsamente as palavras do Mestre, com relação à resistência ao mal.
Não determinava Jesus que os aprendizes se entregassem, inermes, às correntes destruidoras.
Aconselhava a que nenhum discípulo retribuísse violência por violência.
Enfrentar a crueldade com armas semelhantes seria perpetuar o ódio e a desregrada ambição no mundo.
O bem é o único dissolvente do mal, em todos os setores, revelando forças diferentes.
Jesus, todavia, nos aconselha a defesa do perdão setenta vezes sete, em cada ofensa, com a bondade diligente, transformadora e sem-fim
O perdão constitui-se dissolvente do mal, base da saúde emocional, fator de proteção espiritual e equilíbrio do ser humano. Nessa perspectiva é ato unilateral, que dispensa a concordância do outro. Se o desafeto for incapaz de perdoar, o tempo haverá de clarear-lhe a consciência, mostrando-lhe a impropriedade da vingança, do ódio e da mágoa.
Allan Kardec ensina a orar pelos que nos perseguem, nisso constituindo mérito para o obsidiado, que lhe abreviará a expiação. Emmanuel, por sua vez, complementa:
Reportamo-nos aos companheiros tímidos e vacilantes, embora bem intencionados, para concluir que, em todas as tarefas humanas, podemos sentir a presença do Senhor, santificando o trabalho que nos foi cometido. Por isso, não podemos olvidar a lição evangélica de que seria abençoado qualquer esforço no bem, ainda que fosse apenas o de ministrar um copo de água pura em seu nome
4. A PRÁTICA DA CARIDADE COMO MEDIDA PREVENTIVA DA OBSESSÃO
O espírita, onde, quando e como se encontre, deve filiar-se a uma atividade que lhe exercite a prática da caridade, buscando aquela com a qual guarde maior afinidade, na própria Casa Espírita ou em outra instituição; ou mesmo na comunidade, em organizações governamentais ou não governamentais. O importante é incorporar o exercício do bem nas atividades corriqueiras da vida.
O médium, em especial, por necessitar melhor compreender os Espíritos sofredores, exercitam esta compreensão em atividades junto aos sofredores encarnados. Aliás, não se justifica que o espírita, médium ou não, sob quaisquer pretextos, se limite apenas a adquirir conhecimento sem, contudo, colocá-lo em prática.
Ir ao encontro dos que sofrem, amenizar-lhe a dor das provações, às vezes muito dolorosas, é dever moral de cada adepto do Espiritismo. Somente assim estará apto para desfraldar a bandeira do Espiritismo — Fora da Caridade não há Salvação —, com firmeza e sinceridade, sobretudo no meio onde o sofrimento campeia: órfãos e crianças abandonadas; jovens transviados; idosos desamparados; famintos desesperados; enfermos, da alma e do corpo, prisioneiros da dor; legiões de almas perdidas nas viciações de todos os matizes, alienados da vida…
Sejamos, então, cada um de nós, em qualquer posição que ocupemos na vida, um bom samaritano, como ensina a belíssima parábola ensinada por Jesus, (Lucas, 10:30 a 35), a partir da qual Humberto de Campos (Irmão X) apresenta estas conclusões:
Em todos os tempos, há exércitos de criaturas que ensinam a caridade; todavia, poucas pessoas praticam-na verdadeiramente. [...] É por isso que a caridade, antes de tudo, pede compreensão. Não basta entregar os haveres ao primeiro mendigo que surja à porta, para significar a posse da virtude sublime. É preciso entender-lhe a necessidade e ampará-lo com amor. Desembaraçar-se dos aflitos, oferecendo-lhes o supérfluo, é livrar-se dos necessitados, de maneira elegante, com absoluta ausência de iluminação espiritual. A caridade é muito maior que a esmola. Ser caridoso é ser profundamente humano e aquele que nega entendimento ao próximo pode inverter consideráveis fortunas no campo de assistência social, transformar-se em benfeitor dos famintos, mas terá que iniciar, na primeira oportunidade, o aprendizado do amor cristão, para ser efetivamente útil.
É melhor ser alegre que ser triste, já dizia o poetinha.
Mas o mundo anda tão triste, né, gente?
Ninguém repara nos olhos da amada. Afinal, para alguns idiotas ela nem é mulher...
Ninguém mais pensa nas crianças mudas telepáticas...
É que, de repente, mas não tão de repente, do riso, fez-se o pranto.
É que depois de tanto erro passado, é preciso conjugar o verbo no infinito.
Lembrar que o bom samba é uma forma de oração.
Dia 19 último foi o aniversário de nascimento de Vinícius de Moraes. Em sua homenagem meu Vini ganhou seu nome.
Lembro que um amigo, na época em que Vini teve seu nome escolhido (ainda não havia nascido), fez muxoxo, dizendo que era nome de intelectual.
Não sabia ele que Vinicius, o poeta, não era do agrado dos intelectuais, porque era alegre, amava as mulheres de verdade (não na base da idealização) e não vivia como um sorumbático macambúzio, como querem que sejam os poetas.
E que Vinícius, o meu filho, já nasceu eterno, e não chama. Parabéns ao poetinha!
Sobre poesia, vou falar algumas histórias de bastidores, sem citar nomes, mas casos reais:
Começar citando o caso de um poeta que era ignorado pelas vanguardas poéticas.
Ele fazia sonetos, e isso é algo imperdoável para alguns ditos vanguardistas.
Era muito talentoso, mas sofria esse preconceito (sim, poetas são preconceituosos com os próprios poetas).
Para romper a bolha, escreveu poemas na linha dos que o rejeitavam.
Poemas "inventivos", com frases verbais pulando de um verso pra outro. Como se fossem separação de sílaba, saca,?
Foi, então, aceito pelo grupo. Passou a ser considerado poeta pelos que o criticavam, que até passaram a publicar seus poemas em suas revistas.
Ele, enquanto isso, ria do acontecido e voltou a fazer sonetos.
Linaldo Guedes é mestre em ciências da religião, jornalista e poeta
A mãe,
nenê no ninho,
olha,
no espelho – com muito carinho – a bela boca nada neutra,
pronta pr´outra.
quem não vê,
numa fábula de Esopo,
a versão... virtual.. de um filme de animação?
Conta-se que no século XVIII um certo credor alemão, ao receber como pagamento informal um pacote com algumas partituras, espantou-se ao abri-lo. Familiarizado com a linguagem musical, foi capaz de ouvir a orquestra inteira no que viu ali escrito, de forma sublime. Como seria possível que obras tão belas estivessem sendo assim perdidas, trocadas como moeda comum, sem atribuição nem relevância?
Aprendi com o jornalista Dulcídio Moreira que a elegância dos sapatos distingue tanto ou mais quanto a dos bons ternos. Um sapato cego, sem brilho nem classe, podia derrotar um terno inteiro de casimira ou de linho irlandês, luxo que não devia faltar no guarda-roupa da usina ou do alto comércio. Veja-se uma foto de evento político ou oficial dos anos 40, com Virginio Veloso, José Américo, Argemiro, Renato Ribeiro, de grupos políticos diferentes, mas alvejando iguais no diagonal york-street ou no linho irlandês.
Alice desistiu de procurar a Rainha, mas não estava nada satisfeita com as mudanças de tamanho. Era muito doloroso não saber como ia acordar no dia seguinte. Caminhava pelo bosque com esses pensamentos tristes, quando viu ao lado da trilha um homem sentado diante de uma mesa sobre a qual havia um papel em branco. Era o Escritor. Resolveu lhe falar:
O dourado majestático que ornava a madrugada prometia um chuvisco. Sacolejando no cubículo lá da rabeira, embalado pelo ronco contínuo do motor, o menino acompanhava pelo vidro traseiro as duas esteiras simétricas, entrecortadas pela fumaça do escapamento, que os pneus da velha Rural abriam na estrada. E fundia a cabeça imaginando que espantosa força motriz era capaz de impulsionar, a tamanha velocidade, aquela fubica torta sem desmontá-la, desafiando todas as leis da Física.