— “Por que vocês não fazem uma homenagem a ele?”
Sim, por que não? Dada Novais e eu caímos imediatamente em campo, buscando novas adesões. Uma das primeiras foi a nossa saudosa Gorete Zenaide, que se propôs a organizar uma das suas singelas festas para homenagear o mestre.
Logo surgiu o blog “Eu conheço Alessio Toni”, presidido por Neiliane e Marília Maia. A partir daí a idéia da homenagem esparramou-se pelo litoral de João Pessoa, do Elite Bar à Toca do Coelho, passando pela boate Casablanca. Foi muito comentada nas matinais da sede do Clube Cabo Branco de Miramar e nos assustados da Vila Militar.
Não se falou em outra coisa nos recreios do Colégio Pio X e do Liceu Paraibano. Tamanho o frisson, deu briga na saída do Colégio das Lourdinas e na matinê do Clube Astréa. Virou "ouví-dizer-que" no cachorro quente de Tibúrcio, em Jaguaribe.
A idéia tornou-se uma bola de neve. Foi motivo de assunto do Dr. Arnaldo Tavares e também de bate-boca no xadrez e no baralho do Clube Cabo Branco. Circulou à boca miúda nas aulas de Direito Penal de Chico Espínola. Foi comentada no Havaí Drinks, que ficava acima da sorveteria Canadá, lá no Paraíba Hotel. .
Do caldo de cana do Querubim Bar a notícia desceu até chegar à Maciel Pinheiro, onde foi o tema mais comentado. Foi a causa de uma briga de Ivo Bichara, no Bar Tabajaras. Daí chegou fácil até o Bar do Merêncio, lá embaixo, no Porto do Capim, entre um caranguejo e uma cachaça.
Oh bendita ideia, esta da Ilma! Na noite da homenagem, os inúmeros fãs de Alessio Toni congestionaram o restaurante do Cabo Branco. Neiliane, então, encarregou-me de fazer a saudação ao professor. Era pra ter sido uma peça formal. Mas... Formalidades nunca combinaram com a minha personalidade. E deu o que vocês verão a seguir.
Tudo começou bem lá atrás, quando no final dos anos 1930 um jovem engenheiro italiano veio a trabalho a João Pessoa, para implantar a fábrica de óleo Sol Levante, do Conde Francesco Matarazzo. Era Dr. João Batista Toni, que, apesar de italiano, nascera em São Paulo.
Seus pais, Giovanni Toni e Carolina, haviam emigrado para o Brasil, mas não se adaptaram à cidade grande e retornaram à Itália quando o pequeno Giovanni Battista tinha apenas um ano de vida.
Lá na Toscana residiram na pequenina vila rural, Campori, próximo a Piéve Fosciana e Castelnuovo, onde Giovanni cresceu.
Em sua mocidade, quando estudava engenharia na Real Universidade de Pisa, Dr. Toni conheceu e tornou-se um grande amigo do romano Enrico Fermi, aluno de Física, e que depois viria a ser mundialmente conhecido como o Pai da Bomba Atômica.
Concluido o curso superior na Itália, os Matarazzo, amigos e sua família, trouxeram-no para trabalhar no Brasil. Já aqui na nossa cidade, apaixonou-se pelo clima. E pela jovem Dulcelina, natural da cidade de Mamanguape, filha de Dona Carmina e aluna da Escola Normal (onde hoje é o Palácio da Justiça), que se localizava no Pátio do Colégio, hoje Praça João Pessoa.
Após a construção da fábrica de óleo, ele foi chamado de volta a São Paulo pelo Conde Matarazzo. Dr. Toni, então, casou-se por procuração com Dona Dulcelina, aprofundando ainda mais as suas raízes na Paraíba. Residindo em João Pessoa, tornou-se o ilustre professor de Grafostática na Escola de Engenharia, na Praça Barão do Rio Branco.
Acontece que o primogênito do casal Dr. Toni e Dona Dulcelina, é Alessio. Na juventude, ele era um dos amigos inseparáveis de meu irmão mais velho, João Espínola Neto. Sem demérito para tantos amigos que João Neto tinha, os inseparáveis eram, além de Alessio, Antonio Sérgio Tavares e Guilherme D’Ávila Lins, que estavam sempre presentes às deliciosas tardes musicais da então mui célebre Rua da Palmeira, 657, hoje Rua Rodrigues de Aquino.
A minha amizade com Alessio faz parte de um espólio de amigos que herdei de meu irmão, em cuja companhia testemunhei muitas coisas boas acontecerem na capital paraibana. Uma delas foi a chegada da Bossa Nova, trazida por João Neto, Alessio e Sérgio Tavares, nos long-plays que eles compravam não-sei-onde.
Uma das minhas lembranças mais sublimes dessa época foi um momento típico de um filme italiano: o fim de tarde de um sábado, acho que num mês de setembro, na cobertura da casa do Dr. Toni. Eu devia ter uns 12 para 13 anos e vestia uma camisa Banlon vermelho-escuro. Nessa tarde aconteceu um sarau. Para um novel adolescente, que nunca havia participado de um evento como esse, o momento foi como que mágico. A tarde caía ao som de músicas lindas, especialmente do novo gênero musical, a bossa nova.
Tão marcante o momento, até hoje me lembro bem da radiola tocando algumas daquelas músicas: Consolação, Brigas Nunca Mais, Insensatez, Corcovado, O Pato (na voz chinfrim de João Gilberto). E também Samba em Prelúdio, Canção do Amor Demais, o LP Jazz Sebastian Bach, dos Swingle Singers, Manhã de Carnaval, do filme Orfeu Negro...
Eles eram apaixonados pelas mais expressivas manifestações culturais: música, teatro, artes, literatura brasileira e universal. E também eram amantes das coisas boas da vida, como aquelas tardes musicais na cobertura de Dr. Toni.
O tempo passou, e daquela turma de amigos inseparáveis cada um tomou seu rumo. João Neto tornou-se magistrado, até partir para o Infinito. Antonio Sérgio, um dos melhores geógrafos paraibanos, também já se despediu. Guilherme vem a ser médico e professor. E Alessio virou celebridade, como professor de Português.
Mais tarde tornei-me aluno de Alessio na preparação para o vestibular. Ele ministrava português como quem ensina matemática: utilizando o raciocínio lógico, concatenado. Só assim consegui aprender o máximo estudando o mínimo. Resultado: tirei 9 na prova de português!
Diz-se que foi o Padre Rolim quem ensinou a Paraíba a ler. A mim mesmo foi a professora Da. Carmita, na Praça da Independência, no ano de 1957. Mas com Alessio Toni é que aprendi a escrever português de verdade.
Suas aulas eram deliciosas: levava músicas da MPB e com elas construía as aulas a partir das letras. Às vezes ele exagerava um pouco. Por exemplo: a frase “Tinha uma pedra no meio do caminho”, de Carlos Drummond de Andrade, ouvi dele umas cem vezes, eu acho. Meu Deus!
Nos anos 1970 tive a felicidade de encontrar Ilma e dediquei-me ao curso médico, afastando-me dessas atividades culturais. Em 1978, casados, fomos embora para São Paulo, para fazer pós-graduação. Assim, perdi Alessio de vista.
Tive a satisfação de reencontrá-lo quase trinta nos depois, agora já como coordenador do Colégio PhD, onde meu filho Henrique fez o ensino médio.
Desde então o vejo pouco. Com mais frequência nos falamos ao telefone. Mas cada vez que o vejo é aquele reencontro: o bate-papo quase não termina, tantas boas lembranças acumuladas!
Ah! Quase me esquecia: a homenagem foi linda, muito concorrida, tão emocionante que deixou o homenageado de olhar marejado!
Bom, esse era o clima de minha cidade, naqueles idos dos anos 1960. Parodiando Vinícius de Moraes, ao som das meninas do Nossa Voz:
“...lembra que tempo feliz, ai que saudade
João Pessoa era só felicidade
era como se o amor dormisse em paz...!”