Nas imediações da cidade de Conceição, num recanto sossegado na beira das serras que separam Paraíba e Ceará, próximo de Pernambuco, de so...

As mesmas mãos calejadas

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Nas imediações da cidade de Conceição, num recanto sossegado na beira das serras que separam Paraíba e Ceará, próximo de Pernambuco, de solo bom para a produção agrícola, deparei-me com homens de mãos calejadas e uma vontade imensa de trabalhar, como acontece em outras regiões paraibanas. Sem a terra, mantém-se na mesma sujeição do tempo das senzalas e da chibata. Tudo o que produzem é dividido ao meio com o dono das terras.

As vastas capoeiras adormecidas e os terrenos férteis cortados por riachos, lugares despovoados, como são a grande parte rural de nosso Estado, recordam que a vida severina cantada pelo poeta pernambucano continua presente.
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Acreditando no tempo que haverá de vir para o cultivo de sua lavoura, essas pessoas desejam tirar dali o sustento da família do pouco que plantam. Imitando o gesto do povo de Israel há alguns milênios, esses que agora estão perto de nós, esperam por algo novo em suas vidas.

Nas encostas, subindo e descendo morros, em toda a extensão do Brejo, partindo das terras de Serraria, passando por Pilões e Areia até chegar em Lagoa Nova, em tempos passados, o canavial predominava, dando suporte à burguesia rural. A partir dos anos de 1964, com a degola do projeto imaginado por Celso Furtado, o que se viu foi o desmoronamento social nas classes trabalhadoras desabastecidas do saber, com uma crescente debanda do homem rural para a ponta das ruas.

Mas como mudar se ninguém ajuda! As senzalas de hoje são as pontas das ruas. A chibata mudou de mão, modificaram-se os modos de trato. As bolsas distribuídas trouxeram alento, mas não saciaram a fome de pessoas, esses seres humanos que continuam farrapo de gente. Uns poucos restantes no campo se deparam com dificuldades e, às vezes, sequer têm uma nesga de terra para plantar seu roçado.

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Naquela manhã em que estive diante de uma família — pai, filhos e genro — que cuidava de roçado, recordou-me o povo de minha terra de canaviais, hoje resumido na sobra sobreviventes do banguê. Numa pequena várzea fértil em terras sertanejas, à época com água abundante, cidadãos enfiavam as mãos na terra para arrancar o fruto do trabalho, o roçado de batata-doce cultivado no sistema de “meia”. O dono do ficando com a metade do que plantavam e colhiam. A velha fórmula do roçado de meia repetida, alimentada e nunca combatida pelos políticos que ciscam em seus terreiros quando catam votos.

Num olhar pelos assentamentos de agora, percebe-se que existem muitos lotes sem a devida função, enquanto naquela área do sertão silenciosos homens querem trabalhar e não têm uma nesga de terra. A terra seja doada a quem deseja fazer o bom uso dela.

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Durante a manhã em que estive no município de Conceição, por um instante contemplei aqueles homens de mãos retalhadas pelo sopapo da enxada, de tanto escavacar o massapê. A mão grossa por causa de tanto roçar mato. Sentados à sombra de um juazeiro, deram-nos para comer batata assada e uma caneca com café. Ao redor, enquanto nos escondíamos do sol sob a sombra da árvore existente na beira do roçado, degustando a refeição do meio-dia, na copa das baraúnas e dos juazeiros, pássaros completavam nossa conversa com cânticos que pareciam sinfonias.

Acenarei a estes agricultores com palavras de esperança porque é a mesma nossa dor, uma dor milenar que Moisés soube confortar. Dor dos que limpava partidos de cana e roçados de feijão, em Serraria. Nossa sina está traçada. Canto, partilhando a mesma ansiedade e indignação, acariciando os filhos e netos, com as mesmas mãos calejadas.

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  1. Caro, José Nunes, sua deliciosa crônica evocou em mim as plantações de milho, feijão e fava no povoado 'Bastiões'- onde parentes meus eram meeiros de roçados - distante cerca de seis kilômetros de Alagoa Grande(PB). O trajeto era feito pela via férrea.
    Saudade imensa da galinha caipira torrada em panela de barro + feijão verde com farinha de mandioca, em bolos feitos à mão.(rsrs)

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