Hoje, domingo pela manhã, acordei cedo e fui caminhar na orla, como é de costume. Antes de voltar para casa fui ao supermercado comprar b...

Sonho de uma manhã de verão

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Hoje, domingo pela manhã, acordei cedo e fui caminhar na orla, como é de costume. Antes de voltar para casa fui ao supermercado comprar banana, minha fruta preferida. Aproveitei para comprar ricota, presunto de parma, um vidrinho de molho de caponata e um vinho tinto português. Depois de fazer a limpeza habitual dos alimentos por causa da pandemia e logo após o banho, preparei um coquetel de tequila Jimador com Le Jirop de Monin de gengibre, um xarope francês e suco de um limão. Preparei os ingredientes, fui para a sala de visitas e liguei o YouTube na minha TV. Imediatamente sintonizei o vídeo de Chico César
no qual ele canta “O Miaêro” de sua autoria e “Espumas ao vento” de Accioly Neto.

Para mim essas canções estão no meu sangue nordestino. Aliás, também está presente, o estilo espanhol Novo Flamenco pois, meu bisavô era espanhol, originário da região do País Vasco, localizada no extremo norte desse país. Deve ser por isso, que muito aprecio os vídeos do guitarrista argentino Alex Fox e de Armik, guitarrista e compositor americano-iraniano-armênio desse novo estilo de música. Nós, brasileiros, somos uma raça especial, uma grande miscigenação. Ainda valem música clássica, óperas famosas e músicas românticas mexicanas, todas essas absorvidas na minha infância devido à influência de meu pai. Ele possuía uma vitrola que sempre estava funcionando com os discos de vinil da época (long-play de 12 polegadas, 33 1/3 rpm), sempre a tocar esses três tipos de músicas citadas. As principais obras de Chopin foram as que ainda permanecem muito fortes na memória, já desgastada pelo tempo. Chopin, pianista polonês radicado na França, faz parte dos grandes músicos do Romantismo Musical (1800 a 1900), incluindo Schumann e Lizt, cujas principais características eram o individualismo.


Maravilhoso! Comecei a bebericar meu trago desfrutando a música e provando os tira-gostos que havia comprado, seguidos de um pão italiano esquentado numa torradeira elétrica. Que delícia! Estava feliz escutando os sons que vão diretamente ao fundo de meu coração fazendo-me esquecer de toda esta terrível pandemia e de suas consequências que nos assolam diariamente.

Foi aí que lembrei. Quantos brasileiros têm o privilégio que tenho? Quantos brasileiros estão desempregados nesse momento com suas famílias numa penúria total? Segundo o historiador Yuval Noah Harari, autor de “Notas sobre a pandemia”, Companhia das Letras, 2020, enfrentamos uma crise aguda mundial motivada não apenas pelo coronavírus, mas também pela falta de confiança entre os seres humanos. Nosso principal problema não é o coronavírus, e sim, nossos demônios interiores com destaque para o ódio, a ganância e a ignorância.
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Não podemos reagir a esta crise propagando ódio, explorando a oportunidade para aumentar os lucros, disseminando ignorância, espalhando e acreditando em ridículas teorias da conspiração. O mundo enfrenta uma crise sem precedentes, não somente devida ao coronavírus, como também, pela falta de confiança entre os seres humanos. Para derrotar esta epidemia torna-se necessário que as pessoas confiem nos especialistas, os cidadãos confiem nos poderes públicos e os países confiem uns nos outros. O compartilhamento de informações entre países é muito importante para que seja possível uma rápida derrota da pandemia. Os vírus não podem trocar informações entre si, porém um país pode ensinar valiosas lições a outro que tenha mais experiência com essa enfermidade. Um esforço global no sentido de partilhar informações entre profissionais da área médica, também é mais que louvável.

Estima-se que atualmente, vinte e sete milhões de brasileiros estejam abaixo do nível mínimo de pobreza (quase 13% de nossa população). Dados da Associação Brasileira dos Captadores de Recursos (Estadão, 07/04/2021) mostram que o volume acumulado de doações relacionadas à covid tem diminuído enormemente. O número de doadores, que em maio de 2019 chegou a 189 mil, despencou, e em dezembro foi de cinco mil. Necessitamos por isso, nos convencer cada vez mais, que precisamos aumentar nossa contribuição pessoal para tentar ajudar a minorar a triste realidade de nossos irmãos brasileiros. Não podemos esperar pelo governo.

Torna-se inacreditável comprovar a morte de mais de 570 mil pessoas em nosso país em consequência do coronavírus e saber que só recentemente, as vacinas começaram a avançar. Enquanto possuímos um mandatário negacionista, enfatizo
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um fato ocorrido às nove horas da noite do dia 12 de outubro de 1768 com a Imperatriz da Rússia, detalhado pelo premiado historiador americano Robert K. Massie, no livro “Catarina, a Grande – Retrato de uma Mulher”, p. 435-436.

[... Catarina parou de comer carne e tomar vinho dez dias antes dessa data. O médico escocês Thomas Dimsdale, inoculou nos dois braços de Catarina material retirado de um menino camponês chamado Alexander Markov acometido de varíola, a quem ela mais tarde deu um título de nobreza. No dia seguinte sentia-se saudável, exceto por um leve mal-estar. Desenvolveu um número moderado de pústulas, que secaram em uma semana...].

[... No dia 2 de novembro congratulada pelo Senado e pela Comissão Legislativa, em São Petersburgo, respondeu: “Meu objetivo foi, por meio do meu exemplo, salvar a morte de meus súditos que, não conhecendo o valor dessa técnica, amedrontados, estavam em perigo”.].

Outra das mais óbvias condições, é que todas as pessoas a nível planetário tenham acesso à água potável e saneamento. A triste realidade é que existem bilhões de pessoas ao redor do mundo sem acesso aos níveis mais básicos de saúde. Segundo a OMS, uma em cada três pessoas no mundo não tem acesso à água potável, ou seja, cerca de 2,6 bilhões de habitantes.

Considerando nosso país de dimensões continentais, e imensas desigualdades sociais e econômicas, não podemos estar otimistas nesta guerra. Quão devastada estará nossa população e nossa economia nos anos que se avizinham? Mais de 30 milhões de pessoas sem direito à água potável e 100 milhões de habitantes sem acesso a esgotos sanitários (TRATA Brasil 2018); pelo menos 12 milhões de pessoas com mais de 15 anos analfabetas (IBGE 2019) e IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) de 0,761 compilado pela ONU em 2018, quando o país ficou em 78º lugar, no mundo. Meses atrás foi comprovado por pesquisadores da UFMG que o coronavírus chega a permanecer 11 dias nas fezes dos infectados.

Infelizmente, toda sensação de alegria que estava começando a curtir durante essa breve divagação na manhã de domingo, foi esfacelada na velocidade de um raio, sendo mais uma prova, de que estava apenas a sonhar.

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  1. "Mais de 30 milhões de pessoas sem direito à água potável e 100 milhões de habitantes sem acesso a esgotos sanitários". A constatação de uma cruel desigualdade social que muitos não querem ver. Parabéns Sérgio.

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  2. Texto denso, rico, contendo informações lamentáveis porém valiosas. E uma autocrítica corajosa, revelando um caráter humano. Lição de sociologia.
    Parabens, Sergio Rolim!

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  3. Este comentário foi removido pelo autor.

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  4. O exemplo pela liderança além da credibilidade, gera confiança, tão necessária nos dias de hoje. A desigualdade social deve ser combatida, principalmente minimizando às necessidades básicas do ser humano. Texto com um bom conteúdo, e informações importantes. Parabéns, Sérgio!!👍

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  5. Obrigado a todos os amigos François, Regina, Ricardo, Flávio, Zé Mário e Otávio. Vamos torcer para nosso país melhorar.

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  6. Parabéns,meu caro Sérgio. Mais uma vez seu talento intelectual aflora num artigo tão atual e tão contundente. Vou repassar para que outros possam usufruir como eu de uma análise perfeita da realidade atual. Obrigado, amigo.

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  7. O Ambiente de Leitura Carlos Romero agradece aos leitores, autores e telespectadores pela prestigiosa participação, pelo compartilhamento, comentários sempre bem-vindos e convida a todos para que continuem nos prestigiando com sua importante e honrosa presença.

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  8. Atrasado, devido a interveniência "maledeta", só agora consigo pensar sobre o que está dito pelo Sérgio.
    Infelizmente é uma triste realidade, que nos demandará esforços muito consistentes para sua superação.
    E isto, acredito, nos demandará uma união que nas condições de hoje se me parecem difíceis.

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