Três dias depois da chamada “Proclamação da República” o jornal Diário Popular , de São Paulo, publicava um artigo do jornalista para...

As trapalhadas de um militar no primeiro governo da Paraíba na República

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Três dias depois da chamada “Proclamação da República” o jornal Diário Popular, de São Paulo, publicava um artigo do jornalista paraibano Aristides Lobo no qual ele narrava o que havia acontecido no Rio de Janeiro no dia do golpe militar que derrubara a monarquia no Brasil.
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Aristides Lobo (1838—1896), jurista, político e jornalista paraibano.
Aristides Lobo fora um dos principais defensores do regime republicano e participara ativamente das articulações que resultaram na instituição da República no país,o que fez com que ele ocupasse o cargo de Ministro do Interior no primeiro governo republicano. No seu artigo, Aristides Lobo relatava a apatia da população carioca com a movimentação das tropas na cidade naquele dia 15 de novembro de 1889.

“O povo assistiu aquilo bestializado, atônito, surpreso, sem conhecer o que significava. Muitos acreditavam seriamente estar vendo uma parada.”

Essa frase de Aristides Lobo se tornou tão conhecida que levou o renomado historiador José Murilo de Carvalho a dar a um dos seus livros o título “Os bestializados – O Rio de Janeiro e a República que não foi” (Companhia das Letras, 1987).

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Se na capital da República que estava sendo instalada o ambiente era aquele descrito por Aristides Lobo pode-se imaginar o que estava ocorrendo nas Províncias onde as notícias chegavam pelo telégrafo de forma confusa e desencontrada. Na Paraíba, as primeiras mensagens telegráficas comunicando a deposição do imperador Pedro II chegaram no início da noite do dia 15, mas foram inicialmente consideradas como boatos. Logo depois, o jornal Gazeta da Parahyba afixou em “uma taboleta” em frente da sua redação o telegrama que recebera sobre a queda da monarquia. No dia seguinte, o jornal se reportava ao episódio:

“Hontem, logo que affixamos o telegrama noticiando os graves acontecimentos que se passam na Corte, grande massa de povo affluio para a frente de nossas officinas, onde conservou-se por muito tempo. Até alta noute conservou-se em nosso escriptorio grande numero de cidadãos de ambos os partidos, que commentavam e discutiam os acontecimentos. O povo parecia entretanto receber a noticia com indifferença, ao menos friamente”
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Charge do jornal argentino El Mosquito, edição de 24.11.1889: O imperador D. Pedro II e sua família são expulsos do Brasil pelo marechal Deodoro da Fonseca.
Provavelmente, as conversas que surgiram às portas da Gazeta da Parahyba naquela noite de 15 de novembro tratavam de uma questão muito simples. Como formar um governo republicano se não existiam republicanos na Paraíba? Eugênio Toscano de Brito, diretor da Gazeta da Parahyba e participante dos acontecimentos daqueles dias, dá um depoimento sobre a situação política paraibana nos últimos tempos do Império quando os dois partidos monárquicos, Liberal e Conservador, se revezavam no poder:

“Nunca tivemos partido, nem siquer mesmo um núcleo republicano; se havia algum republicano, êste contentava-se com o seu republicanismo platônico, subordinando, entretanto, suas idéias aos interesses deste ou daquele partido monárquico”
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Eugênio Toscano de Brito (1850—1903), médico e professor paraibano, fundador do jornal A Gazeta da Parahyba.
Para Apolônio Nóbrega, na sua História Republicana da Paraíba, “a dizer a verdade, não havia elementos para a organização do governo, com autênticos republicanos da nova ordem política do país”, o que levou o historiador Horácio de Almeida a escrever que “a República chegou à Paraíba sem ter quem a recebesse”. A frase de Horácio de Almeida era a pura verdade porque os republicanos paraibanos conhecidos militavam fora da então Província. Aristides Lobo fizera carreira política em Alagoas e depois se fixara no Rio de Janeiro. O tribuno Coelho Lisboa fora também para o Rio, de onde, em viagens pelas províncias do Sul e Sudeste, fazia entusiástica propaganda das virtudes da República. Maciel Pinheiro, o “peregrino audaz” do poema de Castro Alves, atuava em Pernambuco e faleceu seis dias antes do 15 de novembro. Albino Meira, conceituado professor da Faculdade de Direito do Recife, viera à Paraíba, três meses antes, tentar um mandato de deputado geral (o atual deputado federal) nas últimas eleições do Império e conseguira apenas 24 votos como candidato pelo Partido Republicano.

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Coelho Lisboa (1859—1918)
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Albino Meira (1850—1908)

Mas, a falta de republicanos não seria obstáculo para a implantação do novo regime em terras paraibanas porque, como escreveu o político e historiador Manuel Tavares Cavalcanti, “a Paraíba tornou-se republicana, toda de uma vez, no dia 16 de novembro de 1889”. Na presidência da Província da Paraíba estava, há pouco mais de quatro meses, o gaúcho Francisco Luiz da Gama Rosa, que fora nomeado em 16 de junho, mas somente assumira o governo na primeira semana de julho. Gama Rosa, que foi o último governante paraibano no período imperial, aguardava no palácio do governo, incapaz de qualquer ação, o desfecho da situação.

Na manhã do dia 17, conforme relato de Toscano de Brito, alguns dos “republicanos do dia 16 de novembro” que estavam reunidos na redação da Gazeta da Parahyba, que ficava na rua da Misericórdia (hoje rua Peregrino de Carvalho),
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Gazeta da Parahyba, edição do dia 19.11.1889. ▪ Fonte: Biblioteca Nacional
resolveram formar o primeiro governo republicano da Paraíba, “e estando próximo o Club Astrea (cuja sede era na rua Duque de Caxias), foi em seu salão que fomos deliberar”. Decidiram constituir uma junta governativa com 5 nomes, colocando prudentemente no início da lista o do tenente-coronel Honorato Caldas, comandante do 27º batalhão do exército, e o de um seu auxiliar. Os outros membros da junta eram o barão de Abiaí, chefe do partido Conservador, o médico Francisco Lima Filho e o próprio Eugênio Toscano de Brito. Mas, segundo Apolônio Nóbrega, essa junta não chegou nem a deixar o salões do Club Astrea porque uma “ordem” do comandante do 27º batalhão de infantaria a dissolveu sumariamente sob a alegação de que se deveria aguardar uma decisão do governo da nação.

Tivera razão Aristides Lobo quando, naquele artigo para o Diário Popular já referido, escrevera que o perfil inicial do novo regime era militar: “por ora, a cor do governo é puramente militar [...] a colaboração do elemento civil foi quase nula”. E foi assim que a Gazeta da Parahyba noticiou o que ocorreu, no dia 18 de novembro, na capital do Estado (denominação adotada pela República para as antigas Províncias):

“Hontem ás 14h do dia, reunidas muitas pessoas no escriptorio desta folha, marcharam em numeroso grupo para o quartel do 27 batalhão, onde já se achava um grande ajuntamento de povo fora e dentro do edifício. Ahi o tenente-coronel Caldas, comandante d’aquelle batalhão, foi acclamado pelo povo chefe do governo provisório do Estado da Parahyba [...]

Em seguida foram erguidas vivas ao governo provisório, ao exercito e a armada, ao tenente-coronel Caldas, ao marechal Deodoro e ao Estado da Parahyba do Norte, sahindo todos encorporados em direção ao palácio, onde já se achava postada uma guarda do 27. Ahi o ex-presidente Dr. Gama Rosa disse, que em vista dos gravíssimos acontecimentos que se estavam dando na província e para evitar qualquer conflagração social depunha o poder nas mãos do governo provisório [...] Lavrou-se uma acta que foi assignada pelas pessoas presentes, em numero de cerca de mil”

Os dias passavam e a junta presidida por Honorato Caldas tocava o governo esperando as determinações que viriam do Rio de Janeiro sobre a Paraíba. Na noite do domingo, 1 de dezembro, realizou-se no Teatro Santa Rosa um espetáculo, promovido pela Sociedade Dramática Santa Cruz, para homenagear o advento da República.
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Venâncio Neiva (1849—1939), magistrado e político paraibano. ▪ Fonte: Wikimedia
Àquela altura dos acontecimentos, já se sabia da “nomeação” de Venâncio Neiva, juiz da distante comarca de Catolé do Rocha e ligado ao partido Conservador, como governador da Paraíba. No seu início, a República nada mudara com relação à forma como eram escolhidos os governantes das antigas Províncias. A indicação de Venâncio Neiva para governar o Estado se deveu a articulações que foram feitas com o general paraibano José de Almeida Barreto por dois dos seus irmãos que eram militares graduados. Amigo e compadre do presidente Deodoro da Fonseca, Almeida Barreto se encarregou de conseguir a designação de Venâncio Neiva para governador da Paraíba.

A Gazeta da Parahyba narrou o que aconteceu na homenagem à República realizada no Teatro Santa Rosa: “Por volta de 9 horas da noite principiou o espectaculo depois que o chefe do governo provisorio do Estado acompanhado
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Gazeta da Parahyba, 30.11.1889. ▪ BN
da respectiva comissão executiva assomou a tribuna do seu camarote”
. Após a apresentação de uma poesia alusiva à República, de “um breve discurso pelo orador da sociedade” e “os vivas do estylo”, seguiu-se “o imponente drama em 4 actos do distincto dramaturgo Durval Augusto, intitulado O Orphão e o Mendigo”. E prosseguia no seu relato a Gazeta da Parahyba, jornal que era francamente favorável à permanência do tenente-coronel Caldas à frente do governo:

“O espectaculo corria bem e nada presagiava os graves acontecimentos que se deram no fim do 4º e ultimo acto [...] Depois de concluído [...] começou a haver certa inquietação geral e a manifestar-se desassossego e sobresalto, principalmente por parte das famílias que se achavam no theatro. Tinha chegado o momento de rebentar a conspiração há dias urdida, e que tinha por fim evitar que outro governador que não o Sr. tenente-coronel Caldas ficasse no poder”.
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Teatro Santa Rosa (originalmente Santa Roza), na cidade da Parahyba do Norte (atual João Pessoa). Imagem: R. Felix (PxB, adapt.)
O burburinho que estava ocorrendo no teatro era por conta de um telegrama enviado pelo ministro da Guerra Benjamin Constant, que chegara naquele momento e fora apresentado ao tenente-coronel Caldas. A mensagem telegráfica determinava o imediato cumprimento do que nela estava disposto. O comunicado era dirigido ao capitão Claudino de Oliveira Cruz e tinha o seguinte teor:

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Benjamin Constant
“Capitão Claudino de Oliveira Cruz – Assuma direção provisoria do governo do Estado, ate a chegada do governador Venancio, á quem apoiará. Acabo de telegraphar ao major Ramos para tomar conta do comando do 27 batalhão. O tenente-coronel Caldas deve embarcar primeira oportunidade para esta Capital – Benjamin Constant”

O que aconteceu, em seguida, no Teatro Santa Rosa e no batalhão do exército, foi relatado em telegrama enviado ao ministro da Guerra pelo capitão Claudino de Oliveira Cruz:

“Ministerio da Guerra – Rio. Cumprindo vossas ordens telegramma hoje assumi governo este estado 11 horas da noite. Major Ramos assumio igualmente commando batalhão 27º. Tendo intimado tenente-coronel Caldas para obedecer vossas determinações, resistio elle theatro publico protestando vossa incompetência. Barão Abiahy, á frente povo, convidou Caldas obediência vossas ordens: não foram attendidos brados população. Major Ramos officialidade 27º cumprindo ordens minhas, effectuou prisão Caldas, quando procurou insubordinar batalhão organisado, ordenando prisão minha, major Ramos. Não foi obedecido. População satisfeita, reina paz; batalhão obediente aguarda ordens. Caldas seguirá primeira opportunidade. Capitão João Claudino de Oliveira Cruz.”

A Gazeta da Parahyba relatou o que ocorreu após a prisão do primeiro governante da Paraíba no período republicano:

“Recolhido ao estado-maior do quartel do 27, e tornado incomunicável, o Sr. tenente-coronel Caldas, como confessou, passou a noite em claro e muito agitado. A’s 11h do dia de hontem dirigio elle uma carta ao Sr. Dr. Oliveira Cruz em que,
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Gazeta da Parahyba, edição do dia 03.12.1889. ▪ Fonte: Biblioteca Nacional
mostrando-se arrependido dos actos que praticara como governador deste Estado, principalmente contra elle Dr. Oliveira Cruz, pedia-lhe perdão e manifestava as suas tenções de suicidar-se [...] Dissuadido do intento que projectara, O Sr. tenente-coronel Caldas disse que estava resolvido a reformar-se e deixar de vez a vida publica”

Honorato Caldas, pelos relatos que ficaram, ao que parece, não era o que poderia se considerar um primor no relacionamento pessoal. Três anos antes, quando estava no batalhão de Uruguaiana, fora agredido, quando voltava à noite de um teatro, por elementos embuçados que, segundo o jornal carioca O Paiz, seriam alferes daquele batalhão. Embora estivesse no comando do batalhão paraibano há apenas dez meses, Caldas “não gosava das sympathias populares”, conforme registrado em uma edição da época do Jornal da Parahyba. Após a sua prisão, arrependido dos atos estouvados que praticara no Teatro Santa Rosa e no 27º batalhão e com a intenção de suicidar-se, Honorato Caldas escreveu várias cartas a alguns dos seus antigos subordinados. Uma delas, dirigida ao major Ramos, que o substituiu no comando do batalhão, foi publicada nos jornais:

“Decidido a deixar o mundo temporal, onde hei sido tão infeliz, obedeço á voz da consciencia dirigindo-lhe esta carta para dizer-lhe que, quando cheguei á esta terra e tomei o commando do 27, vindo a conhecel-o pela primeira vez, eu nutri sincera disposição de estimal-o e vivermos na melhor harmonia – official e particularmente [...] Peço-lhe, pois, que me perdôe [...] pois quero pertencer ao recinto sagrado levando a consciencia inteiramente limpa [...] Adeus, até o dia de juízo, que placidamente o encarará seu companheiro d’armas, tenente-coronel Honorato Candido Ferreira Caldas”

O tenente-coronel Caldas alegou problemas de saúde para não embarcar “na primeira opportunidade” para o Rio de Janeiro, conforme determinara o ministro da Guerra. A junta médica que o examinou, que tinha entre os seus membros o cirurgião do exército Camilo de Holanda (que anos depois seria presidente da Paraíba) atestou finalizando que “os incommodos alegados pelo examinado são
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simulados e o julgamos em condições de emprehender qualquer viagem”

Sem mais pensar em suicídio e em perfeitas condições de saúde para viajar, Honorato Caldas embarcou para o Rio de Janeiro para se apresentar ao Ministério da Guerra. Ao que tudo indica, a sua prisão na Paraíba não teve nenhuma repercussão com relação à sua carreira militar. Logo depois, Caldas foi promovido a coronel e designado para novamente comandar um batalhão de infantaria. Um ano depois de deixar o governo paraibano, requereu voluntariamente, aos 48 anos de idade, a sua reforma do exército na patente de general de brigada. Fixou a sua residência no Rio e passou a colaborar na imprensa carioca, usando o pseudônimo de Kleber, escrevendo artigos contundentes contra os governos da República, principalmente o do marechal Floriano Peixoto, e também com ataques ao Supremo Tribunal Federal. Essa sua posição de inconformado oposicionista lhe valeu, mesmo como militar reformado, uma prisão por cerca de dois anos. Honorato Caldas faleceu, em 1906, no Rio de Janeiro. No seu obituário o jornal Correio da Manhã publicou:

“Era natural da cidade do Brejo, no Maranhão. Nasceu em 1842 e sentou praça em 1859 [...] fez toda a campanha do Paraguay, distinguindo-se e obtendo recompensas do seu valor. O finado labutou na imprensa, cultivava as letras e tinha o animo de combatente ardoroso, fiel sempre ás suas ideias monarchicas. Deixa diversas obras apreciadas

Honorato Caldas escreveu vários livros que são documentos até certo ponto importantes para o entendimento das relações entre civis e militares nos primeiros tempos republicanos. Em 1892, publicou A Legalidade de 23 de Novembro (citado pela historiadora norte-americana June E. Hahner), em 1895 A Deshonra da Republica, em 1896 Apotheose do Almirante Saldanha da Gama, em 1898 O Marechal de Ouro e, em 1905, A Explosão da Escola Militar e as Tradições d’O Paiz.

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Página da edição original do livro "A Deshonra da Republica" (1895), com a dedicatória do autor, Honorato Caldas, à Biblioteca do Senado Federal. ▪ Fonte: Senado

Apesar de ter tido uma carreira militar com algum destaque e ter publicado livros que nos auxiliam na compreensão da questão militar no limiar da República brasileira, as trapalhadas de Honorato Caldas no primeiro governo paraibano no período republicano fizeram com que ele passasse para a História da Paraíba de forma bastante depreciativa. Horácio de Almeida escreveu que ele era “arrogante” e tinha a “mente toldada pela ambição do poder”. Oswaldo Trigueiro, no seu livro A Paraíba na Primeira República, anotou que o curto governo de Caldas foi “um desastre” e que “ele se manteve no poder por apenas doze dias, a braços com toda sorte de desentendimentos e intrigas, tanto no setor civil quanto no militar”.

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  1. Mais um excelente texto sobre a nossa história paraibana. Está a virar um livro, Flávio. Parabéns 👏🏽👏🏽👏🏽

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