Quando assistimos a um concerto sinfônico erudito ao vivo sempre me ponho enternecido a refletir: “como é que uma obra dessas pode ultrapassar 100, 200, 400 anos ou mais e ainda hoje ser apreciada com tanta efusão pelo público?"
Não se poderia dizer o mesmo da pintura, pois nenhum artista se atreve a tentar que a Monalisa sorria com a mesma elegância que Da Vinci a fez. A música se supera porque se realiza além de sua forma e concepção originais, oferecendo ao intérprete um lastro múltiplo de possibilidades que, às vezes, vão tão longe na arte de recriar que podem parecer até um “desrespeito” ao autor.
Penso que Beethoven não ficaria desapontado, pelo contrário, sentiria-se gratamente surpreso caso escutasse o seu “Imperador” executado por um destes jovens pianistas talentosíssimos que têm surgido no cenário das grandes competições internacionais como nos concursos anuais Van Cliburn, Chopin, Tchaikovsky, Queen Elizabeth, German Piano Award, e outros, tocando em um piano Steinway, cuja sonoridade o gênio de Bonn jamais imaginaria possível. Decerto, ele ficaria extasiado se ao menos pudesse ouvir a sublime sonoridade que a Filarmônica de Berlim é capaz de emitir em um tutti wagneriano das Valquírias ou na surdina de um langsam de Mahler.
Os músicos decerto devem estar no céu. Os artistas têm que estar no céu. Pelo Bem que fazem à humanidade, que perdura e se reflete na inspiração dos bons sentimentos provocados nos seres humanos, quiçá nos animais. Essa é outra virtude da música, única forma de arte capaz de acalentar os nossos irmãos do reino animal e vegetal. Está comprovado pela ciência o bem que a boa música faz às plantas e aos bichos. Até as vinícolas andam instalando caixas de som em meio aos campos de videiras com Bach e Mozart para colher uvas de mais qualidade.
Rameau & Vivaldicarlosromero.com.br
As plantas também gostam, apesar de não poderem exprimir seu encantamento de forma visível e imediata. Apenas, com o tempo, vão dando sinais de viço, de flor e cor, demonstrando que gostam das árias, sonatas e gavotas. Com todo respeito aos apreciadores da música eletrônica estridente, do popularesco vulgar, duvido muito que uma rosa vá gostar de alguma dessas bandas barulhentas cujo som, que não é música, mais parece uma tortura.
Agora mesmo um cravo que recita delicados poemas sonoros, faz-me lembrar que a vida tem coisas assim tão belas como a música. E a quem devemos este sentimento cheio de religiosidade, essas frases de melodia tão pura e suave que invadem o coração e acariciam a alma como canção de ninar de uma mãe cheia de ternura? Aos músicos, que devem estar no céu porque no céu já nos colocam. Como ao escutar os primeiros acordes da moderna e instigante 3ª sinfonia de Rachmaninoff, em um Festival de Música de Baden-Baden, executada pela Filarmônica de Berlim, no esplendoroso teatro do “Festspielhaus”, quando nos sentimos bem próximos da perfeição.
Festspielhaus, Baden-Baden, Alemanha
A sonoridade que ecoava pela perfeição acústica, a impressionante unidade harmônica e o entusiasmo emocional percebido em todos os músicos criavam uma atmosfera divina. O corpo tornava-se leve, os pensamentos se fluidificavam em sintonia com vibrações sutis que nos elevavam a indescritível sensação de transcendência .A primeira imagem visualizada era a do próprio compositor, à qual se inclinava o sentimento de gratidão e reconhecimento pela superioridade de sua obra. Como me sentia grato a quem foi capaz de conceber um conjunto de melodias tão belo, que nos proporcionava emoção tão refinada. Será que as pessoas se lembram de vibrar sua gratidão aos autores quando se deliciam com as grandes obras de Arte?... Receio que poucos.
Sergei Rachmaninoff (1873—1943), compositor, pianista e maestro russo. ▪ Fonte: Wikimedia (adapt.)
Quando se iniciou a 2º movimento da sinfonia, profundamente melódico e nostálgico, foi que os pensamentos se expandiram em graças por tudo e por todos os que contribuíram para a realização daquela experiência. Afinal, que seríamos de
Festspielhaus, Baden-Baden.
Alí vivíamos um insight imantado por sentimentos de irmandade, de amor ao próximo, que se estendiam desde Rachmaninoff ao maestro, aos músicos, às recepcionistas, aos responsáveis pela limpeza e segurança do teatro, aos pedreiros, arquitetos e aos construtores que ergueram aquele monumento arquitetônico.
Neste instante, havíamo-nos convictos de que só seremos inteiramente felizes quando formos capazes de compreender e respeitar a humanidade também como obra do Criador. “Vós sois deuses”, dizia Jesus. E entender a Criação é uma das experiências mais buscadas e rebuscadas pelo homem em toda sua vasta existência e experiências que envolvem filosofia, teosofia, psicologia, paranormalidade, misticismo, religiosidade, fenomenologia, cosmologia, esoterismo e tantos outros conhecimentos analisados, estudados e pesquisados sob a ânsia de desvendar os mistérios da vida, do Universo.
E que bem nos faz ser informados de que quanto mais os pesquisadores se adentram no conhecimento científico, mais se aproximam da certeza de que existe uma Inteligência Suprema. Uma ordem regida por leis imutáveis e perfeitas responsáveis por tudo que há e acontece. Um dia desses, enviei a foto de uma flor de cacto que brotou no nosso jardim para meu irmão, Carlos, que é um estudioso pós-doutor em Cosmologia e Gravitação, com a seguinte observação: “Ainda há quem não acredite em Deus, não é, Tuca?”. E ele: “Não existe maior prova, Germano. Basta olhar a Natureza, em todos os níveis”.
Para concluir, lembro de uma frase que costumo usar quando publico alguns pequenos vídeos (reels) nas redes de comunicação: “Quando Música e Natureza se unem, Deus fala”. É só ter ouvidos para ver e olhos para ouvir.