Numa certa edição do Correio das Artes, Linaldo Guedes contou uma história que caracterizou como escândalo absurdo. História, envolvendo ...
Lições da Crítica
Um livro de crônicas é um reencontro. Do escritor com seus textos acumulados pelo tempo. Do público com o cronista, agora em outra dimensã...
O cotidiano transfigurado pela perspectiva lírica
Provavelmente a seleção rigorosa do autor não possibilitará a cada leitor em particular o reconhecimento de sua crônica preferida. Aquela que, recortada com emoção e guardada há tanto tempo, ameaça desfazer-se em pó.
Como não relembrar aqui Juarez, o helênico, que foi preciso transcrever, a fim de que restasse preservada a continuidade da leitura?
Nenhum prefácio, por mais elucidativo, alcançará o poder de persuasão do recorte amarelado, até perdido entre outros papéis, mas que a memória identifica prontamente no arquivo de suas emoções. Um livro de crônicas tem essa peculiaridade. A extensão de inumeráveis páginas dispersas. Folhas volantes que se anteciparam em mistérios de anunciação.
É escassa e relativamente recente a reflexão teórico-crítica sobre este "pós-gênero literário, flexível e integrador, narrativa estruturalmente aberta" capaz de estabelecer-se como ponte entre a função da paraliteratura e a natureza da literatura. A iniciativa pioneira vem do professor Eduardo Portella, alertando para a necessidade de enfatizar a importância da crônica na moderna literatura brasileira. Segundo ele, isto significa valorizar "um esforço ponderável de configuração de um discurso poético qualificado".
O ajustamento da crônica à trama existencial complexa da sociedade de massa precisa ser examinado à distância do preconceito elitizante, onde tem origem a presunção de uma ordem hierárquica entre as espécies e formas literárias. Privilegiando-se agora o romance, como em outras épocas parecia indiscutível a superioridade do poema épico sobre o lírico, da tragédia sobre a comédia. O julgamento e o prestígio dos gêneros determinados pelo contexto. Incidindo, assim, sobre as obras literárias, o mesmo modelo de separação e distanciamento que impera entre as classes sociais.
Minimizar o valor da crônica é ainda uma atitude comum, quando o argumento para sua configuração como discurso poético qualificado é o mesmo que servirá para qualquer gênero literário. "A crônica é literatura toda vez que o cronista se resolve em nível da linguagem".
Mas é rara a caracterização de um escritor, exclusivamente através da crônica. E não se trata apenas de uma dificuldade da crítica. Também os cronistas acentuam essa tendência. Ou porque quase todos se dedicam simultaneamente a outras formas literárias, ou porque deixam sempre transparecer que o exercício aprimorado deste "gênero não canonizado" é mais exercício que opção.
Trata-se de uma visão cultural tão arraigada que, mesmo o professor Jorge de Sá, a quem se deve até agora o estudo mais sistematizado sobre a crônica (o primeiro livro inteiramente dedicado ao gênero), enfoca Rubem Braga nesta perspectiva: "corajosamente ele só tem publicado crônicas". E completa: "Certamente capaz de escrever contos, novelas e romances, não se deixou seduzir pelo brilho dos chamados gêneros nobres".
É fácil constatar como a literariedade não se inclui nestes parâmetros de julgamento da crônica. São outros os critérios que sustentam a insistente hierarquização dos gêneros. Critérios que deixam sem resposta convincente questões fundamentais:
Por que um romance seria necessariamente superior a um livro de crônicas?
Por que, em geral, não se estabelece esta mesma relação entre um romance e um livro de poemas?
Qual seria o superior, na comparação entre um livro de poemas e um livro de crônicas?
Nem Rubem Braga pôde fugir à realidade do confronto entre as duas espécies narrativas. Na sua visão poética,
É irretocável o comentário do especialista. No entanto a pluralidade da metáfora permite a ousadia de outra leitura.
Sem opor à transitoriedade qualquer resistência. Mas compreendendo a tenda como o abrigo possível, o mais próximo desta desadorada avalanche humana que se caracteriza como sociedade de massa. Na pressa de não chegar. Na estridência de não ouvir. Na violência de não viver. No automatismo de não ser.
A crônica é o "domicílio em trânsito" desses "passageiros da agonia urbana". Trincheira de resistência da palavra poética que reordena o caos e reinventa o homem.
Para um reencontro com A Dama da Tarde (livro de crônicas de Luiz Augusto Crispim) na sutileza de sua imprevisibilidade, recorri ao caminho mais longo. Do gênero para a obra realizada. Do elogio da crônica para o concerto destas rapsódias em azul, À sombra dos ipês em flor, onde o acento lírico de tom nitidamente proustiano atualiza o encanto daquela Última Página que foi para mim o princípio o verbo. E agora se confunde em justaposição com a "saudade da menina descalça que descia a ladeira de Tambiá no destino da Bica, rumo incerto de eternas férias que não voltam jamais".
Acompanhando pela vida inteira a produção intelectual de Luiz Augusto, escrevi avaliações analíticas sobre sua vocação de escritor, firmada essencialmente na crônica. Sobre os temas que se multiplicam como as possibilidades infinitas de percepção ou de imaginação do real. Sobre a excelência da visão crítica que se exprime através do humor habilmente construído. Sobre os recursos de elaboração de uma prosa poética em que o tecido do texto revela o escritor de muitas leituras, dominando inteiramente os processos e efeitos de sua construção.
São afirmações críticas que se reiteram, indicando pontos cardeais deste universo lírico reunido aqui sob critério antológico. Não é um livro extenso. Um pouco mais de cinquenta títulos. Mas de temas tão variados, com enfoques tão específicos e tratamento tão diversificado que fica difícil inventariar.
Estados de espírito materializados em substância poética. Destinos devastados, prodígios de sobrevivência sacralizados na perenidade das imagens. O cotidiano transfigurado pela perspectiva lírica. A violência mil vezes contestada. O riso que castiga os costumes. A doce melodia dos afetos. "a grande dor das coisas que passaram". A saudade que se inscreve desde o título como forma poética de resistência aos "novos tempos que dispensam testemunhas". Tempos caracterizados na linguagem metafórica do cronista pelas "feições do asfalto maquilado sobre as ruas da inocência perdida" ou pelo "concreto que se projeta para o alto como blasfêmias de cimento e ferro atiradas contra os céus". Tempo que se confunde com a ideologia desenvolvimentista e impõe aos homens o equívoco de que é preciso "extrair o nervo do humanismo, aplicar-lhes uma boa dose de indiferença e, sobretudo, abandonar de uma vez por todas a memória".
É este o cronista, recuperando o sentido dos valores essenciais. O sentido original comunitário. Nesta resistência da palavra que destroça a prepotência burocrática com a ironia de Quem sou eu? Que recupera o amor no ritmo do diálogo de Montanha Russa. Que faz sobreviver o homem em Um sonho de Natal ou em O menino e o sonho.
O cronista em sua fase azul, entre o céu e o mar. Azul de alma de menina, de pássaro, de rapsódia. Azul de manhã flutuando ao vento, de olhos profundos, de palidez. Azul de historietas de porcelana. "Azuis na vida desta pobre gente de tão acinzentado viver".
O cronista, como o poeta, removendo as cinzas, despertando a brasa, sacudindo os homens do seu torpor.
A Paraíba, que tem uma considerável tradição literária, quando se trata de ficção narrativa, ganha novo destaque nacional, através da roma...
Aglaia, impenetrável solidão
Duas de suas coletâneas, A Menina de Cipango e Os Campos Noturnos do Coração receberam, respectivamente, o Prêmio José Vieira de Melo, da Secretaria de Cultura do Estado da Paraíba, e o Prêmio Novos Autores, da UFPB.
Ao estrear no romance, com Suíte de Silêncios, Marília já trazia a marca do estilo, traço inconfundível de sua identidade narrativa.
Quero repetir e reiterar, agora, o entusiasmo de minha saudação a seu primeiro romance:
Despertando silêncios abismais com a música das palavras, a romancista recupera para o grande amor sua verdade essencial, que transcende as convenções e aparências para encontrar, na inteireza e na densidade de ser, a sua eternidade. Um romance ousado e verdadeiro, que veio para ficar na história.
Em 2016, Marilia encanta outra vez seus leitores, com Liturgia do Fim. Um romance de suprema dor, a vida transfigurada num afogar-se, num morrer interminável. A palavra, em absoluto poder de criação, a palavra exata em cada filigrana que desvela e reconstitui a existência de Inácio, devastada pelo ressentimento, pela culpa e pela solidão.
O tempo do romance corresponde à volta de Inácio que, desterrado, sentira-se por todos os anos “em lugar nenhum”. Esse retorno patético de um “estrangeiro”, que deixa o vazio em busca de Perdição, constitui o eixo condutor da narrativa. Na partida para a obscura viagem é que o leitor vai encontrar o protagonista narrador, seguindo sem saber por qual razão, expurgando a cruz das palavras “desde sempre represadas” e, há mais de três décadas, “amoladas na pedra da memória”. Palavras-lâminas que, do tempo estilhaçado, vão recortando os silêncios, escavando as lacunas, revolvendo os mistérios, exumando os segredos, retalhando a dor. Um modo de narrar que qualifica e consagra a romancista. Ela escolhe Inácio na situação-limite que se equipara à última estação de uma “via crucis”, para tingir as palavras com todos os tons e matizes da agonia.
Quando Marília terminou O Pássaro Secreto, seu terceiro romance, e me segredou a intenção de concorrer à 5º edição do Prêmio Kindle, 2021, eu lhe respondi que, se o julgamento fosse sério, ela teria condição de vencer. E fiz questão de justificar essa previsão, lembrando-lhe as qualidades raras que se acumulam, em sua experiência criadora.
As revências que alimentam seu imaginário; o poder de conduzir seus temas e personagens, tecendo a verdade ficcional com sutileza e ousadia; além disso, a capacidade poética de lidar com a palavra, impregnando sua construção romanesca de um lirismo pungente e libertário.
Marília concorreu com 2.400 (dois mil e quatrocentos) candidatos inscritos. E O Pássaro Secreto, julgado por jornalistas, escritores e editores de indiscutível competência, trouxe para o Nordeste, numa conquista pioneira, o Prêmio Kindle de Literatura. Nossa romancista enche de orgulho a Paraíba e o Brasil.
O Pássaro Secreto é um romance de dor e dilaceramento. O conflito central se estrutura a partir de traços de personalidade da jovem protagonista, incapaz de suportar o acúmulo de perdas impostas pela vida. Depois de alguns desatinos, resta-lhe uma sobrevida de solidão, sem nenhuma esperança.
Os recursos de expressão, tecidos pela precisão da linguagem pela inventividade do processo narrativo, sedimentam a unidade inseparável entre forma e conteúdo, que prendem e encantam o leitor.
Aglaia é a narradora de sua história de amor e desatino. Amor “azul-escuro, quase preto, o amor feroz”, conforme verbaliza em síntese conclusiva.
Revela-se a grande competência da romancista nessa escolha de dar voz a uma subjetividade desafiadora, extremamente complexa, que nem os psiquiatras fizeram aflorar em longos anos de consultório e indagações. O perfil dessa protagonista-narradora reforça um traço do romance de Marília que já se pode considerar característico. De fugir ao convencional e ao estabelecido para desvelar e reconfigurar expressões subjetivas silenciadas, ou até banidas, pelo preconceito estratificado e dominante, no jogo de aparência das relações sociais.
Foi assim com Duína, em sua carta-testamento. Com Inácio, que se consome bem mais pela culpa de ter abandonado Ifigênia, e não, de ter amado. E, agora, com Aglaia, que os irmãos e Dermian classificaram de anormal, aprendiz de marginal e monstro. Rótulos traduzidos e sintetizados por Dr. Xisto, no internato da Clínica, através da impactante expressão, “perturbações psicossomáticas”. Duas palavras que, elucidadas, levaram a personagem a exclamar:
Aglaia, inteligente, perspicaz, culta, sensível, capaz de enxergar com olhar crítico as reações a seu respeito, incluindo os procedimentos médicos; e, com suficiente lucidez, para refletir sobre a tragédia da própria existência. “A vida me empurrou para a escuridão ou eu nasci com a escuridão dentro de mim?”
Essa é a “persona” a quem Marília, concedendo voz, propicia a catarse, que expurga a culpa, e conduz à redenção, inscrita nas palavras finais do romance. “Ainda estou aqui. Sou uma Fênix. Ardi no fogo e ressurgi na pureza das minhas próprias cinzas”.
Aglaia se universaliza como representação metafórica da condição humana, no enfrentamento da suprema dor de existir em impenetrável solidão Chama a atenção do leitor, a forma como se apresentam os capítulos do romance, à primeira vista, diferenciados pela característica dos tipos gráficos em que estão impressos.
Os ímpares se destacam, no itálico, e fazem pensar em anotações de um diário íntimo que se integrassem à narrativa. Neles, o tom é de monólogo interior, de fluxo da consciência. Uma forma de narrar que se impõe pela natureza do conteúdo e, nessa escolha, a romanista exerce toda sua habilidade criadora.
O espaço desses capítulos é o hospital, para onde Aglaia foi socorrida, depois de violentada pelo “garoto de olhos de fogo”. Aglaia, “uma ferida aberta”.
Metáfora retomada e ampliada no fecho do capitulo 13, como reflexão consciente da protagonista. “Feridas abertas não falam. Feridas abertas sagram”.
Estabelecendo as conexões, o leitor é levado a perceber que este sangrar escorre, lentamente, na sensação de morte que traz, para Aglaia, o mundo dissolvido em borrões; no pesadelo que a faz despertar e estremecer, ante a realidade das recentes lembranças; na escuridão em que desaba a personagem, açoitada pela dor e pelo frio; na silenciosa resposta das lágrimas; no desengano das conclusões sobre o amor; na mágoa, sem remédio, de recordar “a vida que ficou para trás”.
Um modo de narrar que transcende a técnica ou o processo narrativo e se converte em sentido. A linguagem romanesca, incluindo recursos poéticos de elaboração. O romance de Marília é assim. Instigante. Em cada aspecto observado, um desafio de leitura. Por isso, termino essa apresentação com uma proposta.
Como seria, traduzir a simbologia dessa Coisa inventada por Marília? Coisa-Pássaro que deu título a seu romance premiado. Elemento fantástico da narrativa, com o qual ela reconstitui a sensação de morte que toma conta de Aglaia, após o estupro. Cena antológica que passarei a ler, com orgulho e encantamento:
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'Usina': mais de 70 anos de antecipações
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Erudição e ousadia no Ensaio Literário
Juarez da Gama Batista iniciou sua vida pública como Diretor do Jornal A União, no período de 1951 a 1956. Muito jovem, já não era um desconhecido. Publicara um livro de crônicas, 31 Histórias do Arco-da-velha, reunindo sua colaboração diária em O Norte e na Folha da Manhã, do Recife. Também já era autor do ensaio sociológico Caminhos, Sombras e Ladeiras, de nítida influência gilbertiana. Sobre este início promissor, vale relembrar o depoimento de José Américo de Almeida: "Eu o achei e foi um achado. (...) Fiz de um menino, quase menino, um chefe de serviço e ele deu conta do recado”.
Em 1961, assume, como fundador, a cadeira de Literatura Brasileira na UFPB. Não tinha formação acadêmica nesta área. Professor Juarez era um bacharel autodidata, de notório saber que, durante vinte anos, até sua morte em 1981, encantou os alunos com seu estilo e sua erudição. Deixou uma produção acadêmica vasta e vária, dificilmente superada, mesmo com os incentivos de pesquisa e pós-graduação que passaram a vigorar na Universidade.
O ensaio foi o seu instrumento de apreciação da literatura. Instrumento eleito, conscientemente, em função das três idéias básicas que caracterizam este gênero, na conceituação moderna: o auto-exercício das faculdades, a liberdade pessoal e o esforço constante pelo pensar original - Ensaio para ele era descoberta. Crítica com letra maiúscula. Criação. Assim, imprimiu ao gênero sua marca pessoal inconfundível: a construção do estilo e a erudição. A ordem valorativa, que a preferência por tal gênero implicava, transparece em sua constante reafirmação "não sou um crítico, no sentido convencional da palavra. Sou um ensaísta".
Ao bem escrever, que se apóia em vasto e vário conhecimento, gostaria de acrescentar, ainda, a ousadia. Essa característica comum a todo criador - atitude sem a qual deixariam de existir o novo e o original foi a marca dominante no seu trato com o texto literário. Possivelmente a que carreia para seus ensaios o maior nível de resistência. Pois neles o mestre Juarez: não tinha medo de ousar. Descobrindo roteiros impressentidos. Desenvolvendo aspectos, os mais inesperados. Estabelecendo ligações entre pólos infinitamente distanciados.
A erudição propiciava-lhe as condições da ousadia, fazendo-se a autenticidade do estilo sua vigorosa expressão. Forma de uma percepção aguda e original.
Conhecia a força da palavra. Sabia o peso de um período barroco, cheio de travessões, transbordante de elementos. De um período que ocupasse quase uma página inteira. Com igual habilidade explorava os efeitos da pontuação impressionista. Da frase curta e incisiva, do período fragmentário. Por isso é que escrevia e reescrevia seus textos inúmeras vezes. Perseguindo a forma que fosse a expressão do conteúdo. Ou o conteúdo que fosse a expressão da forma. Escrevia como um poeta. Lutando com as palavras.
Deixou mais de 40 títulos publicados, entre crônicas, ensaios, discursos, conferências e prefácios. Com seus ensaios literários, conquistou sete importantes prêmios de 1966 a 1976. Destacando-se, entre eles, o prêmio "José Américo - 1967", da UFPB; o "Olívio Montenegro - 1968", da UFPE; O "Geraldo de Andrade 1973", da Academia Pernambucana de Letras e o "José Veríssimo", da Academia Brasileira de Letras, também em 1973.
Desde que ele se foi para sempre, há quase 40 anos, não se pode afirmar que tenha havido apenas silêncio e descaso em relação a sua memória. Podemos registrar iniciativas que simbolizam outra forma de presença do professor Juarez entre nós.
A FUNESC tomou possível a publicação do esboço bibliográfico Juarez da Gama Batista, (sua vida, seus mistérios, sua obra) de autoria da ex-aluna, Mariana Soares, e deu o nome de Juarez da Gama Batista à Biblioteca do Espaço Cultural José Lins do Rego.
O historiador Wellington Aguiar, através da FUNCEP e buscando o apoio do grupo Klabin, reeditou Caminhos, Sombras e Ladeiras.
O Conselho Estadual de Cultura, por iniciativa de Gonzaga Rodrigues, o incluiu na coleção Biblioteca Paraibana e editou As Fontes da Solidão, ensaios que tive a honra de escolher, organizar e prefaciar.
Em 1995, realizamos (UFPB, API, CEC) um painel em sua memória. Dele participaram os professores Neroaldo Pontes, Chico Viana, Milton Marques, ao lado dos jornalistas Gonzaga Rodrigues e Juarez Macedo, este último apresentando uma bela e emocionada evocação de sua convivivência e aprendizagem com o homenageado.
Na Coletânea de Autores Paraibanos, professor Juarez está presente com o texto antológico O Retrato, selecionado de José Américo: Retratos e Perfis. Fiz constar na Fortuna Crítica de José Lins do Rego, publicada pela Civilização Brasileira, o texto O Mistério, também retirado de José Américo: Retratos e Perfis.
Outra contribuição que vale ressaltar, nesta avaliação histórica, é a publicação de crônicas e artigos de jornal, alguns destes bem amplos e consistentes, firmando a dimensão do jornalista e do ensaísta em nosso cenário cultural.
O saldo é positivo. O mestre permanece na voz de seus amigos e ex-alunos do jornal e da Universidade.
Os textos que compõem As Fontes da Solidão, nove ensaios escolhidos, revelam, em seu conjunto, a dimensão exata do escritor Juarez da Gama Batista: suas preferências temáticas; a extraordinária erudição; a ampla informação teórica, suporte de seus conceitos criticos; a ousadia de suas interpretações personalíssimas e a construção do estilo, traço maior de sua autenticidade.
O critério foi dar prioridade ao que estivesse inédito. Era o caso do ensaio Quem Tem Medo De Gilberto Freyre? que, embora vencedor do prêmio Geraldo de Andrade 1973, da Academia Pernambucana de Letras, foi divulgado apenas entre alguns alunos e amigos, em cópias mimeografadas.
Depois, incluímos o que estava disperso em "plaquettes", a forma comumente usada pelo autor para imprimir e distribuir seus estudos. Assim, acrescentaram-se os textos sobre José Lins do Rêgo, de onde foi retirado o título geral para o volume. Não apenas em razão dos grandes laços entre o romancista e o ensaísta, mas por representar esse título uma escolha pessoal de professor Juarez para um conjunto de ensaios que ele não teve tempo de concluir.
Deixamos de lado o que estivesse publicado em livro, presumivelmente, com divulgação e preservação bem mais garantidas. No entanto, fugimos a esse critério para agrupar os quatro ensaios sobre Jorge Amado, dois deles já inseridos na Fortuna Crítica comemorativa dos 40 Anos de Literatura, do romancista. É que se encontram interligados pelo desenvolvimento de um mesmo núcleo temático, embora enfocando romances diferentes. E se complementam de tal modo que na sequência em que se dispõem parecem constituir um só ensaio, escrito em quatro tempos. Um grande estudo sobre a segunda fase do romance de Jorge Amado. Não apenas pelas antecipações verdadeiramente proféticas sobre Gabriela e Dona Flor, ou pelas ligações entre arquiteturas infinitamente distanciadas, de cidade e de mulher", nem mesmo pelo processo comparativo onde se exercita a excepcional erudição do mestre Juarez. Mas por divisar o que constitui para essas narrativas sua dimensão verdadeiramente literária.
E para que o conteúdo de As Fontes da Solidão no se restringisse ao âmbito da Literatura Brasileira, o que limitaria a área de interesse do autor, encerramos esse trabalho seletivo com O Protagonismo do Fausto e Matéria e Nunca Ouvido Canto. Este, premiado nacionalmente. Escolhido há muito tempo pela Academia Brasileira de Letras. E o primeiro, por representar a preferência do Mestre entre tudo quanto escreveu.
Um dia lhe fiz essa pergunta. E ele não pensou muito para satisfazer-me a curiosidade. Ainda insisti: E O Real como Ficção em Euclides da Cunha? E A Sinfonia Pastoral do Nordeste?
A respeito do ensaio sobre Os Sertões, achava excessivo o número de notas. Gostava da Sinfonia. Mas era O Protagonismo do Fausto que continha suas convicções, as coisas em que acreditava. O que mais parecia com ele. Foi o que me disse.
Quer tratasse de Camões, de Goethe, de Eça de Queiroz, de Gilberto Freyre, de José Lins do Rego, de Euclides da Cunha, de Jorge Amado ou de José Américo de Almeida, a perspectiva e o processo sempre o conduziram a uma extrema liberdade criadora.
Desse modo é que, em Matéria e Nunca Ouvido Canto, vai descobrir no tema dos olhos um dos elementos que possibilitam a identificação do "espírito sobrevivente e persistente da Idade Média", no ilustre renascentista português.
"A festa dos sentidos - sobretudo um dos sentidos, o da visão - em que se tomou o cotidiano da Idade Média". Com igual ousadia desenvolveu em O Protagonismo do Fausto a inquieta e inquietante indagação - "Fausto, tragédia ou comédia?" Bem como em Gabriela, seu Cravo e sua Canela estabelece a aproximação ou equivalência entre a personagem romanesca e Brasília. "Arquitetura de cidade e de mulher. Terrível e metafísica solidão". Que, segundo ele, "se explica e se completa em tantas outras expressões do psiquismo traumático da pequena burguesia nacional, comprimida pelas depressões salariais".
Sobre a moça de Ilhéus o ensaísta dirá, de forma antecipada, em 1961: é fácil prever o êxito de Gabriela no cinema e na TV, no "ballet" e até nas histórias em quadrinhos. Um dia, talvez, apareça nos anúncios das revistas ilustradas". Acrescentando que o mesmo se aplicava às personagens que viessem depois. Veio Dona Flor, e a profecia se cumpriu duplamente.
Uma sólida concepção de arte se vai reiterando a cada novo ensaio. Todos eles sustentados por segura informação teórica. Por uma teoria sedimentada, sintetizada e que, por isso, não transparece ostensivamente, sendo absorvida pela linguagem, pelo estilo do escritor.
Mesmo quando define ou conceitua, a adequação da forma ao conceito preocupa-o tanto quanto a qualidade do enunciado. De modo que escreverá poeticamente - "A obra de Arte é o lapso, o instante que se reteve e se fez inquestionável. Um alto no que se esvai. A instantaneidade. A surpresa. A verdade repentina das suas estruturas. Uma recuperação". Por igual processo, chega em O Barroco e o Maravilhoso no Romance de Jorge Amado à densa e múltipla conceituação do herói picaresco, onde se identificam, a um só tempo, a ousadia, a erudição e a originalidade do ensaísta:
Sempre agiu assim em relação aos temas ou aos assuntos de sua predileção: não transcrevia, não repetia. Buscava sínteses conclusivas que eram somente suas. Muitas vezes em contraste violento com tudo quanto existia. E, assim, fazia da atividade critica uma forma de ser.
Entre tudo quanto escreveu, quero destacar A Sinfonia Pastoral do Nordeste. Ensaio que, segundo o romancista estudado, "como que foi escrito num canto iluminado, dentro de uma biblioteca lendo todos os livros, ou dentro de um museu olhando para todos os quadros”.
Um caso único em que a leitura suplanta o texto objeto. O seu reconhecimento dos mitos é mais que a descoberta do romance. É uma recriação. O Boqueirão renasce no ensaio, "sem história alguma", com "a natureza de ritual, de celebração de mitos". "O Boqueirão: um corpo de mitos lançados sobre um afresco de inocente e esplêndida fatura renascentista, saudável, irradiante, vencedora. E, por isso, de repente grave e profundo, como quem sabe que passará".
Os ensaios reunidos sob o título de As Fontes da Solidão transcendem a história pessoal de Juarez da Gama Batista. Deixam de constituir apenas a produção particular do indivíduo, para representar a síntese de uma forma de pensamento e expressão configuradora de uma época. Elevando-se, dessa maneira, à condição de memória cultural da sociedade a que pertencem.
Na Academia Paraibana de Letras, professor Juarez ingressou em 1968, ocupando a cadeira que tem como patrono José Lins do Rego. Foi recebido por José Américo que firmou sobre o jovem acadêmico de então esta sentença definitiva:
Falar sobre a crônica de Luiz Augusto , como forma de lembrar seu aniversário, representa muito mais que um esforço analítico para captar e...
Caminhos de Luiz Augusto
Falar sobre a crônica de Luiz Augusto, como forma de lembrar seu aniversário, representa muito mais que um esforço analítico para captar e expor suas preferências temáticas e a composição dos processos criativos que predominam em sua prosa poética. Significa, antes de tudo, um reencontro com a sua forma de ser mais definitiva, esta que se eternizou através da linguagem.
Prefaciado pelo professor e crítico de Literatura, José Mário Branco, os contos de Hélder Moura ( Inventário das pequenas coisas ) já vêm ...
As nove novenas de Hélder
Prefaciado pelo professor e crítico de Literatura, José Mário Branco, os contos de Hélder Moura (Inventário das pequenas coisas) já vêm iluminados pela leitura que indica os traços fundadores da nova espécie narrativa a que se dedica o autor de “O incrível testamento de Dom Agápito”.
Mutilação Onde estão meus olhos que teus olhos descobriram? No teu olhar que não alcanço mais E minha boca em que decifraste o sabe...
Marcas
Onde estão meus olhos
que teus olhos descobriram?
No teu olhar
que não alcanço mais
E minha boca em que decifraste
o saber e o sabor indistintos?
Nos teus lábios
que não sinto mais.
Pedaços de mim
se foram contigo
Para sempre.
Verso / Reverso
Marcas
de um outro
amor
em teu corpo.
Garras
de uma velha
dor
em meu peito.
Desencanto
Destino meu
de apagar o sol
de abarcar o vento
de afogar o mar
De procurar
e perder
e só para isso
encontrar.
Vida
Na memória
a lembrança dos mortos
No coração
a indiferença dos vivos.
Distância
Silêncio
Dupla face da solidão.
A Escola rudimentar mista de Confusão foi criada no Governo de Oswaldo Trigueiro, por iniciativa do vice-governador José Targino, em 1947. ...
Minha escola rural
As instalações foram cedidas pelo meu avô: um salão, na casa anexa à nossa residência. O mobiliário era constituído de duas mesas compridas, bancos laterais e tamboretes, tudo de uma simplicidade franciscana.
Além da mobília rústica havia um pequeno quadro que minha mãe chamava de lousa. Era o único recurso disponível, com o giz adquirido pela professora.
Um trabalho de conscientização junto aos moradores da sede e das propriedades adjacentes garantiu a significativa frequência, mesmo nos períodos de safra.
Do primeiro ao quarto ano primário fui aluna desta escola que influenciou decisivamente a minha visão de mundo e mudou o destino de muitos filhos de trabalhadores rurais , moradores de meu avô e de outros proprietários vizinhos, como Abelardo Targino da Fonseca (seu Fonsequinha).
nem mesmo os grandes homens podem conter o sistema apodrecidoO idealismo da professora compensava o que pudesse ser precariedade. O ensino mantinha o nível de conteúdo orientado pela Secretaria de Educação do Estado. Todos os anos minha mãe viajava à Capital para receber os programas e livros correspondentes às diversas séries. E desenvolvia integralmente com os alunos estes conteúdos, atendendo, no mesmo horário, diferentes séries.
Mas a escola não se limitava às aulas. Havia toda uma programação de atividades que complementavam o profundo sentido de educação.
As datas cívicas eram comemoradas com verdadeiro ardor. Marchávamos ao redor do terreiro, entoando o Hino Nacional, bem como da Independência e da Bandeira, de acordo com a data. Esses hinos vinham impressos em nossos cadernos e decorávamos, com consciência, porque todos eram interpretados na Escola. E não me lembro de outra fase da vida em que meu coração batesse tão forte pelo meu País.
Os domingos eram dedicados à catequese. Sendo filha de Maria, desde o internato Nossa Senhora das Neves, a professora Miriam Bezerra de Oliveira Castro organizava, anualmente, a festa da primeira comunhão dos seus alunos. Contava com o incentivo e decisiva colaboração do Monsenhor Severino Cavalcanti de Miranda, da Paróquia de Araruna, que se deslocava para a Fazenda Confusão, onde celebrava a santa missa, batizados, casamentos e a festiva primeira comunhão.
Toda a vestimenta das crianças era confeccionada pela professora que também angariava doações para este fim.
Após a missa, cantada pelos alunos, havia a confraternização em torno de uma farta mesa de café servida aos presentes. Vivenciávamos, verdadeiramente, o estado de graça.
Sem aviso prévio, a Escola recebia, anualmente, a visita do inspetor de ensino João Freire Nóbrega que deixava escrita sua avaliação. Eram sempre palavras de justo elogio à dedicação extrema com que a professora conduzia seu trabalho. Em agosto de 1948, ele registrou no livro de atas:
“Visitei, nesta data, a presente escola regida pela professora Miriam Bezerra de Oliveira Castro. Verifiquei a marcha dos trabalhos, aproveitamento dos alunos, etc., colhendo de tudo a melhor impressão possível. É extraordinário o aproveitamento dos alunos, asseio e ordem nos trabalhos, merecendo assim, a professora todo elogio. A matrícula geral é de trinta e nove alunos e estavam presentes trinta e quatro. Confusão, agosto de 1948. João Freire Nóbrega – Inspetor de Ensino”.
Ter sido aluna desta escola durante os quatro anos do curso primário representa, sem dúvida, uma das mais ricas experiências de minha vida. Sentar ao lado dos moradores de meu avô, tê-los como colegas de estudo e de brincadeiras foi a maior de todas as lições, pois me incutiu o respeito pelas pessoas, independente da classe social a que pertencem. Vejo também que esta Escola simples e eficiente plasmou o meu conceito sobre educação e sobre os valores essenciais que determinam o processo ensino-aprendizagem.
Em minha experiência como Secretária Adjunta de Educação do Estado, quanto me doía a obrigação de atender às exigências do BIRD (Banco Interamericano de Desenvolvimento), construindo escolas enormes e suntuosas. Quando eu sabia, com a mais absoluta convicção, que a “alma” nas escolas é tudo. Que somente professoras competentes e motivadas podem realizar o milagre da educação.
Saí da “Escola rudimentar mista de Confusão” para prestar exame de admissão em Olinda, no Colégio Santa Gertrudes, de orientação alemã e grande tradição pedagógica. Obtive o “segundo lugar”, na classificação geral, comprovação de que minha escola rural nada ficava a dever ao prestigioso educandário pernambucano.
Em agosto de 1951, a visita de um novo Inspetor de Ensino. Os mesmos elogios no livro de Atas. E, logo a seguir, a transferência insólita da professora para a propriedade Tanques, no município de Bananeiras. Fora exigência de um cabo eleitoral.
É evidente que as condições materiais não permitiam que a professora assumisse o novo lugar, ainda mais porque, na propriedade Tanques não havia escola.
Este desfecho é o exemplo emblemático do tratmento que os políticos dispensam à educação. Era o governo de José Américo de Almeida, mas nem mesmo os grandes homens podem conter o sistema apodrecido onde predomina a politicagem.
Não são diferentes os tempos de hoje, mais de meio século depois.
(No livro “As Raízes do Ensino em Araruna”, Humberto Fonsêca de Lucena, páginas 84 a 87, e 89. Edições FCJA, João Pessoa, 2004)
Os propósitos acadêmicos de perpetuação das tradições literárias e de estímulo à cultura geral obrigam a pensar na escola, de um modo genér...
O maior título que recebi
Os propósitos acadêmicos de perpetuação das tradições literárias e de estímulo à cultura geral obrigam a pensar na escola, de um modo genérico, e de um modo mais específico na universidade, como espaços privilegiados de convivência e de interferência renovadoras. A memória cultural, a pesquisa e o ensino, integrando-se, como partes que são de um mesmo universo e de um mesmo processo.
Referendo a visão pedagógica conferindo ao papel do professor a dignidade que lhe é inerente. Dignidade historicamente reafirmada na resistência anônima que o sistema explora e finge ignorar.
Foi assim que um dia, inspirada pelos ideais de Paulo Freire, transformei jornais velhos em texto didático, ousando levar para as aulas de Português do Colégio Estadual autores paraibanos ainda não estudados: Eduardo Martins, Virgínius, Gonzaga Rodrigues, Vanildo Brito, J. J. Torres, Natanael Alves, Aurélio Albuquerque, Juarez da Gama Batista etc. Era no tempo em que o livro didático tinha distribuição escassa ou inexistente, em contraste com o esbanjamento incentivado de hoje.
Aproveitando jornais velhos, os alunos aprendiam a valorizar o aparentemente inútil; desenvolviam o hábito da leitura e da pesquisa; organizavam seus próprios livros, sem qualquer custo econômico; integravam-se à realidade pelo conhecimento do autor contemporâneo; garantiam material didático para o estudo de texto, objetivando a superação da gramatiquice dominante; enfim, participavam e comprovavam que as dificuldades podem ser vencidas.
Um dia, Luiz Augusto Crispim amanheceu escrevendo em sua crônica que "Ângela Bezerra desencantou o escritor paraibano." O cronista recuperava, na sedução da palavra mágica, essa história de mais de trinta anos. Foi o maior título que já recebi.
Hoje, a realidade é outra. Na expansão e pluralidade das expressões estéticas; na projeção de artistas que conquistam espaços significativ...
A inexistência de um museu de arte em nossa capital
Hoje, a realidade é outra. Na expansão e pluralidade das expressões estéticas; na projeção de artistas que conquistam espaços significativos além de nossas fronteiras e no interesse do público local que prestigia exposições e se realiza em adquirir telas ou objetos de sua admiração.
Essa constatação de aspectos tão positivos sobre as Artes Plásticas na realidade contemporânea, torna ainda mais estranha e censurável inexistência de um Museu onde se instale a riqueza dessa trajetória para o reconhecimento de nossos valores, para a fruição da coletividade, para a educação dos jovens e o despertar das vocações.
Não é o fato de sermos um Estado pobre que nos impõe essa desolação no cenário cultural. Todos identificamos na inversão das prioridades, fato recorrente nas agendas governamentais, o desvio que submete as necessidades vitais da nação às filas de espera do desengano.
Ninguém desconhece o pródigo esbanjamento dos três poderes da República nas suntuosas edificações que se erguem em acintoso paradoxo com as solicitações urgentes e essenciais da população. Os bilionários templos do futebol são apenas o exemplo mais recente, ratificando que a "página infeliz da nossa história" referida por Chico Buarque, na ironia de seu anti-samba-enredo, infelizmente, não tem ponto final. Nossa Pátria-mãe continua "subtraída em tenebrosas transações" e seus filhos "levando pedras como penitentes, erguendo estranhas catedrais".
Convivemos há quase um mês com o grito das ruas contra a corrupção. São milhares de vozes que se erguem proclamando a causa primordial da negação dos direitos fundamentais da coletividade. Não apenas os mensalões, julgados ou não. Mas a intricada rede de improbidade que se estende, desde os paraísos fiscais, até as disparidades salariais, somadas a privilégios de todos os gêneros, que transformam servidores públicos em castas, sem qualquer respeito ao preceito constitucional da igualdade de todos perante a lei. É uma professora que fala, e não poderia ser outro o tom.
Eis a democracia em que vivemos e que nos cabe aperfeiçoar, inscrevendo-se o intelectual sempre mais igualitariamente na frente comum da construção coletiva.
(excertos de discurso)
Excertos do Discurso de Saudação ao novo acadêmico, Professor Milton Marques Júnior, proferido pela Professora Ângela Bezerra de Castro, na ...
Discurso de Ângela Bezerra de Castro para Milton Marques Júnior
Excertos do Discurso de Saudação ao novo acadêmico, Professor Milton Marques Júnior, proferido pela Professora Ângela Bezerra de Castro, na APL
"A Academia não é uma associação qualquer. É, antes de tudo, um Templo. Templo erguido para o culto perene às realizações intelectuais marcantes, únicas em seu conteúdo e expressão, e que por isso acrescentam nova dimensão à realidade cultural da Paraíba."
"O espírito acadêmico integra esse mesmo universo de valores, por isso refratário a qualquer moeda de troca. Ele se afirma e se solidifica na essência da criação intelectual de qualidade dos que vão tecendo a história desta Casa.
Às vésperas de completar 80 anos, um considerável marco de existência, a APL já dispõe de perspectiva histórica para uma análise crítica de suas escolhas, que possa contribuir com o aperfeiçoamento dos critérios prevalentes em cada eleição. A essa altura, já é possível distinguir os sócios que integraram a APL, de forma paradoxal, apenas na ausência e no silêncio, daqueles que lhe deram vigor e continuidade. Os que trouxeram seus dons e depositaram como pedras para a construção do Templo."
"Meu querido amigo, sua história é mais que merecedora de reconhecimento. Ela é exemplar, é inspiradora. Não apenas pelos objetivos alcançados com inteligência e obstinação ou pela erudição acumulada no exercício permanente da aprendizagem e do ensino, sua profissão de fé. Mas pela coragem de buscar e de realizar o mais difícil, na contra mão de uma realidade histórica dominada pelo imediatismo da banalidade e da superficialidade."
"Você não se deixou contaminar pela acomodação dos que se anulam no silêncio. Mobilizou toda sua competência e energia para corrigir a distorção da velha reforma impensada, que eliminou de nossos currículos a cultura greco-latina. Precisou confrontar e neutralizar a realidade adversa. Sonhar e se fortalecer com sua capacidade de liderança, até que essa iniciativa visionária, esse pensar grande resultasse na criação do Curso de Letras Clássicas, licenciatura em Língua Latina, Língua Grega e suas respectivas literaturas.
Hoje, através dessa valiosa área de estudos, com o comprometimento de sua coordenação, nossa UFPB se interliga a outras instituições de ensino superior que também tiveram esse alcance de preencher o que sempre foi uma lacuna injustificável, em nosso sistema educacional.
Talvez a Paraíba ainda não se tenha dado conta da dimensão desse feito. Mas seu lugar na História será ao lado dos antecipadores do futuro, daqueles que edificam para a posteridade com materiais que o tempo não desgasta."
A seguir, a íntegra do Discurso:
Discurso de saudação ao acadêmico Milton Marques Júnior
(Profª Ângela Bezerra de Castro)
Cada vez que a Academia elege um novo sócio, expõe seu nível de comprometimento com os ideais que motivaram sua criação e a estruturaram como entidade de utilidade pública. Ideais concretizados em objetos que se destinam à preservação e à divulgação da memória cultural da Paraíba.
Será sempre pertinente indagar se a história de cada sócio garante a continuidade da Instituição, sem que se perca de vista a sua divisa: Estética e Trabalho. Pois a Academia não é uma associação qualquer. É, antes de tudo, um Templo. Templo erguido para o culto perene às realizações intelectuais marcantes, únicas em seu conteúdo e expressão, e que por isso acrescentam nova dimensão à realidade cultural da Paraíba. Templo do saber que constrói e liberta o homem, “para facilitar o discernimento dos fenômenos sociais, para não se andar no escuro, desconhecendo a própria sombra”. Esse o conceito de José Américo, na instalação de outra Academia, a UFPB.
Lembro de nosso confrade e querido amigo, Odilon Ribeiro Coutinho, repetir, com ênfase, que o melhor da Academia era a convivência. Mas a gratificação dessa convivência inexiste, se o saber não se estabelece como o valor maior desta Casa. Saber que equipara Ciências, Letras e Artes, numa comunhão que agrega os diferentes, aproxima os distantes e faz das múltiplas tendências um corpo místico, alimentado pela ânsia de crescimento e de realização intelectual. Metas que dão sentido ao existir, impelindo o homem a elevar-se para a transcendência a que se destina.
Penso a Academia, inspirada na perspectiva do humanismo cósmico de Exupéry, nessa lição insuperável: “O que torna bela uma casa não é que ela nos abrigue e que tenha paredes. Mas que deponha em nós certa provisão de doçura que faça brotar, como de uma nascente, os sonhos”.
Foi através desse mesmo olhar que Manuel Bandeira reergueu a casa do se u avô. Com materiais “imponderabilíssimos e impalpáveis”. E, só assim, pôde imortalizá-la “impregnada de eternidade”.
O espírito acadêmico integra esse mesmo universo de valores, por isso refratário a qualquer moeda de troca. Ele se afirma e se solidifica na essência da criação intelectual de qualidade dos que vão tecendo a história desta Casa.
Às vésperas de completar 80 anos, um considerável marco de existência, a APL já dispõe de perspectiva histórica para uma análise crítica de suas escolhas, que possa contribuir com o aperfeiçoamento dos critérios prevalentes em cada eleição. A essa altura, já é possível distinguir os sócios que integraram a APL, de forma paradoxal, apenas na ausência e no silêncio, daqueles que lhe deram vigor e continuidade. Os que trouxeram seus dons e depositaram como pedras para a construção do Templo.
Professor Milton Marques Júnior, esta é a Casa das Letras da qual você se torna, hoje, sócio efetivo. A distinção de recebê-lo nesta solenidade, em nome de todos os meus pares, é uma daquelas raras alegrias que devo reconhecer como presente do Destino. Não do acaso. Pois sabemos de quanto tempo e de quantas ternuras se constitui esse instante de duração infinita.
Em seu discurso poético, de memória e gratidão, você atualizou o espaço-tempo de uma imagem que guardo com absoluta nitidez. Daquele adolescente concentrado na busca pelo conhecimento. Para sua vontade de aprender, as aulas não bastavam. Abraçado aos livros e cadernos, era comum encontrá-lo pelos corredores, em diálogo com algum mestre, perguntando e ouvindo a explicação para sua dúvida ou curiosidade, em contrita devoção. Ali, em nossa Escola Técnica Federal da Paraíba, estava sendo gestado o professor de todos os méritos, o pesquisador incansável, o escritor de muitos talentos, o imortal cujo perfil projeta para a APL uma participação intensa e criadora, com o selo indispensável da qualidade intelectual.
Tem sido este o nível de suas publicações. Sempre de grande alcance pedagógico e com o propósito revisionista.
Destaque para sua tese de Doutoramento, editada pela UFPB. Nela você faz nova leitura da história e da crítica, sobre a obra de Aluísio Azevedo, para comprovar que o escritor “chegou a O Cortiço, em 1890, produzindo um romance essencialmente moderno, antecipador” porque foi capaz “de ler-se a si mesmo, de ler os contemporâneos brasileiros ou estrangeiros e de ler os sinais da rua” indicativos das transformações do mundo urbano.
Conclusões apoiadas em exaustiva análise dos elementos constitutivos da narrativa e ainda reforçadas pelas declarações do ficcionista, que não deixam dúvida sobre seu propósito de “encaminhar o leitor para o verdadeiro romance moderno”.
Também é obrigatório referir o trabalho contínuo que você vem realizando sobre nossa literatura chamada colonial. Primeiro, a reedição de Marília de Dirceu, com ensaio introdutório que enfrenta a dificuldade histórica do estabelecimento fidedigno do texto de Tomás Antonio Gonzaga, além das notas explicativas que tornam possível a leitura dos poemas, aos que não têm conhecimento para decifrar os elementos clássicos a eles incorporados.
Nesta sequência, vem a atualização da PROSOPOPÉIA, de Bento Teixeira. Um esforço coletivo de grande mérito, que corrige as injustiças da crítica e até o nome do autor. Enfim, proclama a face erudita do poeta, leitor da Eneida, das Geórgias, da Ilíada, das Metamorfoses e da Teogonia, como um valor suficiente para salvar sua obra.
Podemos concluir que existem dois importantes suportes para sua dedicação intelectual. A paixão pela cultura clássica e a certeza de que “Nada mais revolucionário do que buscar a melhor Educação, universal”.
Penso que a paixão pela mitologia foi seu primeiro alumbramento. Muito jovem, tornou-se tão íntimo dos deuses e heróis da Antiguidade Clássica, que o conhecimento não parecia adquirido através dos livros. Na ênfase e propriedade com que tratava cada detalhe da monumental realidade imaginária, dava a impressão de que convivera, muito de perto, com aquelas personagens e narrativas. Ainda hoje é assim. Se o tema emerge em uma conversa, é tratado com tal clareza, com tanta emoção, como se fosse a atualidade de uma experiência acumulada em recente viagem ao Olimpo.
Meu querido amigo, sua história é mais que merecedora de reconhecimento. Ela é exemplar, é inspiradora. Não apenas pelos objetivos alcançados com inteligência e obstinação ou pela erudição acumulada no exercício permanente da aprendizagem e do ensino, sua profissão de fé. Mas pela coragem de buscar e de realizar o mais difícil, na contra mão de uma realidade histórica dominada pelo imediatismo da banalidade e da superficialidade. Realidade que investe contra a memória de forma iconoclasta. Exemplo bem atual é o propósito de omitir nosso patrono Arruda Câmara, da denominação do parque que, com toda propriedade, leva seu nome de naturalista reconhecido por grandes estudiosos europeus.
Você não se deixou contaminar pela acomodação dos que se anulam no silêncio. Mobilizou toda sua competência e energia para corrigir a distorção da velha reforma impensada, que eliminou de nossos currículos a cultura greco-latina. Precisou confrontar e neutralizar a realidade adversa. Sonhar e se fortalecer com sua capacidade de liderança, até que essa iniciativa visionária, esse pensar grande resultasse na criação do Curso de Letras Clássicas, licenciatura em Língua Latina, Língua Grega e suas respectivas literaturas.
Hoje, através dessa valiosa área de estudos, com o comprometimento de sua coordenação, nossa UFPB se interliga a outras instituições de ensino superior que também tiveram esse alcance de preencher o que sempre foi uma lacuna injustificável, em nosso sistema educacional.
Talvez a Paraíba ainda não se tenha dado conta da dimensão desse feito. Mas seu lugar na História será ao lado dos antecipadores do futuro, daqueles que edificam para a posteridade com materiais que o tempo não desgasta.
Na premonição de José Américo de Almeida, você representa os que dão “asas e o selo da perpetuidade” ao mais ousado e ambicioso de seus projetos, a criação da UFPB.