A Semana Santa sempre nos lembra de uma crônica de Carlos Romero, chamada “Tirem Jesus da cruz”, em que ele apela à sensibilidade cristã p...

Páscoa que não é de todos

A Semana Santa sempre nos lembra de uma crônica de Carlos Romero, chamada “Tirem Jesus da cruz”, em que ele apela à sensibilidade cristã para que, nesta época, desviem o foco do sofrimento para a alegria. E pergunta: “Se um filho seu tivesse morrido em um violento acidente, você colocaria na parede de casa as imagens do sofrimento deste episódio, ou daria preferência às que exibissem momentos de amor e felicidade em família? Então, por que ficar relembrando a pior parte da vida do Nazareno, cujo final foi tão cruel e injusto?
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Cristo aparece a Maria Madalena ▪ gravura inspirada em Federico Barocci ▪ 1590
Não seria mais saudável rememorar os belos sermões, os ensinamentos, as curas, as bem-aventuranças, a Transfiguração, suas memoráveis manifestações em favor das mulheres, da Samaritana, das irmãs Marta e Maria, das adúlteras, de Maria Madalena, sua maior amiga e primeira pessoa a quem escolheu para aparecer, após ressuscitado?

Pois é, que seja hora de limpar o sangue e o ódio da Semana que querem Santa. Inclusive abolindo a inadequada prática – “A Malhação do Judas” –, que nada tem a ver com a mensagem de amor e perdão ensinada por Jesus. Decerto, Ele se sente muito triste ao ver perpetuarem a vingança por aquele que, de tão arrependido, terminou se suicidando e, paradoxalmente, ainda não foi perdoado.

A Semana Santa também nos lembra de uma certa manhã de Domingo de Páscoa, quando pedalávamos por trás das encostas e avistamos um vendedor de picolés. Certamente, como alternativa para enfrentar menos concorrência, ele desviara a rota de costume. Em vez de ir pela praia, onde havia mais ofertas e procuras, típicas de um feriadão de Semana Santa, ele aventurou-se pelo alto das falésias da Praia do Amor, entre chácaras e residências.

Realmente a praia estava cheia. E as águas de março que andaram fechando o verão haviam dado uma trégua ao Sol, que apareceu generosamente naquela manhã iluminada. Pedalávamos pela beira-mar, e, mais adiante, subimos por uma das trilhas que dá acesso
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Federico Barocci ▪ 1580
ao topo das encostas, de onde se avistam paisagens paradisíacas à borda do Atlântico.

As borboletas aproveitavam a calmaria e, tal qual beija-flores, cintilavam sugando seus néctares, de zínia em zínia, confundindo-se delicadamente com o colorido dos canteiros que nascem assim, ao léu, sob as bênçãos do céu.

Ao passar em frente de algumas casas, dava para sentir o clima de Páscoa que reúne as famílias que têm o privilégio de degustar um bom almoço, seguido de suculentos ovos de chocolate. O que não era, obviamente, o caso dos vendedores de picolá. Eles tinham que trabalhar duro. Não podiam desperdiçar um domingo de Páscoa ensolarado, saltitando por aí, beijando zínias, tampouco tomar vinho, nem comer chocolates.

Mas, ao que parecia, a Páscoa não estava pra picolé... Com certa tristeza, observávamos que, mesmo se dirigindo diretamente ao portão das casas para oferecer o seu sorvete era sempre um frustrante e desanimador “não” que o vendedor da guloseima ouvia, de longe. Quiçá na praia o gelado estivesse sendo mais atrativo...

Como foi triste constatar, mais uma vez, que na Semana Santa existe uma Páscoa que não é de todos. Que nos reste, pelo menos, a fé em que, um dia, será...

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  1. Brilhante crônica Germano Romero!!Suave e adornada de calmaria!!..que deveriamos ter..relembrado os bons momentos do Cristo ..com as memoráveis passagens de vida terrena!!
    Paulo Roberto Rocha

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  2. Que linda crônica Germano, me sinto assim na Páscoa, desde criança não entendia essa veneração pelos sofrimento. Tantos ensinamentos Jesus deixou para todos. Parabéns !

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    1. Grato, amiga Rejane. Sua sensibilidade não surpreende

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  3. Ainda bem quem alguns desses pressupostos levantados pelo nosso Germano, relembrando uma das figuras mais icônicas que o jornalismo paraibano teve, nos anos 50/60, já estão sendo tirados dos calendários litúrgicos.
    É bem verdade, que a par das lembranças, digamos, trágicas, devemos, e isto fazemos, de certa forma, durante todo o resto do ano, integrar, cada vez mais, ao nosso ser e viver, as lições de viver que o Homem de Galileia nos deixou.
    E isto não se faz exclusivamente com o cumprimento do preceito religioso do cerimonial litúrgico dos finais de semana, mas no dia-a-dia de cada um, pois são muitas as oportunidades que se n os apresentam, a cada instante, para exercitarmos o viver cristão.

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