Duvido que houvesse menino, por malvado que fosse, capaz de caçar, ou machucar, uma lavadeira, aquele passarinho com plumagem branca...

Lavadeiras

passaros lavadeira mascarada viuvinha
Duvido que houvesse menino, por malvado que fosse, capaz de caçar, ou machucar, uma lavadeira, aquele passarinho com plumagem branca e preta e uma máscara estreitinha, quase uma fita que se esticaria de orelha a orelha se, na verdade, orelhas tivesse. Sabem não? Aquelas avezinhas que lavaram a roupa do Menino Jesus.

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Juan Volpato
Tenho visto pouco desses bichinhos nesta fase da vida feita de tantas ausências e subtrações. Lembro que visitavam a calçada da loja de tecidos de Seu Ernesto, notadamente, em dias de chuva para o banho em poças d'água.

Imbatível na balieira o amigo Coló, que não poupava bicho de pena, diminuía os passos, pisava devagar e desviava a rota a fim de não assustar uma daquelas aves. Talvez, em respeito à condição da própria mãe que vivia de lavar a roupa de boa parte das famílias mais abastadas do lugar. Lembro dela: uma senhora calma, magrinha e de olhar triste. Nunca ouvimos um impropério de sua boca. Não fosse pelo passarinho, eu juraria que seria sua a incumbência de lavar camisa de santo.

Já perto da mudança para João Pessoa, aos 15 anos, eu ainda via bandos diários de lavadeiras nas praças e calçadas. Surgiam em pequenos e sucessivos grupos a revirarem folhas em busca de insetos. Tinham um canto suave e alegre e empinavam o peito enquanto batiam as asas para se mostrarem umas às outras. Mansinhas, permitam a aproximação humana à distância de dois passos, desde que se andasse com os pés leves de Coló.

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Luciano Marra
Atino, de repente, para a escassez de lavadeiras, ainda, no Recife das minhas frequentes visitas. Também, para o fato de que vejo pouquíssimas no Centro Comercial e nos bairros de João Pessoa, apesar de áreas grandes o suficiente para conterem, a um só tempo, 30 povoações do tamanho daquela onde dei os primeiros passos. Talvez estejam a minguar em processo de amplitude nacional.

É coisa que observo desde o fim da adolescência. Não supus, quando já capaz de pesquisar o tema, que fossem seres nativos daquelas beiradas do Rio Paraíba, como o foram José Lins do Rego e o Major João José Maroja, menor, este último, em voos e significância lírica, ou histórica.

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Leandro Avelar
Li que, cientificamente, as lavadeiras têm o nome de “Fluvicola nengeta”, coitadas. A coisa resultaria da mistura de latim com tupi. Remete à ideia de “fluvius”, rio. E “nengeta”? Sei lá...

Também não sei se foram os pardais – passarinhos robustos, valentes e territorialistas em vão importados da Europa nos anos de 1900 para comer o mosquito da febre amarela, no Rio de Janeiro – que expulsaram, gradativamente, das nossas praças e calçadas as tão belas e alegres lavadeiras. Estas mal chegam, cada uma, a 20 gramas. Por falar nisso, as andorinhas também andam sumidas. Os pardais feiosos e arengueiros, não. Aí, tem...

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  1. Irenaldo Quintans8/7/22 07:28

    Sensibilidade comovente, caro amigo! Belo texto.

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  2. É isto mesmo, meu caro amigo.
    Lembro bem dessas pequeninas, que desde cedo aprendi a respeitar, exatamente sob esse fundamento.
    E, as andorinhas que até tempos atrás ainda nos visitavam, em bandos migratórios, encantando-nos com a coreografia de seus voos coletivos, que, mesmo sem a fumaça, talvez tenha servido de inspiração para nossos aviadores formarem suas esquadrilhas de demonstração aérea, que com a ajuda de uma fumaça cenográfica procuram imitar essas pequenas aves a voar em um céu que não pertence exclusivamente aos condores.

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    1. frutuosochaves@gmail.com8/7/22 09:55

      - Um abraço, Arael.

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