Quando o verde dos teus olhos
Se espalhar na plantação
Eu te asseguro, não chores não, viu
Eu voltarei pro meu sertão.
Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira
Está aí uma metáfora vigorosa que retrata a mágica transformação que se processa nas paisagens do semiárido nordestino quando o verão inclemente vai dando lugar às primeiras chuvas na estação das águas.
O panorama pintado em cor de pátina ou de um marrom mortiço, vai tomando vida e nem vão lá muitos dias para que o cenário vá se esverdeando num testemunho inconteste do milagre da vida. É o verde “daqueles olhos” se espalhando na plantação.
Skitter
Mas essa canção poderia encontrar eco bem longe daqui. Não acreditam? Pode sim. Vejam:.
Se formos girar o mundo em muitos pontos cardeais, até chegarmos lá nas estepes do Hemisfério Norte, o vilão é outro, antagônico daquele que castiga nosso sertão nordestino. Lá não é o Sol impiedoso que vai maltratar paisagens, bichos e gente, mas o frio glacial que começa aparecer nos primeiros dias de outono e vai sem qualquer compaixão descolorindo todo cenário. Cruel também. Depois vem a neve para cobrir de branco o que o outono deixara cinza e marrom, até que meses depois, ele, o Sol, vá timidamente aparecendo e trazendo quentura para ir aos poucos devolvendo o verde e o colorido à natureza..
Mas o que me fez recorrer a essas lembranças?.
Ah, meus amigos, minhas amigas, alguns dias atrás a Paraíba ganhou de presente uma presença da maior qualidade. Membro da na nossa UBE – PB, uma das organizadoras da Antologia
Um livro que retrata a busca de Ludmila pelo paradeiro de seus antepassados assassinados pela ditadura soviética. No primeiro Gulag que visitou no arquipélago Solovitskie pisou em solo impregnado de cadáveres. Assim começava a peregrinação de Ludmila onde ainda hoje as autoridades de lá tentam esconder o desaparecimento de milhões de cidadãos como que se eles não tivessem existido..
A obra de Ludmila não é apenas de memórias, mas traz provas contundentes do terror daqueles anos sombrios. Agora um pouco de Lud.
Assim é tratada no seio da família e no círculo dos mais chegados. Seus pais, vocês já deduziram, são lá daqueles confins do mundo, onde o filete de mercúrio se encolhe nos termômetros. Eram russos. Pais e avós fugiram
Ludmila Saharovsky
Resumindo um pouco a história, essa nossa confreira viveu no Brasil como apátrida até sua adolescência. Experimentou o drama de quem não tem o seu chão. [...] Em meu diário secreto, a quase inatingível flor de edelweiss, que nasce nos penhascos, prensada entre as páginas, era uma relíquia que condensava em si, de forma palpável, aquela longínqua realidade. Ela me dizia; “O país em que você nasceu existe de fato, mas você não lhe pertence”.
Mas essa senhora sobreviveu a essa e muitas outras intempéries que o destino colocou à sua frente. Uma sobrevivente. Escritora, poetisa, cronista, promotora cultural, é uma locomotiva em terras paulistas, lá no vale do Paraíba. Sua residência é ponto de encontro de gente das letras, dos bordados, dos que estimam a cultura.
Jacareí ▪ SP
Havia visto Ludmila uma única vez, creio que em 1970. Fomos nos reencontrar em um livro: na primeira Antologia da UBE. Amizade que se solidificou, enraizou pelas famílias. Recebemos essa nossa confreira e vimos que o verde dos olhos dela espalharam um pouco de alegria entre seus amigos aqui da Paraíba. È o que sempre acontece por onde ela chega. Como naquela canção.