Lembro bem do dia em que te conheci. Eu andava distraída, a catalogar coisas bonitas, quando te ouvi espalhando os sons da tua alegria....

A voz da angelitude e o som das lágrimas

osbert mozart lira musica
Lembro bem do dia em que te conheci. Eu andava distraída, a catalogar coisas bonitas, quando te ouvi espalhando os sons da tua alegria. Bastou um segundo para o mundo se transformar. Havia luz em toda parte, uma explosão de cores e um novo amor em mim.

A cada encontro nosso, a minha respiração se alterava diante da absoluta beleza que escapava de ti. Teus pequenos milagres me punham um sabor de divindade na boca. Nenhum assunto era pequeno ou desimportante.
osbert mozart lira musica
Alphonse Osbert, 1894
Do perdão mais sincero às cartas mais insanas, eu te desfrutei, bebendo a tua poesia santificada e pagã.

Histórias que beiravam o ridículo eram contadas como se fossem grandiosas epopeias. Eu acreditava (e ainda acredito) em todas elas, porque és tão imenso que nada me custa crer em ti. Juntos, experimentamos solenes e mundanos instantes. Nas catedrais me puseste a ouvir a voz da angelitude e o som das lágrimas nos funerais; em palácios me apontaste os covis e os fantasmas vingadores; em casebres me contaste de sonhos plebeus e me ensinaste a embalar o sono dos inocentes com a mais pura esperança. Vingança e redenção, mistérios da alma humana, nada te escapou.

Não se passa um dia sem que eu recorde da tua infinita capacidade de confortar o meu coração aflito, ao me dizer que o mundo tem cura e há alegrias escondidas nas notas musicais.

Quando penso em ti, ensaio uns passinhos miúdos na calçada, tamborilo os dedos sem perceber e imagino uma dança contigo, rica de rodopios. Um riso largo se instala no meu rosto diante da tua arte, caleidoscópio de sonhos.

osbert mozart lira musica
Alphonse Osbert, 1906
Nunca fui capaz de escapar dos teus sortilégios, da paixão febril que adivinho nos teus escritos.

Por tudo isso, não acreditei quando me disseram que caía uma chuva gelada no dia que o teu corpo foi sepultado, num 5 de dezembro de quase inverno. Achei impossível que, neste nosso mundo tão necessitado, pusessem o amor em uma vala comum e lá o deixassem, esquecido. Logo tu, o portador de graça sublime e dos mais escandalosos risos.

O que penso de ti está na primeira página do meu diário. É um recado para os meus filhos:

Para Wolfgang Mozart, que morreu há 230 anos, em 5 de dezembro de 1791.

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