O vocábulo "onde" se consolidou como um dos grandes pontos de interrogação na gramática de muitos falantes e escritores da lí...

''Onde'' já se viu?

 floresta bosque perdido onde e aonde
O vocábulo "onde" se consolidou como um dos grandes pontos de interrogação na gramática de muitos falantes e escritores da língua portuguesa. Embora seja uma palavra pequena, seu uso inadequado é tão disseminado que, muitas vezes, passamos por ele sem notar a imprecisão que carrega. O problema fundamental reside na confusão entre a função estrita de "onde", que é indicar lugar físico ou localização espacial, e sua aplicação indevida em contextos temporais, conceituais ou abstratos.

 floresta bosque perdido onde e aonde
GD'Art
A regra primordial é: o "onde" atua como um advérbio de lugar ou um pronome relativo que retoma um termo antecedente que possui natureza locativa. Segundo a gramática normativa, só pode ser empregado quando puder ser substituído por expressões sinônimas que denotam um local, como "em que lugar", "no qual", "na qual", "em que", ou até mesmo, em construções mais formais e por vezes arcaicas, "a que lugar" (embora "aonde" seja a preferência moderna nesse último caso).

Considere a frase: "A cidade onde nasci passou por grandes transformações." Neste exemplo, "cidade" é um lugar físico, e "onde" funciona perfeitamente, sendo equivalente a "A cidade na qual nasci...". Da mesma forma, em "O escritório onde trabalhamos será reformado", o termo "escritório" designa um espaço, validando o uso do "onde".

A transgressão dessa regra básica é a causa do erro mais comum na comunicação contemporânea. É frequente deparar-se com estruturas como "Esta é uma época onde a informação é valiosa" ou "A situação onde me encontro é desconfortável". Nesses casos, o que se tem não é um lugar, mas sim um conceito abstrato ("época", "situação", "momento", "ideia", "ocasião").
 floresta bosque perdido onde e aonde
GD'Art
Ao tentar encaixar o "onde" nesses contextos, o falante ou escritor comete uma impropriedade. A norma-padrão exige que, na ausência de um lugar físico, o pronome relativo apropriado seja empregado, regido pela preposição exigida pelo verbo. O mais comum é o uso de "em que" (ou suas flexões: "no qual", "na qual", "nos quais", "nas quais").

Retomando os exemplos, as formas recomendadas seriam: "Esta é uma época em que a informação é valiosa" e "A situação em que me encontro é desconfortável". O emprego de "em que" nesses casos se justifica porque "época" e "situação" não são lugares, mas sim categorias temporais ou conceituais. Outro exemplo: "O artigo onde ele baseou a pesquisa é extenso" deve ser corrigido para "O artigo em que ele baseou a pesquisa é extenso". O verbo "basear" é transitivo indireto e exige a preposição "em" (basear-se em algo), e o antecedente é "artigo" (não lugar).

A flexibilidade da língua viva permite que alguns gramáticos mais descritivos aceitem essa licença poética ou figurada do "onde" quando ele retoma um antecedente que pode ser vagamente associado a um "espaço de ação". No entanto, em textos formais, exige-se cautela.

 floresta bosque perdido onde e aonde
GD'Art
Outro ponto de elucidação é a distinção entre "onde" e "aonde". Esta dualidade depende unicamente da regência verbal e do conceito de movimento. O termo "aonde" é a fusão da preposição "a" com o advérbio "onde" (a + onde), e deve ser utilizado apenas quando o verbo da oração exprime um movimento em direção a um lugar, exigindo, portanto, a preposição "a". Ele tem o significado de "para onde". Exemplos incluem: "Aonde você vai neste feriado?" (Quem vai, vai a algum lugar) ou "O teatro aonde o diretor se dirigiu estava lotado" (Quem se dirige, se dirige a algum lugar). Se não há movimento ou se o verbo exprime permanência ou localização estática, a forma correta é unicamente "onde": "Onde você está?" (Quem está, está em algum lugar) ou "O prédio onde moro é antigo".

O domínio sobre o uso de "onde", "aonde" e "em que" é um reflexo do rigor e da atenção do escritor à estrutura da frase e à regência verbal. O escritor atento deve realizar o "teste do lugar": se o antecedente não puder ser desenhado em um mapa ou delimitado como um espaço físico, a escolha não será "onde". A substituição mental por "no qual" ou "na qual" é um recurso eficaz para garantir que a palavra certa seja empregada, conferindo ao texto a autoridade e a correção que ele merece.

COMENTE, VIA FACEBOOK
COMENTE, VIA GOOGLE
  1. Aqui é o professor que tem a palavra. Obrigado e parabéns, Leo. Francisco Gil Messias.

    ResponderExcluir

leia também